Em setembro de 2018 começará um ano escolar diferente e os objetivos de aprendizagem também trazem novidades. O novo projeto das chamadas aprendizagens essenciais (AE), que substitui as metas curriculares (MC) estabelecidas pelo ministério de Nuno Crato desde 2012, vai começar a ser estendido — no presente ano letivo já foram testadas nas 235 escolas do projecto-piloto de flexibilidade curricular — a outros estabelecimentos de ensino, começando pelos primeiros anos dos três ciclos do ensino básico (1.º, 5.º e 7.º ano).

Segundo notícia do jornal Público, tanto as AE como as MC têm, formalmente, o mesmo objetivo: sinalizar aquilo que todos os alunos devem, obrigatoriamente, aprender em cada disciplina e ano de ensino. Mas há diferenças.

Quando as MC foram aprovadas, várias foram as vozes que se revoltaram com aquilo que consideravam ser “inexequível”, pois tanto pais como professores achavam que essas metas não só se desdobravam em demasiados descritores de desempenho como limitavam o papel do professor, que ficava com menos margem de manobra para adaptar os objetivos às necessidades de tantos e tão diferentes alunos. As novas diretrizes, por sua vez, aparentam ser o exato oposto daquilo que se tem vindo a implementar nos últimos anos: o número dos tais “descritores”, por exemplo, foram cortados a menos de metade, fator que dá mais margem de manobra aos professores. Emília Sande, presidente da Associação de Professores de Geogafia, diz ao diário que esta mudança dá mais liberdade aos profissionais de ensino porque permite que eles sejam capazes de melhor “gerir o programa” tendo em conta “os alunos que têm pela frente, as escolas onde estão inscritos e os acontecimentos que vão surgindo”.

A mesma docente acrescenta que esta será “outra lógica pedagógica” que “vem responder também ao que a sociedade e as empresas hoje necessitam dos jovens”.  Com isto quer dizer que os alunos vão poder ganhar “maleabilidade intelectual, criatividade e capacidade de lidar com a insegurança”. A disciplina de Geografia, por exemplo, que no 2.º ciclo é lecionada em conjunto com História, vai ver muitos dos seus conteúdos a serem reduzidos, mas Emília Sande não considera que isso seja necessariamente mau, já que haverá um maior enfoque na aprendizagem do uso das novas tecnologias — que no que diz respeito a alunos do 6.º ano, por exemplo, possam dominar ferramentas como o Google Earth.

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Cortes na História

A disciplina de História vai ser uma das que mais ajustes terá: assuntos como a herança da presença muçulmana na Península Ibérica, as marcas do mundo romano ou as características do regime estalinista vão desaparecer do plano curricular. Esta realidade, por exemplo, faz levantar a questão — como foram definidas estas AE?

O jornal Público afirma que as mesmas foram definidas pelas associações de professores de cada disciplina. Sobre a de História em específico — o diário tentou, sem êxito, falar com a Associação de Professores de História –, destacam as declarações de Paulo Guinote, blogger e professor desta temática que afirma que com estas alterações tudo fica “mais esquelético no plano da progressão histórica”, realidade que não lhe desagrada totalmente, pois já fazia “uma seleção dos conteúdos a abordar com mais atenção” há vários anos.

“O que poderá ser mais discutível passa pelos conceitos que se destacam para ‘identificar/analisar’. Há casos onde poderiam ser aqueles ou outros, não se percebendo a linha condutora para a sua seleção ou sequência”, refere ainda. O docente termina destacando alguns pormenores mais sui generis — ou “ridículos”, usando as suas palavras — como o facto de se abordar o conceito de cidadania na parte do Neolítico e ignorando-o “em vários momentos do programa de 6.º ano, quando muito mais se justificaria e exigiria… desde logo a propósito das revoluções de 1820, 1910 e 1974 que são os verdadeiros marcos para a criação de uma ideia de ‘cidadania’”.

O exemplo do Português

Na disciplina de Língua Portuguesa, a origem das alterações não se prende tanto com as “metas” mas sim com a forma como elas são alcançadas, afirmação corroborada por Filomena Viegas e Rosário Andorinha, as duas presidentes das duas associações de professores de Português.

Veja-se o caso de uma das antigas MC  que mais polémica gerou — o cronometrar a leitura dos alunos –, que deixa de existir. Por outro lado, segundo as novas AE deixam de existir listas de livros de leitura a partir do 1.º ano, passando a haver só do 6.º para a frente. Sobre este assunto, Filomena Viegas recorda que estas listas continuam a incluir o programa da disciplina, mas que a opção de não as incluir nas aprendizagens essenciais se destinou a dar mais liberdade aos professores nas recomendações de leitura que fazem, “tendo em conta o contexto em que estão a dar aulas”. Segundo a leitura da docente, esta medida serve para “privilegiar a vontade de ler“ dos alunos. De um modo geral, a presidente considera que estas AE “não se ficam pelos pormenores, esquecendo uma abordagem mais global, como acontecia com as metas curricular, privilegiam o saber usar, mesmo que não se saiba ainda o conceito, como por exemplo pode acontecer com os conectores [expressões que ligam palavras]”.

A presidente da Associação Nacional de Professores de Português, Rosário Andorinha, é da opinião de que estas novas diretrizes — um “documento pacífico”, nas suas palavras — “tentaram respeitar ao máximo o programa em vigor, condensando onde se comprovou que este era demasiado longo e não estava a ser exequível”.

Matemática faz contas à vida

Um caso peculiar é o da Sociedade Portuguesa de Matemática (SPM), órgão presidido por Jorge Buescu, que foi afastado do processo de negociação destas AE. Segundo o próprio, estas novas medidas ultrapassaram os receios da SPM e são “uma catástrofe absoluta”. “Não é possível comparar estas propostas com as metas, já que as aprendizagens essenciais são paupérrimas em termos de conteúdos. Em linguagem matemática diria que são um conjunto vazio, com o qual cada professor poderá fazer o que quiser”, afirma Buescu. “Por serem tão vagas, impedem que se identifique se há conteúdos que despareceram ou não”, mas fazem com que o programa em vigor se torne “em letra morta”, conclui.

Lurdes Figueiral, a presidente da Associação de Professores de Matemática (AMP), não está de acordo com esta visão mais catastrofista, justificando a sua posição com o feedback “globalmente positivo” dado por professores que em 2017/2018 já testaram este modelo. A responsável da AMP frisa que “o essencial dos conteúdos temáticos está presente, embora o trabalho de articulação com o programa seja difícil pela abordagem e organização que este preconiza”. Este argumento sustenta a vontade da AMP em substituir este modelo por um outro.