O Sporting já tinha sido campeão duas vezes de voleibol nos anos 50, com uma equipa onde estava Mário Moniz Pereira, mas foi no início da década de 90 que teve o seu período áureo na modalidade. Em 1991, ganhou a Taça e a Supertaça de Portugal pela primeira vez na sua história, mas acabou por perder o Campeonato num dos encontros decisivos mais atípicos de sempre: na penúltima ronda da segunda fase, podendo passar para a frente da prova em caso de triunfo frente ao rival Benfica, os leões tiveram uma vantagem de 2-0 e chegaram a desperdiçar mesmo alguns match points, acabando por perder ali o título para os encarnados na velhinha Nave de Alvalade.

Esse desaire, num claro exemplo de festa antecipada que acabou por correr mal, funcionou como dínamo para algo nunca antes alcançado pelo conjunto verde e branco na modalidade, o tricampeonato, com equipas onde se destacavam Florov, Genev, Wagner, os irmãos Cavalcanti, Filipe Vitó, Nilson ou Miguel Maia. Em termos internos, foi uma das formações mais fortes das últimas três décadas. Em 1994/95, houve saídas importantes e o Sporting acabou por ficar só com a Taça de Portugal, perdendo o Campeonato para o Sp. Espinho. A seguir, acabou.

Rivalidade à vista: Sporting regressa ao voleibol para disputar o título com o campeão Benfica

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22 anos depois, aproveitando a construção do Pavilhão João Rocha (feito com a obrigatoriedade de ter 12,5 metros de pé direito para poder receber jogos internacionais de voleibol), a modalidade regressou. E os adeptos leoninos não esqueceram esse hiato, como se percebeu numa tarja erguida num dos jogos da final que dizia “maio de 1995, nunca mais”. O que provavelmente poucos acreditavam era que, entre setembro e maio, a equipa totalmente nova fosse capaz de conquistar o Campeonato. Ou melhor, de setembro (curiosamente o primeiro foi também frente ao velho rival, com triunfo por 3-1) a Maia: o distribuidor de 47 anos, que tinha sido tricampeão nos anos 90, regressou como capitão, ganhou pela 16.ª vez a prova e quebrou um jejum de 24 anos dos leões.

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A vitória decisiva aconteceu esta tarde em Alvalade, depois de uma final muito disputada com dois triunfos para cada lado (sempre da equipa visitada) e que teve neste Dia do Trabalhador o seu epílogo, com o Sporting a levar a melhor sobre o Benfica perante um Pavilhão João Rocha cheio (quase 2.700 espetadores, no dérbi com maior assistência na prova) e com a presença de muitos adeptos visitantes. E mais equilíbrio era completamente impossível: o campeão foi decidido na “negra” (jogo 5), o último encontro foi à “negra” (quinto set) e acabou nas vantagens (16-14). Houve aspetos lamentáveis no encontro, como a moeda que atingiu na cabeça Tiago Violas, que teve de receber assistência durante algum tempo com o jogo interrompido, ou as duas tochas que foram abertas no decorrer do primeiro set, ficando uma névoa no topo do recinto, mas a final deste Campeonato Nacional foi um verdadeiro hino ao voleibol e um fantástica promoção à modalidade. Apesar de ser um chavão, aqui justifica-se na plenitude: nenhuma das equipas merecia perder depois da batalha de quase três horas mas só uma podia ganhar.

Os dois sets iniciais tiveram triunfos para os dois lados, pelo mesmo resultado (25-19) e pelas mesmas razões: no primeiro, apesar do arranque equilibrado e com o Benfica a sair para o primeiro tempo técnico em vantagem (8-7), foi o Sporting que assumiu o comando das operações (16-13 no segundo tempo técnico) e ganhou porque esteve melhor no serviço, mais eficaz no remate e com maior consistências nas ações de bloco e defesa baixa; no segundo, os leões tiveram uma entrada para esquecer (3-8 no primeiro tempo técnico, 8-16 no segundo) e os encarnados foram muito superiores, impondo o seu jogo pela zona central e a exploração da zona 4 sem que os visitados, que cometeram muito mais erros, tivessem hipóteses de encostarem de novo no resultado.

Entre o terceiro e quarto sets, o jogo já foi diferente: o Benfica adiantou-se no resultado vencendo por 25-22 um parcial marcado pelo aproveitamento do erro adversário e pela capacidade de pontuar no sideout, o que ia reduzindo as esperanças verde e brancas de conseguir ainda discutir o set; o Sporting respondeu com um quarto set esmagador, onde chegou a ter várias vantagens de dez pontos com momentos fantásticos em termos ofensivos contra uma formação encarnada que se eclipsou no serviço, no bloco e na defesa, tanto que José Jardim preferiu poupar todos os elementos do seis inicial para a “negra” que decidiria esta final do Campeonato (25-17).

