“É só o pargo, D. Luísa?”, pergunta a rapariga que se encontra de avental a pesar o peixe. “É só o pargo, meu amor”, responde, acrescentando: “Hoje somos só três”. Estamos na banca da Rosa, peixeira e amiga de longa data de Luísa Villar. Esta é sempre a paragem número um depois de se encontrar com os turistas – ou com quem reserve almoço – à entrada do Mercado da Ribeira por volta das 10h30, onde começa por explicar como funciona este espaço. Para lá das reservas, o espaço Mesaluisa, que pertence à mãe de Luísa e Salvador Sobral, recebe também jantares privados, como tem sido habitual com Caetano Veloso.
Adoro cozinhar, conversar e falar diferentes línguas. Venho aqui ao mercado há muitos anos, há mais de 30, e a certa altura estava eu a falar com os turistas e eles a perguntarem como podiam cozinhar certos alimentos… Comecei a pensar que era uma boa ideia conjugar estas paixões”, contou Luísa Villar ao Observador enquanto caminhava pelo corredor onde se encontra o peixe fresco.
“Agora muitas [bancas] estão fechadas porque está tudo de férias. Se fosse noutra altura, não se podia aqui andar a esta hora com tanta gente”, explica a Caitlin, natural de Boston e a única pessoa que manteve a reserva – havia mais quatro, de um grupo de pessoas de Lima, Peru, mas no dia anterior “disseram que não podiam vir”, afirmou Luísa.
Antes de nos dirigirmos à banca dos vegetais, há ainda uma paragem para comprar requeijão – “a ricota portuguesa”. E, pelo caminho, Luísa vai atirando para o ar umas frases e explicando o gosto que tem pelo que faz: “Eu adoro fazer isto. É muito bom porque cada uma destas pessoas aqui no mercado ensina uma coisa nova todos os dias”. Já na banca de Elisabete, Luísa escolhe as batatinhas, o tomate, alface e pepino, limões, maçã reineta, cebolas e salsa. Os ingredientes estão quase todos, mas falta ainda o pão (alentejano), que não pode faltar numa mesa portuguesa. Compras feitas, há que caminhar ainda até ao destino final.
Para lá do portão verde que se ergue bem alto em plena avenida 24 de Julho, o silêncio é uma constante. Estamos no Pátio da Ribeira, um espaço recatado e longe do frenesim da capital portuguesa. Na verdade, ninguém diria que nos encontramos em Lisboa. Há plantas e o ambiente daquele espaço rústico é acolhedor e digno de cenário para umas boas fotografias — que Caitlin imediatamente começa a captar. A mesa está posta e, para acompanhar, há música de fundo – portuguesa, é claro. “O espaço é tão agradável. Podia ficar aqui o resto do tempo”, diz Caitlin, acrescentando que nos Estados Unidos não conhece nada deste género. “Eu disse que não era um restaurante. É o que as pessoas dizem, que isto é um misto. Dizem que parece uma sala, que é como se estivessem em minha casa… E estão”, responde Luísa.
Consegue ver-se ainda o que resta do atelier de costura que já ali teve lugar. Luísa deixou essa atividade porque “as pessoas não pagam para fazerem peças de roupa”. Mas é a cozinha que agora ali ganha destaque, a começar pelo armário repleto de especiarias, a menina dos olhos de Luísa Villar — “Estão todas ordenadas por ordem alfabética, exceto o sal e a pimenta, porque tenho imensos tipos”–, pela mesa decorada com loiça em tons de verde, e até pelo majestoso candeeiro que há por cima dela.
Entretanto, Luísa começa a cortar as cebolas, prepara o peixe, com louro e limão, e coloca-o num tabuleiro juntamente com as batatas e o tomate, que vai ao forno por cerca de meia hora. Caitlin diz que nunca preparou peixe desta forma — “E já tinha visto o peixe assim?”, pergunta Luísa. É que, segundo conta, muitos dos turistas dizem que só veem o peixe “em filetes e congelado”, pelo que, quando ali chegam ficam impressionados.
Na Mesaluisa todos podem meter a mão na massa — Caitlin fica encarregada de lavar a alface e de fazer a salada –, mas, se não quiserem, também não há problema. Há sempre um bom copo de vinho, pão com queijo e azeitonas para ir abrindo o apetite, e um sofá onde ficar apenas a apreciar.
Na ementa de hoje, além do pargo no forno, estão também os ovos verdes e saladas – de alface e de pepino. Para a sobremesa há maçã assada, mas esta é especial — “Faço uma receita que era da minha avó. A maçã é cozida em chá preto”, explicou. Se há segredos que vai buscar às receitas da avó, não é por acaso. É que o gosto pela culinária já vem de família. “A minha avó cozinhava maravilhosamente e adorava fazê-lo. Ainda me lembro de que tinha sempre espaço e comida na mesa para mais um”, recordou.
