As testemunhas já ouvidas no âmbito do caso Dieselgate não favorecem nada os interesses dos antigos CEO, respectivamente Martin Winterkorn (que dirigia o Grupo Volkswagen na altura em que o escândalo foi descoberto em 2015) e o seu sucessor Matthias Müller. E acusam mesmo Winterkorn de já ter encomendado uma fraude relativa aos motores diesel em 2007.

Segundo o Die Welt, Jens Hadler iniciou a sua carreira de engenheiro no Grupo Volkswagen em 1996 e esteve à frente do primeiro projecto do injector/bomba em que a Volkswagen baseou os seus motores, ainda no tempo em que Piech era CEO e a marca alemã queria combater o mais avançado sistema de injecção de combustível common rail com uma solução alternativa. Hadler chegou a responsável pelo Desenvolvimento da marca Volkswagen, antes de sair, em 2011.

Ouvido pelo Ministério Público alemão, Hadler prestou declarações detalhadas que prejudicam seriamente Winterkorn, que sempre afirmou nada saber sobre o escândalo, ou a manipulação de motores. Ele que também está agora a ser investigado por fuga ao fisco, envolvendo transferências para a sua conta de valores que rondam os 10 milhões de euros.

Outro dos visados (e desmascarados) por Jens Hadler foi Matthias Müller, que entretanto foi afastado de CEO poucos meses depois das declarações do antigo engenheiro. Müller foi entretanto substituído por Herbert Diess, contra o qual também está a correr uma investigação preliminar relacionada com a fraude dos motores a gasóleo.

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Fraude encomendada em 2007

No seguimento do que o Die Welt apurou, Hadler, que hoje desempenha a função de engenheiro numa empresa de serviços e é professor de Mobilidade Sustentável em Magdeburg, informou os investigadores que discutiu com Winterkorn, em detalhe e de forma extensa, a polémica dos diesel em 2007. E a conversa terá estado longe de ser pacífica.

Hadler diz ter informado o seu CEO que sabia o que a Volkswagen estava a fazer e terá dito que isso não só não era correcto, como iria levantar problemas com as autoridades. Problemas esses que já obrigaram o grupo a suportar mais de 27 mil milhões de euros em indemnizações, reaquisição de veículos, compensações e multas. Em reuniões em que estiveram igualmente presentes Hackenberg, Wolgang Hatz (responsável pelo desenvolvimento de motores) e Müller, debateu-se a fiabilidade dos motores e do filtro de partículas, sem que tudo isto evitasse a adopção de um sistema mais eficaz para conter o excesso de NOx, o que poderia ser conseguido à custa de um SRC (um conversor catalítico selectivo, funcionando com injecção de AdBlue), como Hadler  alega ter tido ocasião de discutir com Winterkorn. Nesta fase terá ainda discutido com todos os elementos do painel, incluindo Winterkorn, a possibilidade de se recorrer a uma solução fora do ciclo de funcionamento normal, o que abriu a porta à utilização de software ilegal. Segundo declarou Hadler, esta estratégia colocaria o grupo em rota de colisão com as autoridades.

Jens Hadler ataca não só Winterkorn e os seus colegas presentes nas reuniões onde o tema foi discutido, como o conselho de supervisão da Volkswagen, que afirma saber do problema e do envolvimento do então CEO, oito anos antes do escândalo rebentar e, ainda assim, não ter tido problemas em louvar a actuação de Winterkorn, aprovando um milionário pacote de rescisão da empresa.

Curiosamente, estas declarações de Hadler surgem no processo movido por um grupo de pequenos accionistas ao Grupo Volkswagen, em que acusam a empresa de saber antecipadamente dos problemas e não os ter informado, a ponto de conseguir evitar as perdas com que foram forçados a lidar. A empresa sempre se defendeu, afirmando que só soube do problema na Primavera de 2015, o que de acordo com Hadler representa uma mentira de aproximadamente oito anos.

Mais problemático ainda é o facto de tanto Winterkorn como Müller serem homens de mãos da família Porsche e Piech (que detêm 32,2% do capital, mas 50,7% dos votos), com os pequenos accionistas a acreditarem, aparentemente, que os CEO que a família nomeou sempre fizeram tudo em conluio com a Porsche SE. Aliás, mais recentemente, quando Ferdinand Piech (ex-CEO e ele mesmo membro da família Porsche) acusou em 2017 Winterkorn de saber antecipadamente do Dieselgate, pois ele mesmo o teria alertado para o problema meses antes, a reacção de Grupo Volkswagen e da Porsche SE foi afastá-lo e puni-lo.