A moção que António Costa leva ao congresso do PS do final de maio centra no partido a obrigação de reunir as condições para implementar as suas próprias ideias. “Da capacidade e da força do PS dependerá a concretização deste desígnio”, escreve Costa nas conclusões do documento onde define as bases onde vai fundar, mais tarde, o seu programa eleitoral para as legislativas de 2019. Nas 31 páginas de texto, só fala da solução governativa que lhe permitiu formar Governo em 2015 por duas vezes e em ambas para fazer um elogio ao próprio PS. E nunca refere nenhum dos parceiros.

“Ao longo destes dois anos e meio fomos capazes de construir uma alternativa que provou ser estável e coerente, que rompeu o conceito de ‘arco da governação’ e acabou com o tabu das soluções governativas com apoio maioritário da esquerda, assim enriquecendo a nossa democracia”. Esta é a primeira referência feita na moção à inédita congregação de forças de esquerda para viabilizar um Governo em Portugal.

A segunda mantém o tom de elogio à iniciativa do PS e continua a referir-se ao passado: “Cumprimos e estamos a cumprir tudo aquilo com que nos comprometemos perante os portugueses e perante os nossos parceiros parlamentares. E se hoje os resultados são melhores é porque boas políticas dão bons resultados”. Fim de história. A atual solução governativa não volta a ser referida no texto onde Costa elenca as “questões estratégicas” para o futuro.

Já nas conclusões da moção, quando fala nas condições políticas exigíveis para implementar os seu “desígnio”, o socialista diz que isso depende da “capacidade e força do PS” mas, a esta distância, o que define como objetivo eleitoral é apenas “reforçar a influência política e social do partido”. Não há qualquer referência a fasquias específicas, como a maioria absoluta, por exemplo.

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O texto coordenado pela dirigente socialista e secretária de Estado Adjunta do primeiro-ministro, Mariana Vieira da Silva, tem por título “Geração 20/30” e é o documento com que Costa se lança para o período eleitoral intenso que vai marcar o próximo ano. Em maio há eleições europeias e, meses depois, realizam-se as legislativas, o que faz desta a última reunião magna do partido antes de novo ciclo eleitoral.

Ainda assim, o líder socialista diz que, antes de cada um dos actos eleitorais, quer reunir o partido: logo em janeiro, numa Convenção Nacional para “construir uma plataforma vencedora, assente nos valores que unem a Europa e Portugal, para as eleições para o Parlamento Europeu” e, em junho, numa nova Convenção Nacional para aprovar o Programa eleitoral do PS. “Até lá, o Gabinete de Estudos deve preparar o Programa, em permanente diálogo com diferentes setores da sociedade e com todas as estruturas do PS”, numa estratégia decalcada da que usou em 2015.

A moção é o primeiro passo nesse sentido e o atual primeiro-ministro propõe-se a “olhar para o médio e longo prazo, para as grandes questões estratégicas” do país, definindo quatro específicas: “as alterações climáticas; a demografia; a sociedade digital; as desigualdades”. Para o socialista, é esta a “página” que se segue à da austeridade: “Virada a página da austeridade, será neste novo ciclo que se irão reforçar as condições para que Portugal vença os desafios estratégicos da próxima década”. E o nome “20/30”, explica na moção, “tem um duplo sentido: o sentido de ser o horizonte entre 2020 e 2030, a próxima década; mas também um desafio geracional, porque as grandes questões que selecionamos são, em grande medida, desafios para a geração 20/30”.

O elenco de prioridades, não difere muito daquele que Rui Rio fez na moção que levou ao congresso do PSD. Nos “problemas e desafios” que definiu, o líder social-democrata colocou as “desigualdades e assimetrias”, a “divergência económica com Europa”, a “insustentabilidade demográfica”, a “elevada exposição às alterações climáticas”, as “baixas qualificações”, o “centralismo” e a “dívida”. Este último é o único tema que não se repete nas duas prioridades, aliás, António Costa afastou mesmo o pendor mais financeiro que marcou os últimos anos de governação em Portugal da sua estratégia futura. Na moção não é feita uma referência à questão da dívida e fecha-se esse capítulo numa ideia: “Cumprido com êxito o programa de recuperação de rendimentos e da confiança, da economia e do emprego, bem como das finanças públicas e da credibilidade internacional do país. Agora, desenha-se um novo ciclo na sociedade portuguesa”.