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Todas as decisões ficavam adiadas para o quinto e decisivo set, tal como tinha acontecido no jogo 3 da final que o Sporting tinha ganho por 3-2 (antes, o Benfica vencera o jogo 1 e o Sporting o jogo 2; depois, o Benfica voltou a ganhar o jogo 4, na Luz). E foi um parcial verdadeiramente de loucos: os leões começaram em vantagem face aos ataques falhados com remates para fora do ataque das águias (8-5); os encarnados acabaram por recuperar da melhor forma depois da longa pausa para assistência a Tiago Violas, distribuidor dos visitantes que foi atingido com uma moeda, por causa da subida da eficácia de bloco (13-13); João Simões, que entrara no quarto set e melhorou muito o jogo do conjunto de Hugo Silva, saiu lesionado; o Benfica teve um match point que podia ter dado o título mas que Dennis empatou a 14; e dois serviços de Muagututia, americano que chegou a Alvalade a meio da época com Agámez (que esta terça-feira mal jogou, por problemas físicos), acabaram por dar o triunfo ao Sporting por 16-14, o primeiro dos quais com muita sorte à mistura numa bola que bateu na rede e passou para o outro lado.

“Quando esta direção me desafiou a pegar neste projeto, só um desafio tão grande me faria abdicar da minha Seleção e vir para um clube. Não podia dizer que não e abracei este projeto do zero, dos jogadores a simples bolas para treinar. Foi muito desafiador. Sabíamos das dificuldades que iríamos ter. Fomos trabalhando no dia a dia e foi histórico para o voleibol, para o Sporting e para mim. É um título que não vou esquecer. Para ser o primeiro título deste pavilhão, tinha de ser assim e aqui, junto dos nossos sócios. Só poderia ser desta forma, sofrida. Um jogo longo, cheio de emoções, só podia acabar desta maneira. Este título tem um sabor redobrado. Defrontámos o melhor Benfica dos últimos dez anos e que valorizou e muito este título. Estão de parabéns pelo campeonato que fizeram”, destacou Hugo Silva, treinador do Sporting, no final do encontro.

“Mais importante que os 20 títulos que tenho como treinador é o orgulho de que quando perdemos foi desta maneira. Lutámos até ao último ponto, fomos mais equipa. Parabéns ao Sporting pelo investimento que fez”, referiu José Jardim, que não conteve também a emoção por ter sido o último encontro no banco dos encarnados após 18 épocas, passando agora para o lugar de diretor do voleibol dos encarnados.

“Foi a primeira vitória no João Rocha, numa modalidade que volta 22 anos depois e é campeã. Estávamos orgulhosos no primeiro dia quando aqui chegámos, mas jogar no Sporting acarreta grande pressão, quando temos de lutar por títulos. A equipa acusou um pouco de pressão. O Benfica foi digno finalista. O Sporting tem de ser assim e seremos cada vez maiores. O voleibol também ganhou com isto, quinto set e discussão até ao fim. Vou guardar esta bola para mim, como recordação. É um grande orgulho fazer parte deste clube. Queria deixar uma palavra ao presidente e a Rui Caeiro, que acreditaram no projeto, lutaram até ao fim e estiveram connosco. O presidente falou ontem [segunda-feira] mais de uma hora com todo o plantel. Ao contrário do que pensam as pessoas, o presidente é um valente, com um coração enorme, que ama o Sporting e deu-nos uma força interior para conseguirmos virar um resultado que parecia impossível, destacou Miguel Maia, em declarações à Sporting TV.

“É para isto que se está a ver que trabalhamos todos os dias. Isto é dos sportinguistas. Apostámos nesta modalidade que agora é campeã, 24 anos depois. É indescritível, pelos atletas, pelo staff, por nós, que trabalhamos 24 sobre 24 horas. O Sporting é isto, a partir do momento em que temos o leão ao peito é para ganhar e espero que consigamos no próximo fim-de-semana ser bicampeões de futebol feminino e de andebol. Tenho pena que haja pessoas que não conseguem ver a nossa dimensão. As lágrimas? Este é o clube que amo é o clube por que faço tudo, chateie quem chatear. Temos de partilhar esta alegria com os adeptos e os sócios porque eles são a nossa razão de ser”, salientou Bruno de Carvalho, presidente do Sporting que acabou o dérbi na primeira fila da bancada e que não conseguiu disfarçar a emoção após o ponto final no encontro, falando ao canal televisivo do clube.