O ministro Adjunto Pedro Siza Vieira pode ser demitido pela via judicial, caso se comprove em tribunal que exerceu as funções de ministro ao mesmo tempo que era sócio-gerente de uma empresa. Não será difícil obter provas, uma vez que o próprio admitiu que esteve nessa situação ilegal pelo menos durante dois meses. A demissão terá de passar sempre pela decisão de um Tribunal Administrativo. A partir de agora — que é pública essa incompatibilidade — o governante corre esse risco. É isso que dizem as respostas às cinco perguntas sobre o assunto.

O ministro pode ser demitido por um tribunal?

Sim. A lei nº64/93, que regula o “Regime jurídico de incompatibilidades e impedimentos dos titulares de cargos políticos e altos cargos públicos”, estabelece que os titulares de cargos políticos — o que inclui os ministros — “exercem as suas funções em exclusividade“. No mesmo artigo (o 4.º) fica claro que a titularidade destes cargos “é incompatível com quaisquer outras funções profissionais remuneradas ou não, bem como com a integração em corpos sociais de quaisquer pessoas coletivas de fins lucrativos.”

A lei estabelece ainda que “a infração do disposto” do artigo 4.º — que impõe a exclusividade –, tem como sanção “para os titulares de cargos de natureza não eletiva, com a exceção do primeiro-ministro, a demissão“. Ou seja, na interpretação direta da lei, o ministro está em risco de ser demitido por um tribunal. Para isso é necessário provar um ponto: que o ministro exerceu funções como governante e ao mesmo tempo integrou os corpos sociais de uma empresa com fins lucrativos.

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António Costa disse no debate quinzenal que, da parte do Governo, não haverá consequências. Mas o próprio primeiro-ministro não exclui que o seu ministro Adjunto possa ser alvo de um processo judicial: “Se terá consequência por parte de outras entidades, só outras entidades o podem dizer.”

O ministro infringiu a lei das incompatibilidades?

Sim. O ministro criou e tornou-se sócio-gerente da empresa — como avançou o jornal Eco —  de compra e venda de bens imobiliários e de consultoria empresarial que abriu na véspera de ser nomeado. Além de ser detentor de 50% do capital (o que, só por si não configurava uma violação da lei das incompatibilidades), o ministro foi sócio-gerente da empresa entre 20 de outubro de 2017 e janeiro de 2018.

Ou seja: parece reunido um dos critérios para o ministro estar em situação de incumprimento. O próprio Pedro Siza Vieira reconhece que a situação era de incompatibilidade, daí que tenha abdicado de ser sócio-gerente. O problema é que nos primeiros meses violou a lei — que não prevê a possibilidade de uma retificação.

O ministro Adjunto, Pedro Siza Vieira, disse já esta quarta-feira que durante cerca de dois meses não tinha noção que os cargos eram incompatíveis e que só posteriormente tomou “consciência de que não se pode ser gerente, ainda que não remunerado, de uma sociedade familiar”.

Siza Vieira: “Não tinha noção” da incompatibilidade de cargos

O problema é que o desconhecimento da lei não iliba o ministro no incumprimento da mesma. O próprio primeiro-ministro o admitiu no debate quinzenal desta quarta-feira em resposta ao líder parlamentar do PSD, Fernando Negrão: “Ambos sabemos, o Código Civil ensina-nos que o desconhecimento da lei não aproveita“.

E esse incumprimento aconteceu, efetivamente. Para se justificar, o ministro destacou também que “a sociedade não teve ainda, infelizmente, qualquer atividade comercial, não realizou qualquer transação imobiliária”, o que também não é relevante. No estrito entendimento da lei, o ministro não a cumpriu durante mais de dois meses.

Como pode o ministro ser demitido?

À partida, o Tribunal Constitucional (TC), ao detetar esta incompatibilidade, tem de abrir um processo de averiguação. O processo fica, desde logo, nas mãos da representação do Ministério Público no TC. Se se comprovar que houve acumulação de funções — o que o ministro já admitiu — o MP tem de remeter o processo para o Tribunal Administrativo.

O advogado especialista em Direito Administrativo Paulo Veiga Moura defendeu, em declarações à RTP, que há “motivo, nos termos da lei, para a demissão do ministro”, uma vez que é “claramente incompatível ser ministro e ao mesmo tempo integrar os órgãos sociais de uma determinada sociedade comercial”.

Caso o incumprimento seja comprovado, o TC pode decretar a demissão do ministro pela via judicial (se fosse um deputado, seria decretada a perda de mandato). O visado pode, depois, se entender, recorrer para o Supremo Tribunal Administrativo e, em última instância, recorrer para o Tribunal Constitucional. Mas tudo isto pode demorar vários meses. Só quando a decisão transitar em julgado é que o ministro — a verificar-se este cenário — poderia então ser demitido pela via judicial.

Poderia servir de atenuante o desconhecimento da lei, mas, como disse um especialista em Direito Administrativo ao Observador — que optou por não se identificar — “a um jurista não é desculpável que não conheça a lei; e esse é logo um problema para o ministro se for alvo de um processo administrativo”.

Em alternativa, o ministro poderia sempre ser demitido pelo primeiro-ministro ou, ele próprio, pedir a demissão. Mas, como se percebeu pelas declarações de António Costa no debate quinzenal, esse é um cenário que não está em cima da mesa.

O ministro violou o Código de Conduta do Governo?

Não. Pedro Siza Vieira terá cumprido o Código de Conduta, desde que tenha informado o primeiro-ministro quando se apercebeu que estava a violar a lei, em janeiro. O artigo 7.º do Código de Conduta do Governo, relativo ao “suprimento de conflito de interesses”, estabelece que “qualquer membro do Governo que se encontre perante um conflito de interesses deve comunicar a situação ao primeiro-ministro, quando se trate de ministra/o ou de secretária/o de Estado que dele diretamente dependa, ou à/ao respetiva/o ministra/o, quando se trate de secretária/o de Estado, logo que detete o risco potencial de conflito”.

O Código de Conduta não impõe, neste caso, que o ministro seja demitido, mas sim que retifique “imediatamente” a situação. “Qualquer membro do Governo que se encontre perante um conflito de interesses, atual ou potencial, deve tomar imediatamente as medidas necessárias para evitar, sanar ou fazer cessar o conflito em causa, em conformidade com as disposições do presente Código e da lei”, lê-se no documento aprovado pelo atual Executivo.

O problema para o governante é que a lei, obviamente, se sobrepõe ao Código de Conduta.

O ministro ainda está em situação de incompatibilidade?

Não. A RTP foi ao Registo Comercial já esta quarta-feira, 23 de maio, e confirmou que o ministro ainda aparece como sócio-gerente. No entanto, Pedro Siza Vieira explica que já não está em incompatibilidade, uma vez que, de acordo com o artigo 258.º, n.º 1 do Código das Sociedades Comerciais, “a renúncia à gerência de uma sociedade por quotas torna-se eficaz com a simples comunicação à sociedade e não depende do registo”. Ou seja: basta que o ministro tenha comunicado por escrito à empresa dele e da mulher (a detentora dos restantes 50%) para que — oito dias depois dessa comunicação chegar à empresa — a renúncia passe a ser efetiva.

O ministro corre o risco de ser demitido por ter infringido a lei durante dois meses, mas neste momento já não está a violar a lei. O facto de ter retificado pode vir a servir de atenuante, caso seja alvo de um processo no Tribunal Administrativo.