Mas o que quer Costa de concreto em cada uma das áreas?

O tal novo ciclo, passa por algumas medidas que já alinha na moção, ainda que de forma ainda muito pouco concretizada. Onde vai mais longe é na questão salarial (no capítulo das desigualdades), quando assume o objetivo de “liderar um movimento para um consenso estratégico de convergência salarial, tanto internamente, reduzindo as disparidades salariais, como externamente, promovendo a aproximação ao nível médio dos salários na Europa”. E aqui é onde mais se aproxima daquelas que têm sido as reivindicações dos seus parceiros à esquerda.

Exemplo disso é que nesse consenso quer incluir “uma política de atualização sustentada do salário mínimo, preferencialmente ancorada num objetivo de médio prazo”, “dinamizar a contratação coletiva” (um dos temas mais caros ao PCP) ou “acompanhar a implementação das medidas aprovadas para a promoção de igualdade remuneratória de género”. Também se compromete a “reavaliar os instrumentos de mínimos sociais de apoio à população em idade ativa” e ainda responder por antecipação aos problemas que o “desenvolvimento da economia digital” podem trazer em matéria de desigualdade. A este propósito, a moção fala em “estudar uma ferramenta eficaz para ter capacidade de aplicar uma medida de impacto nas desigualdades dos diferentes instrumentos estratégicos das políticas públicas e em cada Orçamento do Estado, assim como alterações na fiscalidade“.

A “sociedade digital” (outro dos quatro capítulos) é precisamente um dos pontos centrais da moção do secretário-geral do PS, que se mostra preocupado com “os riscos que lhe estão associados”, concretamente para o mercado de trabalho. “Os progressos na robótica e inteligência artificial traduzem-se em ganhos civilizacionais (…) Mas criam também os riscos de desemprego tecnológico”, consta no texto da moção de António Costa. Assim, a proposta que faz é “definir um quadro legal sobre esta realidade que impeça que ela se transforme num segmento invisível da população ativa”. E defende também que o investimento em Inovação e Desenvolvimento alcance os 3% do PIB até 2030.

Em matéria de demografia (mais um capítulo), uma das matérias onde coloca maior peso é a da natalidade, comprometendo-se a “continuar a reforçar as políticas de família e introduzir novas soluções para a conciliação entre vida profissional e vida pessoal”. Isto além de “completar a rede de apoio à primeira infância e pré-escolar” e das condições aos jovens para que não adiem a constituição de família, por exemplo. “Encurtar a distância entre a fecundidade desejada e a fecundidade realizada, aproximando o número de filhos que as pessoas têm do número de filhos que gostariam de ter, implica agir sobre diferentes fatores”, determina a moção de Costa. Mas também trazer de volta emigrantes e “lançar uma política nacional de atração e acolhimento de imigrantes“.

Já nas alterações climáticas (a quarta prioridade), o objetivo é “participar em todos os níveis do debate em torno das alterações climáticas” e coloca um papel “central” na atuação das autarquias nesta matéria. Isto além de “aprofundar a aposta nas energias renováveis no domínio hídrico como eólico” e ainda manter em 2050 o objetivo de atingir a “neutralidade carbónica”.

O texto não passa — aliás o arranque é logo dedicado a isso — sem fazer o balanço de dois anos e meio de governação. “Uma governação de sucesso, que permitiu melhorar a vida dos portugueses, a economia e o emprego, restabelecer a confiança e a esperança no futuro”, descreve o documento que Costa leva à aprovação do Congresso que se realiza entre os dias 25 e 27 de maio. Neste balanço, também sublinha a “nova atitude na Europa” que responsabiliza pelo anulamento de sanções por incumprimento da meta do défice entre 2013 e 2015 e também pela forma  como “foram aceites” os Orçamentos do Estado para 2016, 2017 e 2018, “apesar do reconhecimento de uma alteração de políticas”. Ou seja, apesar da “geringonça” que tantas desconfianças levantou entre os parceiros europeus quando foi criada.

A moção de orientação política vai ser apresentada por António Costa esta sexta-feira, numa sessão com militantes do PS em Portimão. Nos dias 11 e 12 de maio, o PS elege o próximo líder do partido, em eleições diretas.