Não há forma de travar os avanços e recuos naquela que é uma das mais polémicas histórias familiares de Hollywood. Desta vez foi Soon-Yi Previn, mulher de Woody Allen há mais de duas décadas, que quebrou o silêncio para sair em defesa do cineasta e para atacar a mãe adoptiva, ex-mulher de Allen, Mia Farrow. Segundo Soon-Yi, que foi adoptada por Farrow quando era casada com André Previn, nunca tendo sido adotada por Woody Allen, o realizador de cinema nunca abusou sexualmente de Dylan Farrow, ela sim filha adotiva, e Mia Farrow é que era o “monstro” lá de casa, maltratando-a e marginalizando-a por ter “dificuldades de aprendizagem”.
“O que está a acontecer a Woody é tão arrasador, tão injusto. [Mia Farrow] aproveitou o movimento #MeToo para apresentar Dylan (também sua filha adotiva) como vítima. E toda uma nova geração está a ouvir falar desta história, o que não deveria acontecer”, disse a sul-coreana de 47 anos na entrevista à New York Magazine publicada este domingo, baseada numa série de conversas com a jornalista, que se assume como “amiga de Allen desde há quatro décadas”, que começaram em maio e decorreram até julho.
Em causa está a velha denúncia de Dylan Farrow, que acusa o ex-marido da mãe adotiva de a ter agredido sexualmente em 1992, quando tinha sete anos. A acusação de Dylan contra Woody Allen, suportada por Mia Farrow e amplamente difundida pelo irmão Ronan Farrow, premiado jornalista e filho biológico de ambos, sempre foi rejeitada pelo cineasta, tendo o caso sido investigado por duas vezes pelas autoridades, mas arquivado por falta de provas. Em janeiro deste ano atingiu novos contornos quando Dylan deu uma entrevista televisiva onde pormenorizava a acusação e aparecia a chorar.
Além de negar o abuso sexual à irmã adotiva, Soon-Yi dedica grande parte da entrevista a criticar a mãe adotiva, Mia Farrow, que a punha “no fundo da hierarquia” dos filhos biológicos e adotivos quando ainda vivia com o marido, André Previn. Segundo Soon-Yi, Mia Farrow maltratava-a mesmo fisicamente, tendo chegado a atirar-lhe com um jogo de letras em madeira de cada vez que ela errava num exercício de alfabeto, ou com um “coelho de porcelana”. Segundo Soon-Yi, a mãe adotiva irritava-se com ela por não saber inglês correto, sendo que a jovem tinha saído da Coreia do Sul com seis anos de idade.
O suposto “atraso” da filha adotiva, originária da Coreia do Sul, terá feito mesmo com que Mia Farrow a “pegasse pelos pés para fazer o sangue correr para a cabeça, porque achava — sabe Deus porquê — que isso fazia com que eu ficasse mais inteligente ou algo assim”, relata a atual mulher de Woody Allen, que admite na entrevista ter “alguma dificuldades de aprendizagem”, mas não do tipo “florzinha ingénua que foi molestada e abusada pelo padrasto malvado”.
Questionada sobre uma memória positiva que guardasse da mãe, Soon-Yi diz que “não consegue pensar em nenhuma”. Também Moses Farrow, outro dos filhos adotivos da atriz, tem falado frequentemente dos supostos maus-tratos físicos e psicológicos da mãe. Em maio deste ano, Moses, que é psicoterapeuta, chegou a escrever no seu blogue aquela que é a sua versão dos factos do verão de 1992 — o verão onde alegadamente Woody Allen abusou Dylan. Segundo Moses, a irmã nunca foi vítima de abusos sexuais por parte do pai, mas sim vítima de manipulação por parte da mãe. O suposto abuso aconteceu apenas sete meses depois de Mia Farrow ter descoberto a relação entre Woody Allen e a filha adotiva desta, Soon-Yi, na altura com 21 anos, pelo que, na versão de Moses e Soon-Yi, terá sido apenas por isso que Mia levou Dylan a contar essa versão.
Na altura, o texto de Moses ia mais longe e afirmava que a opinião pública apenas se convenceu de que a versão de Dylan era verdadeira por causa da estranha relação de Woody Allen com Soon-Yi, que admite ser “uma relação pouco ortodoxa, desconfortável e perturbadora para a família”. Ainda assim, nem Woody Allen assumiu alguma vez a paternidade da filha adotiva de Mia e André Previn, como não chegou a viver na casa de Mia Farrow com os filhos desta, pelo que Soon-Yi não o via como pai. Aos atores que entretanto se têm recusado a trabalhar com Woody Allen, como Colin Firth e Greta Gerwig, Moses dizia que lamentava terem-se “precipitado”.
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Mas se Soon-Yi e Moses Farrow defendem Woody Allen, o mesmo não acontece com outros filhos adotivos de Mia. Depois da publicação do artigo da New York Magazine, Dylan Farow apressou-se a publicar no Twitter uma declaração assinada por vários filhos biológicos e adotivos, deitando por terra a versão de Soon-Yi e garantindo que Mia Farrow era uma mãe “carinhosa e generosa” e que não podiam ficam calados “quando ela está mais uma vez a ser atacada injustamente”.
I'm grateful to my siblings for standing by me and my mother. Statement from Matthew Previn, Sascha Previn, Fletcher Previn, Daisy Previn, Ronan Farrow, Isaiah Farrow, and Quincy Farrow: pic.twitter.com/aBjWFUJjdH
— Dylan Farrow (@RealDylanFarrow) September 17, 2018
Um dos irmãos que assina o comunicado é precisamente Ronan Farrow, o premiado jornalista da New Yorker que ganhou um Pulitzer este ano pelas revelações que fez sobre o produtor Harvey Weinstein, alvo de várias acusações de assédio sexual e violação no meio do cinema. Como “irmão e filho”, Ronan, que diz que “deve tudo a Mia Farrow”, diz-se “zangado” por a New York Magazine “participar numa coisa destas”. Como “jornalista”, diz-se “chocado” pela “falta de cuidado em relatar os factos e incluir testemunhos contraditórios que deitam por terra a versão relatada”.
https://twitter.com/RonanFarrow/status/1041504876621000704