A nomeação, à segunda tentativa, de um governo de coligação em Itália está a ser suficiente para estancar a hemorragia na bolsa e nas obrigações do Tesouro italiano, que tiveram o pior mês de sempre em maio. Mas a recuperação desta manhã é tudo menos um sinal de alívio — os analistas dizem que ninguém faz ideia do que vai acontecer em Itália nos próximos anos.

“Qualquer pessoa que tenha uma ideia clara sobre o que vai acontecer em Itália nos próximos anos é alguém muito mais inteligente do que nós”, afirmou Andrew Balls, responsável máximo pela estratégia de investimento de uma das maiores gestoras de ativos do mundo, a Pimco, em entrevista à Bloomberg TV.

Os juros da dívida de Itália estão a corrigir parte das perdas históricas das últimas semanas, mas continuam a espelhar o elevado grau de incerteza em torno do país.

A bolsa de Itália está a subir 2,6% e os juros da dívida a 10 anos estão a cair para 2,6%, depois de terem atingido os 3,2% na semana passada (em março, contudo, estavam abaixo de 2%). Um dos principais fatores que justificam a maior acalmia é a alteração do detentor da pasta das Finanças. O eurocético Paolo Savona não vai ser o representante de Itália nas reuniões do Eurogrupo e mandar nas Finanças do país — como seria se a primeira proposta de governo não tivesse sido bloqueada pelo Presidente da República — e vai passar para os Assuntos Europeus.

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Para as Finanças vai, na nova formulação de governo, Giovanni Tria — que tem sido crítico de alguns aspetos da União Europeia e da zona euro mas não é visto como um eurocético como Paolo Savona.

Giovanni Tria é presidente da Escola Nacional de Administração Pública e lidera a faculdade de Economia na universidade Tor Vergata. Tem 69 anos e, apesar de não ser visto como um eurocético, já escreveu várias vezes sobre os problemas que a moeda única causa, designadamente permitindo que países como a Alemanha acumulem excedentes orçamentais e outros países acumulem défices, sem que o câmbio “amorteça” esse efeito. Tria, contudo, em contrastre com Savona, defende que esse problema deve ser compensado com transferências orçamentais entre os países. “O grande perigo do euro é a implosão, não a saída”, escreveu Giovanni Tria num artigo de opinião, num jornal, escrito a quatro mãos com um ex-deputado do governo de Silvio Berlusconi.

Liga e Movimento Cinco Estrelas chegam a acordo para formar governo. Presidente aprova

Estas posições assumidas publicamente aumentam, até certo ponto, a confiança dos investidores de que Tria será um ministro das Finanças moderado, pelo menos certamente mais do que seria Savona. Contudo, é difícil antecipar qual será a dinâmica de um governo em que os líderes dos dois partidos populistas são primeiros-ministros adjuntos, com a pasta da Administração Interna (Liga) e da indústria e mercado de trabalho (Movimento Cinco Estrelas).

Esta não é uma composição de governo que inspire muita confiança aos investidores que gostariam de ver Itália a fazer reformas estruturais na economia do país, pelo que bancos como o Commerzbank dizem, em nota a que o Observador teve acesso, manter uma posição “defensiva” em relação ao investimento em Itália.

Também o ING defende que “é demasido cedo para concluir que o pior já passou”. O analista Martin Van Vliet acredita que pode haver um cenário “mais benigno” em que as tensões continuam a aliviar, sobretudo se Mario Draghi e o Banco Central Europeu (BCE) derem respaldo à solução governativa e sinalizarem que vai continuar a intervenção do banco central com a compra de dívida italiana nos mercados, contendo os juros.

Pode também, segundo o analista do ING, haver um cenário de “estagnação”, em que nada de positivo mas, também, nada de negativo acontece e as tensões não se agravam. Mas o risco é que exista um “escalar das tensões” que possa, por exemplo, levar a um corte de rating à dívida italiana. O pior cenário, ainda que “menos provável”, é se “os mercados cada vez mais incorporarem o risco de a Itália sair da zona euro” — aí, a diferença entre os juros de Itália e Alemanha pode ultrapassar os 1.000 pontos, diz o ING, ou seja, os juros podem subir para mais de 10% em Itália.