Desde pequena que teve de aprender a cozinhar. A mãe ficou viúva muito cedo e com seis filhos para criar encontrou na cozinha o seu modo de sobrevivência. Aos 12 anos, Luísa já fazia “pãezinhos com chouriço antes de ir para a escola” para que a mãe os pudesse vender numa loja e, mais tarde, ajudava a mãe “quando ela ia fazer casamentos”. O gosto parece ter passado de geração em geração. É que os filhos de Luísa também gostam de cozinhar. “A minha filha adora cozinhar, especialmente sobremesas, algo que eu odeio porque nunca ficam como eu gostaria. O Salvador também gosta. Às vezes liga-me e pergunta: “Se tivesses isto, isto e aquilo no frigorífico o que é que cozinhavas?””, contou entre risos.
Os ovos já estão cozidos, agora há que descascá-los, passá-los por farinha, ovo e pão ralado, para preparar os famosos ovos verdes — “um prato tipicamente português que sabe muito bem no verão”. Há cuidado com as estações do ano, os pratos são sempre portugueses e não variam muito e os produtos vêm dos mercados locais. “Por exemplo, as favas, que são tipicamente portuguesas, faço no inverno e as pessoas adoram, mas é impossível fazer agora, porque é um prato muito pesado”, explicou. Ou seja, depende do tempo, do número de pessoas, mas também dos gostos e necessidades de cada um – Caitlin, por exemplo, não pode comer marisco, por isso era impossível fazer ameijoa à bolhão pato (prato que já cozinhou para Caetano Veloso).
“Este é o meu filho”, diz, de repente, Luísa. É a voz de Salvador Sobral que se ouve agora. Caitlin, muito curiosa, pergunta imediatamente se Luísa tem “uma família de músicos”. Não viesse do outro lado do mundo e com certeza saberia quem eram os irmãos Sobral. “Sim, mas é difícil ter músicos em casa, não podes sequer cantar os parabéns. Às vezes começo a cantar para os meus netos, aquelas músicas para crianças, e eles dizem logo para me calar”, conta entre risos.
Luísa Villar estudou interpretação simultânea em Bruxelas, razão pela qual sabe falar francês, inglês e espanhol, além, claro, do português. Trabalhou durante muito tempo em comunicação e marketing, área de que gostava bastante, mas, depois de ter estado parada durante algum tempo para acompanhar o filho — que foi submetido a uma operação há alguns meses –, achou que devia fazer algo diferente. E foi então que, em maio, concretizou esta ideia que já vinha ganhando forma há algum tempo.
Foi antes de o filho, Salvador Sobral, atuar com Caetano Veloso no Festival Eurovisão da Canção, que fez ali o primeiro jantar, precisamente com o músico brasileiro. E se a mãe de Salvador Sobral ia sempre ver os concertos do ídolo quando ele vinha a Portugal, certo é que agora também o músico fará uma visita a Luísa quando voltar: “Ele [o Caetano Veloso] diz que se sente muito bem aqui, que é como se estivesse em casa. Depois convida amigos, estão aqui a cantar, a conversar. Da última vez esteve com os três filhos e diz que quer cá voltar quando vier a Portugal novamente”.
As exigências do músico brasileiro não são muitas: “Ele come tudo muito saudável, a única coisa que pediu foi que não fizesse fritos e que fizesse coisas simples e com produtos frescos”, explicou. Da última vez que Caetano se sentou na mesa do Pátio da Ribeira, a mãe de Salvador Sobral preparou robalo cozido com feijão verde e batatas, fez saladas e sopa fria de tomate. “Ele esteve cá a cantar com a Carminho. Foi engraçado porque depois no outro dia fui ver o concerto dele e reparei que encerrou com a música que cantou aqui”, lembrou. O ambiente foi completamente descontraído, aliás, como é sempre.
Quando cozinhamos juntos conversamos sobre imensas coisas e é esse conceito que quero trazer para a mesa. Não quero que venham, que se sentem, almocem e vão embora”, explicou.
O que Luísa quer é que se partilhem experiências e que os turistas — ou quem vier — percebam aquela tradição tão portuguesa que é estar sentado à mesa “desde a hora de almoço até à de jantar” a conversar sobre tudo e sobre nada. O resultado tem sido tão positivo que os últimos turistas que por ali estiveram ficaram quase até às 17h. “Ficámos a beber café e a conversar, depois por volta das 16h30 disseram que “se calhar” deviam ir andando”, contou entre risos. A hora de saída é imprevisível, bem como os temas de conversa – de comida, tradições portuguesas e família à política ou até ao turismo, tudo é possível –, porque as pessoas que por ali aparecem “são sempre muito interessantes, têm imensa curiosidade e histórias para contar”. E Luísa está lá para as ouvir, mas também para as contar.
Nome: Mesaluisa
Morada: Avenida 24 de Julho, 4B Armazém 10
Telefone: +351 937 092 279
Horário: Almoços e jantares todos os dias exceto ao domingo e segunda-feira
Preço: 80€ por pessoa
Reservas: Só por reserva
Site: www.mesaluisa.com