O presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, reiterou esta terça-feira perante a Assembleia Geral das Nações Unidas que os EUA só vão ajudar os países que respeitem a política externa norte-americana e que sejam “amigos” dos norte-americanos.

O discurso de Donald Trump na Assembleia Geral das Nações Unidas, esta terça-feira, ficou marcado por um momento inédito na história dos EUA: a sala, com representantes de todos os países do mundo que fazem parte da ONU, riram-se do presidente norte-americano quando ele se gabou dos feitos da sua administração.

“Em menos de dois anos, a minha administração conseguiu mais do que quase qualquer administração na história do nosso país”, disse Trump, o que provocou alguns risos entre a plateia. Trump respondeu, dizendo “é tão verdade”, o que gerou uma onda geral de risos na sala. “Não esperava essa reação, mas ok”, disse.

Num longo discurso de mais de meia-hora perante os representantes dos vários países com assento na ONU, Trump relembrou as decisões dos EUA de abandonar o Conselho de Direitos Humanos das Nações Unidas e de rasgar o acordo com o Irão e tornou a insistir na necessidade de todos os países colaborarem com as despesas de segurança e defesa mundiais — ao mesmo tempo que tornava a justificar a guerra comercial com a China.

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Porém, terminou o discurso com uma tentativa de aproximação aos países da ONU, classificando as Nações Unidas como uma “constelação de nações” que enriquece o mundo e a humanidade, e substituindo o habitual God bless the United States of America [Deus abençoe os Estados Unidos da América], com que costuma terminar os discursos, pela expressão God bless the Nations of the World [Deus abençoe as nações do mundo].

O discurso de Trump serviu para tocar todos os temas “quentes”: a Coreia do Norte, o Médio Oriente, a crise dos refugiados, as tarifas comerciais, a política de imigração dos EUA, os assuntos de defesa e ainda a crise na Venezuela.

As palavras mais contundentes de Trump foram sobre as questões de defesa. “Os EUA são o maior fornecedor de ajuda externa do mundo”, sublinhou, afirmando esperar “que os outros países paguem a sua parte justa pelo custo da sua defesa“. “Só vamos dar ajuda aos países que nos respeitam e que, francamente, são nossos amigos”, afirmou o presidente norte-americano.

“Já disse aos nossos negociadores que os Estados Unidos não vão pagar mais de 25% do orçamento de manutenção de paz da ONU”, sublinhou.

“Apelo a todas as nações para isolarem o regime do Irão”

O presidente norte-americano deixou também palavras duras sobre o Irão, sublinhando que qualquer solução para a crise humanitária no Médio Oriente passa necessariamente por pensar na questão iraniana. O regime iraniano, sublinhou Trump, “não respeita os seus vizinhos, fronteiras ou os direitos soberanos dos países”.

Trump disse compreender a “raiva” dos iranianos por os seus líderes “gastarem milhões de dólares” apenas “para encher os seus bolsos” — com uma guerra que os países vizinhos acabaram por pagar. “É por isso que os países vizinhos do Irão apoiaram a minha decisão de abandonar o acordo nuclear com o Irão”, disse.

“Não podemos permitir que o maior patrocinador de terrorismo do mundo tenha acesso às melhores armas e que tenha os meios para lançar uma guerra nuclear”, disse, pedindo “a todas as nações para isolarem o regime do Irão enquanto a sua agressão continua”.

“OS EUA lançaram uma campanha de pressão económica para impedir o regime de avançar com a sua agenda. Estamos a trabalhar com países que importam petróleo iraniano para reduzirem as importações”, afirmou.

Síria. “Os EUA vão responder se houver armas químicas usadas pelo regime de Assad”

Donald Trump classificou a guerra civil na Síria como “desoladora” e sublinhou a importância da sua viagem à Arábia Saudita, em maio de 2017, na luta contra o terrorismo no Médio Oriente.

“Depois da minha viagem à Arábia Saudita, os países do Golfo abriram um novo centro para combater o terrorismo”, afirmou, sublinhando que os Emirados Árabes Unidos, a Arábia Saudita e o Qatar “investiram milhões de dólares para ajudar as pessoas da Síria e do Iémen”.

“Os Estados Unidos da América estão a trabalhar com estes países para estabelecer uma aliança para que os países do Médio Oriente tenham estabilidade”, destacou. Trump deu ainda um exemplo de sucesso: “Graças às Forças Armadas dos Estados Unidos, os sedentos de sangue conhecidos como Estado Islâmico já foram expulsos dos seus territórios no Iraque e na Síria“.

O presidente norte-americano destacou ainda que os esforços comuns dos países que são membros da ONU devem ir no sentido de reduzir a intensidade do conflito e afirmou que “os EUA vão responder se houver armas químicas usadas pelo regime de Bashar al-Assad”.

Coreia do Norte. “Os mísseis já não voam em todas as direções”

“Tivemos uma boa conversa” e “concluímos que o melhor caminho era a desnuclearização da península”, disse Trump sobre a viagem que fez a Singapura em junho deste ano para se encontrar com o líder norte-coreano Kim Jong-un.

