Podia ter sido uma normal reunião da bancada do PSD no Parlamento, que se realiza de 15 em 15 dias. Mas era a última antes das férias grandes, e talvez por isso tenha sido o palco escolhido para alguns deputados fazerem críticas à direção de Rui Rio. Foi o caso de Hugo Soares, que fez aquilo que foi descrito por alguns presentes como “uma intervenção arrasadora”. Segundo relatos feitos ao Observador, a intervenção foi crítica da posição do PSD na discussão que se avizinha sobre o Orçamento do Estado, e levou Fernando Negrão a admitir perante os deputados que o voto do PSD iria ser contra, embora ainda não seja conhecido o documento do Governo.

Ao que o Observador apurou, Hugo Soares criticou a posição “ambígua” do PSD, que tem mantido aberta a possibilidade de vir a viabilizar o Orçamento caso a “geringonça” falhe, dizendo que tal só beneficia o PCP e o Bloco de Esquerda — e, no final da sua intervenção, Fernando Negrão terá assumido o voto contra. Ou pelo menos foi isso que os deputados presentes na reunião entenderam, embora, aos microfones, Negrão tenha sido mais cauteloso, lembrando que o documento ainda não é conhecido, razão pela qual o sentido de voto do PSD é apenas “tendencialmente contra”. A verdade é que Rui Rio nunca deu essa garantia clara aos deputados, tendo deixado vivo o tabu de que o PSD pode vir a funcionar como boia de salvação do governo de António Costa depois de um dos seus ministros-sombra, Silva Peneda, ter dito numa entrevista que o PSD devia dar a mão ao governo caso a geringonça não chegasse a entendimento no último orçamento da legislatura.

Hugo Soares criticou a posição de direção de Rui Rio em relação ao orçamento

“Todos os sinais são no sentido de que a votação poderá ser contra”, confirmou depois o líder parlamentar aos jornalistas no final da reunião, quando confrontado com o facto de o tema do Orçamento ter sido levantado dentro de portas. Negrão sublinhou que, tal como Rui Rio tem dito, o documento ainda não é conhecido, pelo que não se pode antecipar já o sentido de voto. Mas tudo indica que o voto será contra. “Sabemos que o OE vai numa lógica de acordo com o PCP e o BE, que defendem políticas opostas à nossa, pelo que tendencialmente o voto do PSD deverá ser contra”, disse.

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No final da reunião, o líder parlamentar esclareceu ainda que as alterações à lei laboral, previstas no acordo de concertação social firmado entre o Governo, sindicatos e confederações patronais, que não colhem o apoio dos parceiros da “geringonça”, não foram discutido na reunião dos deputados porque o tema vai ser empurrado para setembro. “A discussão na especialidade foi remetida para setembro, amanhã o tema vai ser discutido mas não vai ser votado”, disse, confirmando que a proposta do governo e os projetos de alteração apresentados pelos restantes partidos vão descer todos sem votação no debate parlamentar que está marcada para esta sexta-feira.

Certo é que o PSD tem mostrado disponibilidade para aprovar as alterações à legislação laboral que saíram da concertação social, por respeito à concertação social, não estando disponível para aprovar eventuais alterações a esse mesmo acordo. “Até porque já ouvimos vários parceiros dizer que se houver alterações saem do acordo”, disse Fernando Negrão.

Críticas à reação à Operação Tutti Frutti

Esta foi a primeira reunião da bancada do PSD depois de, há duas semanas, Rui Rio e o grupo parlamentar terem chocado de frente devido à votação do projeto de lei do CDS sobre a redução do imposto sobre combustíveis. O “raspanete” público que Rio deu aos deputados sobre esse tema foi mencionado por alguns deputados na reunião, que criticaram a forma como a direção do partido manifestou o seu desagrado pelo sentido de voto do PSD.

Bancada aprovou “à revelia” de Rio projeto de lei sobre combustíveis

Além da questão do Orçamento, Hugo Soares também fez críticas à forma como o partido reagiu, na semana passada, à mega-investigação judicial intitulada Operação Tutti Frutti, que investiga práticas de gestão em várias autarquias, nomeadamente em juntas de freguesia de Lisboa (três delas do PSD). Segundo relatos feitos ao Observador, o ex-líder parlamentar, próximo de Luís Montenegro, classificou a conferência de imprensa do secretário-geral José Silvano sobre esse tema de “desastrosa”, por ter colocado o foco da investigação no PSD “afastando-o de Fernando Medina”, cujo gabinete também foi alvo de buscas.

O deputado Miguel Morgado também terá dito que as declarações de Silvano foram “menos do que infelizes”. Mas não se ficou por aqui: criticou a postura da direção de Rui Rio, acusando-a de estar a “desvirtuar o modo de fazer oposição” do PSD, parecendo que “querem arrasar o PSD e perder eleições desde já”. Segundo apurou o Observador, Miguel Morgado, que foi também assessor político de Passos Coelho, criticou ainda o facto de haver “dois PSDs”: o que quer ser alternativa ao PS e o que acredita que o PSD se deve confundir com o PS. Nesse ponto da reunião, Fernando Negrão e Miguel Morgado tiveram até uma discussão “ideológica” sobre o que deve ser o PSD e a social-democracia. Outros relatos feitos ao Observador apontam para o facto de a reunião ter sido mais calma e tranquila do que se podia esperar, por ser a última da sessão legislativa, e a primeira desde que vieram a público os problemas de articulação entre a bancada e a direção do partido.