Era um domingo chuvoso de março de 2001. O calendário marcava o dia 4, o relógio as 21h10. Um autocarro com 53 passageiros a bordo e outros três veículos ligeiros que transportavam um total de seis pessoas estavam a atravessar a ponte Hintze Ribeiro, que ligava Castelo de Paiva a Entre-os-Rios. Por baixo, o Rio Douro corria com a velocidade típica de um dia de inverno. Sem aviso prévio, um troço da infraestrutura colapsa e os quatro veículos caem ao rio. Soaram todos os alarmes e as notícias da tragédia chegaram rapidamente a Lisboa. Temia-se o pior.
O então ministro do Equipamento Social, Jorge Coelho, jantava com amigos num restaurante do Bairro Alto. Era cedo para entender o que se tinha passado, mas pela cabeça do então governante, que se desdobrou de seguida em contactos, passavam as hipóteses mais dramáticas. As horas que se seguiram não ajudaram a tranquilizar o número dois do Executivo de António Guterres. O pior dos cenários assemelhava-se cada vez mais a uma dura realidade que ganhava contornos de tragédia. Jorge Coelho entendeu rapidamente que tinha em mãos um dossier cuja resolução se afigurava difícil. Às 2h00 da manhã do dia 5, numa conferência de imprensa convocada pelo próprio, traçou um panorama de desastre em Entre-os-Rios e anunciou a sua demissão, apesar de o então primeiro-ministro socialista o ter tentado dissuadir inúmeras vezes durante a noite:
Não ficaria bem com a minha consciência se não o fizesse”, disse o então ministro do Equipamento Social, Jorge Coelho, para justificar o seu pedido de demissão.
Cinco horas depois do colapso, o ministro tinha assumido a responsabilidade política pela tragédia, mas havia muitas dúvidas por dissipar: quantas pessoas tinham morrido? Quais as causas do colapso? Havia sobreviventes? O pior viria a confirmar-se apenas meses mais tarde, com o balanço definitivo, depois de dadas por encerradas as operações de resgate: 59 mortos, zero sobreviventes.
Quando Jorge Coelho contrariou Guterres e pediu a demissão: “A culpa não pode morrer solteira”
As comparações com o colapso de uma ponte em Génova esta terça-feira são inevitáveis. As dúvidas, por agora, são as mesmas que nas horas que se seguem a qualquer catástrofe deste tipo. As primeiras informações permitem estabelecer para já duas diferenças: em Itália há pelo menos sete sobreviventes e nenhum veículo caiu à água. Este último fator dificultou muito o trabalho das autoridades portuguesas há 17 anos – ainda hoje não se conhece o paradeiro de 36 corpos. Em Génova, ainda que haja pelo menos dez desaparecidos, nenhum foi levado pela água, já que o desabamento da ponte italiana ocorreu sobre uma zona onde se aglomeram casas, um centro comercial, uma autoestrada e uma área industrial.
A ponte italiana tinha sido alvo de obras recentemente, mais concretamente em 2016. Segundo uma bombeira local, a infraestrutura não se encontrava em situação de instabilidade ou de fragilidade, apesar das sucessivas obras de manutenção que sofreu nos últimos tempos. Em Entre-os-Rios verifiou-se uma situação diferente. A ponte que colapsou estava a precisar de obras de manutenção. Dois anos antes do acidente, o então Presidente da Câmara de Castelo de Paiva, Paulo Teixeira, tinha avisado que o estado de deterioração da ponte podia levar a uma tragédia se não fossem feitas intervenções de manutenção. “Esperemos que não seja necessária uma tragédia para que se construa uma nova ponte”, disse então o autarca. Os avisos sucederam-se e, a 9 de janeiro de 2001, a população local manifestou-se contra o estado da infraestrutura. Apesar das queixas, nada de concreto se fez e a ponte acabou mesmo por cair.
https://observador.pt/2018/08/14/ponte-colapsa-sobre-autoestrada-em-genova-italia/
Há ainda semelhanças que se podem estabelecer nestas primeiras horas após o colapso da ponte Morandi. Desde logo, o facto de se tratar de uma ponte a colapsar enquanto circulavam vários veículos pelo tabuleiro. A queda de carros e a existência de mortes são outras semelhanças entre os dois casos. A chuva que caiu esta manhã em Génova também traz à memória dos portugueses o mau tempo que se fazia sentir no norte de Portugal naquele 4 de março de 2001.
Em 2001, não existia Facebook, e é impossível imaginar o que teria escrito então Jorge Coelho nos primeiros instantes a seguir a ter sido noticiada a tragédia. 17 anos depois as redes sociais têm-se mostrado fundamentais em tragédias semelhantes à desta terça-feira no norte de Itália. Assim, o ministro do Interior italiano recorreu a esta rede social para deixar uma primeira mensagem aos italianos. Matteo Salvini anunciou que está a seguir a situação minuto a minuto e deixou um agradecimento aos “200 bombeiros (e todos os outros heróis)” pelo trabalho que está a ser feito no local.
Do lado italiano, ainda não se sabe se serão retiradas ilações políticas como as que o ex-ministro português retirou em 2001, mas o Governo de Itália esteve reunido de emergência e o primeiro-ministro já se encontra a caminho do local.
As próprias infraestruturas são diferentes. A ponte italiana tinha uma altura de quase cem metros e um comprimento superior a um quilómetro, tendo a secção que colapsou cerca de 200 metros. Já a ponte portuguesa tinha um total de 336 metros de comprimento e mais de 20 metros de altura. A Morandi foi inaugurada em 1967, a Hintze Ribeiro foi-o em 1887.
Em Portugal, além das ilações políticas retiradas pelo Governo, houve pagamento de indemnizações de 50 mil euros a todos os herdeiros pela perda da vida, obras de fundo em Castelo de Paiva, foi aberta uma Comissão Parlamentar de Inquérito e deu-se início a um processo judicial. Descobriram-se falhas estruturantes num dos pilares da ponte, e foram acusados seis técnicos responsáveis pela degradação da ponte. Acabaram por ser todos ilibados e o caso fechou-se sem terem sido encontrados culpados. Em Itália, os próximos capítulos ainda são uma incógnita.