“Os mísseis já não voam em todas as direções, os testes nucleares pararam, algumas instalações já foram desmanteladas e os reféns já foram libertados”, disse, antes de agradecer ao presidente da Coreia do Sul, ao primeiro-ministro do Japão e ao presidente da China o apoio nas políticas dos EUA naquela região do globo.

Comércio. “Não vamos tolerar este abuso”

O agradecimento ao presidente Xi Jinping surgiu minutos antes de Trump atacar a política comercial daquele país. “O comércio deve ser justo e recíproco”, afirmou, sublinhando que “durante décadas, os EUA abriram a sua economia, a maior do mundo, com poucas condições”.

“Permitimos que os bens estrangeiros fluíssem livremente pelas nossas fronteiras. Mas muitos países não permitiram os nossos produtos. Como resultado, o nosso défice comercial aumentou”, disse Trump.

É por isso que o país está “sistematicamente a renegociar acordos comerciais”, afirmou o presidente norte-americano, criticando os países que “violam os princípios da Organização Mundial do Comércio”. “Os EUA perderam 30 milhões de empregos e 6 mil fábricas depois de a China se juntar à OMC”, disse. “Não vamos tolerar este abuso. A América não vai pedir desculpa por proteger os seus cidadãos.”

Sobre a imigração — com o muro na fronteira com o México a pairar sobre o discurso — Trump defendeu o “direito de cada nação de criar a sua política de imigração de acordo com os seus objetivos” e pediu respeito pela política norte-americana.

Guterres aponta o dedo a Trump, Putin, Assad e Aung San Suu Kyi

O secretário-geral António Guterres deixou vários recados numa intervenção onde realçou que a “agenda dos Direitos Humanos e o autoritarismo está a crescer” e onde ao mesmo tempo apontou o dedo, mesmo que implicitamente, às lideranças de países com os EUA, a Síria e a Myanmar.

“À medida que a política do pessimismo se alastra, devemos proteger-nos contra profecias em causa própria”, disse António Guterres esta terça-feira ao início da tarde. Depois, elencou uma série de críticas que podem assentar em diferentes lideranças mundiais. Primeiro, Myanmar, de Aung San Suu Kyi, que as Nações Unidas acusaram de estar a levar a cabo uma “limpeza étnica” contra a minoria rohingya: “Aqueles que olham para os seus próximos como perigosos podem causar uma ameaça onde ela não existia”. Depois, os EUA e os demais países que têm restringido a entrada de imigrantes: “Aqueles que fecham as suas fronteiras à migração legal apenas incentivam o trabalho dos traficantes”. E, por fim, a Síria, tal como os seus aliados na guerra, Rússia e Irão: “Aqueles que ignoram os Direitos Humanos no combate ao terrorismo tendem a criar o mesmíssimo extremismo que tentam erradicar”.

António Guterres deixou um alerta para dois desafios imediatos: o aquecimento global e a tecnologia (Photo by TIMOTHY A. CLARY / AFP)

Ainda assim, António Guterres deixou palavras de apreço aos esforços desenvolvidos na região da Península da Coreia, perante as recentes cimeiras entre as duas Coreias e também entre a Coreia do Norte e os EUA. “Dão-nos esperança quanto à possibilidade de uma desnuclearização completa e fiável da Península da Coreia no contexto da segurança regional”, disse.

António Guterres falou ainda de dois desafios imediatos para o futuro: o aquecimento global e a tecnologia.

Sobre o aquecimento global, o secretário-geral da ONU disse que este está a “avançar mais depressa do que nós”. “Ninguém é imune ao aquecimento global, o aquecimento global afeta tudo e tudo pode ser post em causa”, disse. Sobre a tecnologia, referiu que além das suas vantagens há também “riscos e perigos importantes”. Referindo que há a possibilidade de os “avanços na tecnologia” poderem “perturbar o mercado laboral à medida que empregos tradicionais mudam ou desaparecem”, António Guterres referiu que os governos “terão talvez de ponderar a construção de redes de segurança mais fortes e possivelmente um rendimento universal garantido.

Michel Temer aproveitou a sua última intervenção na Assembleia-Geral da ONU para fazer um balanço da sua presidência: “Vencemos a pior recessão da nossa História” (John Moore/Getty Images)

Logo depois da intervenção de António Guterres, o Presidente do Brasil, Michel Temer, fez a sua última intervenção antes de ceder o seu cargo ao Presidente que surgir das eleições de outubro. Sobre os seus dois anos de governação, Michel Temer sublinhou: “Dissemos não ao populismo e vencemos a pior recessão da nossa História”.

Noutras parte do seu discurso, Michel Temer descreveu o Brasil como sendo um país aberto à entrada das “dezenas de milhares” de refugiados venezuelanos que ali chegam, apesar de em agosto a fronteira ter sido fechada durante um pico de pedidos de asilo e tentativa de entradas. “O Brasil tem recebido todos os que chegam em nosso território”, disse. “Mas sabemos que a solução para a crise acontecerá quando a Venezuela encontrar o caminho do desenvolvimento.”