“Quem teria acreditado em mim? Quem é que teria acreditado que um padre, em 1948, teria abusado de mim?” Esta é uma das questões que Robert Corby, de 83 anos, continua a ter na sua mente 70 anos depois de ter sido abusado sexualmente por um padre na Pensilvânia. Voltou a fazer a mesma pergunta esta terça-feira, durante a apresentação de um relatório que denuncia abusos sexuais a mais de 1.000 menores levados a cabo por 300 padres da Pensilvânia e que a Igreja terá tentado encobrir durante sete décadas.
O caso de Robert é dos mais antigos. Nas 1.356 páginas que compõe o documento há histórias de todos os tipos: na diocese de Erie, por exemplo, um bispo descobriu em 1986 que um padre terá acariciado e masturbado um rapaz adolescente sob o pretexto de mostrar à vítima como verificar se tinha cancro. Quando o pai da criança se queixou, juntamente com outros pais que sabiam que os filhos passaram por situações semelhantes, a diocese pediu “discrição” e para evitar procurar novas informações, pois isso “seria prejudicial e desnecessário”. Glen Whitman, chefe do escritório da diocese, disse numa carta enviada aos pais que seria “óbvio que nenhuma ação legal está pendente ou a ser considerada”.
300 padres associados a mais de 1000 casos de abuso sexual de menores nos EUA
Há também um caso de um padre com HIV que terá abusado de uma criança durante anos antes de ser preso, e também um sacerdote que terá abusado de vários rapazes, deixou de ser padre, mas mesmo assim foi recomendado para trabalhar na Disney World.
“Sabemos que alguns de vocês ouviram falar disto antes. Tem havido alguns relatórios sobre abuso sexual de menores na Igreja Católica, mas nunca a esta escala”, lê-se no relatório, liderado pelo procurador-geral da Pensilvânia, Josh Shapiro, e que investigou seis dioceses católicas do estado: Allentown, Erie, Greensburg, Harrisburg, Pittsburgh e Scranton, que reúnem mais de 1.7 milhões de fiéis católicos .
Para muitos de nós, estas histórias antigas aconteceram noutro local, muito longe. Agora sabemos a verdade: aconteceu em todo o lado”, continua o texto inicial do relatório.
O documento revela ainda que as paróquias tinham, em grande parte dos casos, um conjunto de “regras” sobre como agir quando um caso deste género era revelado. Uma delas consistia na transferência do padre ou bispo em questão para outra paróquia, para “assegurar que ninguém saberia que ele abusou de uma criança”, ao invés de o retirar do sacerdócio definitivamente. Outra das normas passaria por “utilizar eufemismos em vez de palavras reais para descrever os abusos”, com por exemplo dizer “contacto inapropriado” em vez de “violação”. O objetivo principal seria, segundo o relatório, “evitar o escândalo”.
Entre cartas enviadas pelos familiares e as respetivas respostas das paróquias, está também a história de Carolyn Fortney, de 37 anos, que também relatou publicamente o seu caso e diz ter sentido uma grande “solidão” durante vários anos, pois era a sua palavra “contra ‘Deus'”.
A palavra “Deus” faz-me pensar nele [no agressor]. Sinto que toda a minha vida foi uma mentira”, referiu Carolyn, citada pela CNN.
O trabalho foi realizado por 23 jurados — incluindo católicos praticantes — durante dois anos. Em muito dos casos denunciados poderá não vir a acontecer nada a nível judicial aos alegados agressores, por serem “demasiado antigos para poderem avançar”. A legislação da Pensilvânia diz que as vítimas que foram abusadas durante a infância não podem levantar processos criminais contra a Igreja depois de completarem 30 anos. Apesar disso, explica o The Guardian, já foram identificados e acusados dois padres devido às denúncias feitas no relatório.
Em Pittsburgh, os responsáveis pela diocese terão rejeitado um caso de abuso, alegando que o rapaz de 15 anos terá “perseguido” o padre em questão e “seduzido-o para iniciar um relacionamento”. Depois de o padre ser preso, a Igreja submeteu uma avaliação ao tribunal e reconheceu que o padre admitiu ter feito atividades “sado-masoquistas” com vários rapazes, mas era “um sado-masoquismo leve” e não era “psicótico”.
O Vaticano recusou comentar as histórias reveladas no documento. Já o presidente da Conferência dos Bispos Católicos dos EUA, o cardeal Daniel DiNardo, e o presidente da Conferência Episcopal, o bispo Timothy L.Doherty, emitiram um comunicado onde dizem estar “envergonhados pelos pecados e omissões dos padres e bispos católicos”.
Os abusos sexuais de menores por parte de padres da Igreja Católica têm sido um tema bastante discutido, colocando em causa a própria Igreja por encobrir as situações. Os responsáveis pelo relatório acreditam que o número de casos possa ser ainda maior: “Até que isto mude, achamos que é muito cedo para fechar o livro sobre o escândalo sexual da Igreja Católica”.