É o primeiro sinal forte que a União Europeia dá para se distanciar do regime de Viktor Orbán. Esta manhã, no Parlamento Europeu, a grande maioria dos eurodeputados votou a favor de um relatório que acusa o governo da Hungria de “risco manifesto de violação grave dos valores europeus”. No entanto, e de acordo com o relatório das votações, o PCP votou contra a aprovação do diploma e Marinho e Pinto absteve-se. Os restantes partidos portugueses votaram a favor.

Aos jornalistas, João Ferreira explicou que os comunistas votaram assim porque não reconhecem à União Europeia “nem a autoridade nem legitimidade para se arvorar em juíz, árbitro ou mesmo referência no que aos direitos humanos e à democracia diz respeito”. O eurodeputado do PCP dá o exemplo da troika em Portugal “que atropelou a ordem constitucional e o acervo de direitos liberdades e garantias nela contidos”, ou “as políticas migratórias de cariz racista e xenófobo promovidas pela própria União Europeia”.

Ainda assim, João Ferreira garante que “o PCP está firmemente comprometido com a luta pela liberdade, pela democracia, pelos direitos sociais, cívicos e políticos” e garante “toda a solidariedade para aqueles que na Hungria, comunistas e outros democratas que lutam contra as políticas e o governo de Orbán”.

O relatório em causa, que foi aprovado esta quarta-feira no plenário, propõe que seja acionado o artigo 7º do Tratado da União Europeia, um procedimento que, no limite, pode levar à suspensão dos direitos de voto da Hungria.

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Até ao final da votação reinava a incerteza sobre se o relatório conseguiria reunir votos suficientes para ser aprovado – uma maioria de dois terços. Até porque, para isso, precisava que muitos dos eurodeputados do PPE, que pertencem à mesma família política do partido de Orbán, votassem a favor do relatório.

Na noite passada, tal como Observador avançou, o partido não conseguiu chegar a uma posição comum e deu liberdade de votos aos deputados. O resultado ficava assim incerto. Mas ao início da tarde desta quarta-feira, os resultados não deram margem para dúvidas: 448 votos favoráveis, 197 contra e 48 abstenções.

O anúncio da votação foi acompanhado de uma enorme ovação no plenário, com a deputada relatora do documento, Judith Sargentini, visivelmente emocionada. O relatório aponta o dedo ao governo de Viktor Orbán, numa longa lista de acusações que passam pela substituição de juízes independentes por magistrados “ligados ao regime”, ataques à independência das universidades, controlo dos meios de comunicação social, corrupção, oligarquia, apropriação indevida dos fundos comunitários, ataque à liberdade de culto religioso, proibição de organizações não governamentais, liberdade de expressão, direitos das mulheres, perseguição de imigrantes, refugiados e ciganos.

PSD e CDS satisfeitos com o resultado

O PPE, onde está incluido o Fidesz, é também a mesma família política do PSD e do CDS. Todos os eurodeputados portugueses votaram a favor do relatório e até o comissário europeu Carlos Moedas assumiu que se fosse deputado, teria votado a favor: “Eu sinto-me muito desconfortável por ter Viktor Orbán no meu partido político. Como é que nós podemos ter uma pessoa que defende o que ele defende? Aquilo que se está a passar na Hungria é terrível”, dizia Moedas aos jornalistas portugueses, à saída do debate do estado da União.

Já Paulo Rangel, fez questão de sublinhar que “o PSD está à vontade, porque nós estamos a votar contra o governo húngaro e as suas medidas desde 2011, e até temos liderado esse processo com luxemburgueses e holandeses.”

A mesma tónica foi usada pelo eurodeputado Nuno Melo, do CDS, que também assumiu o voto a favor, lembrando que não é novidade esta posição do partido. “Não me identifico com o governo de Orbán”, garantiu.

Melo lembrou, contudo, que a Hungria ou a Polónia não são os únicos estados onde há problemas. E citou os casos de Malta, da Roménia ou da Eslováquia, todos governados por socialistas. O mesmo fez Paulo Rangel “A Roménia e a Eslováquia estão em pior situação que a Hungria. E ninguém pergunta ao partido Socialista o que pensa dos governos desses países”

Sobre a eventual saída do partido de Orbán da família do PPE, Rangel explica: “Do nosso ponto de vista ele devia já estar suspenso ou até de saída, mas isso é uma questão que tem de ser negociada com todos os outros partidos. Esta é a nossa posição.”

O PPE é o maior grupo político no Parlamento Europeu, mas nos últimos tempos tem-se intensificado a dúvida sobre se faz sentido manter alguns membros na família, em particular o partido Fidesz, de Viktor Orbán. Apesar da pressão, a questão não é consensual, porque sem o Fidesz, é mais difícil que o grupo de centro direita se mantenha como o mais numeroso no parlamento depois das europeias de 2019.  Para além disso, se há deputados que defendem a expulsão de Orbán por considerarem ser contrário aos princípios do partido, há outros que defendem uma posição mais moderada, com o argumento de que mantendo Orban é mais fácil controlar e moderar a sua ação.

Um processo que pode não dar em nada

A inédita decisão tomada esta quarta-feira no Parlamento Europeu pode ter influência no que se seguirá. É a primeira vez que a assembleia europeia elabora e vota um relatório sobre a oportunidade de desencadear um procedimento como este.

Apesar de tudo a probabilidade de alguma coisa acontecer de facto é escassa. Este é apenas o início de um processo que passa agora para as mãos do Conselho da União Europeia que vai trabalhar em conjunto com a Hungria para evitar sanções. Passos mais radicais terão de dados com o apoio de uma larga maioria de estados-membros, o que para muitos analistas europeus será pouco provável.

“Embora as autoridades húngaras tenham estado sempre dispostas a discutir a legalidade de qualquer medida específica, não se fez face à situação, subsistindo diversos motivos de preocupação que se repercutem negativamente na imagem da União, bem como na sua eficácia e credibilidade na defesa dos direitos fundamentais, dos direitos humanos e da democracia a nível mundial, e que põem em evidência a necessidade de lhes dar resposta através de uma ação concertada da União”, diz o relatório aprovado esta quarta-feira.

Nada que surpreenda Viktor Orbán, que no dia anterior à votação esteve em Estrasburgo para se defender das acusações e declarou desde o início saber qual seria o sentido de voto. “Não vão condenar um governo, vão condenar um país” declarou, para depois deixar uma garantia “Vocês decidiram que o nosso país não pode recusar-se a ser um país de imigração. Não cederemos à chantagem e a Hungria defenderá as suas leis, contra todos, se for preciso.”

Notícia atualizada às 17h com as declarações do eurodeputado João Ferreira