2018 foi um ano de desavinho, esse acidente fisiológico que “resulta da ausência de fecundação das flores e sua consequente queda”. O inverno marcado pela distribuição irregular da chuva, com uma acentuada queda de água na altura da floração da vinha, fez com que os bagos se formassem de forma irregular um pouco por todo o país. Irregular é, precisamente, a melhor palavra para definir um ano de grandes oscilações térmicas, em que o já velhinho ditado “até ao lavar dos cestos é vindima” nunca foi tão apropriado.
Já antes os presidentes das comissões vitivinícolas do Dão e dos Vinhos Verdes tinham referido ao Observador uma quebra de produção na ordem dos 20% em ambas as regiões — segundo o Instituto da Vinha e do Vinho (IVV), a queda generalizada em 2018 deverá traduzir-se na produção mais baixa em seis anos. Todo o país foi assolado de forma semelhante, garante também o enólogo consultor Diogo Lopes, que trabalha com projetos em diferentes regiões — Lisboa, Alentejo e Douro incluídos.
Se na primavera a chuva e os ventos fortes vieram em má altura, no verão os fenómenos de calor intenso, acima dos 40 graus (já conhecidos como os “escaldões”), também impactaram a produção. “Mesmo em regiões muito quentes, como no Alentejo e no Douro Superior, registaram-se temperaturas muito elevadas. Há perdas significativas em algumas castas e, pelo que vi, as tintas foram mais atacadas do que as brancas.” As uvas alicante bouschet, no Alentejo, e castelão, na região centro, estão entre as mais afetadas.
Mas é no Douro que Diogo Lopes — que trabalha quase 250 hectares espalhados pelo continente e ilhas — encontra mais adversidades, incluindo o benefício, que determina a quantidade de mosto que cada viticultor pode destinar à produção exclusiva de vinho do Porto (este ano fixou-se nas 116 mil pipas.). Em 2018, o benefício representa dificuldades acrescidas à perda de uvas (até porque há muita escassez e muita procura, diz o enólogo). “Estamos a meio da vindima no Douro e, por causa do preenchimento das quotas por causa do vinho do Porto, estamos preocupados.”
Problemas de sanidade transversais a muitas regiões também são de assinalar, até porque este foi um ano em que se fizeram mais tratamentos preventivos e curativos, diz o enólogo, muito por culpa de doenças como o oídio e o míldio.
O fenómeno da natureza, que queimou parte das vinhas por esse país fora, condicionou o plano da vindima, esta que varia de região para região, não tivessem os diferentes terroirs especificidades próprias. Como sempre, o arranque da vindima começa no sul e viaja para norte — neste caso, Diogo Lopes ocupou-se primeiro do Alentejo, depois de Lisboa e, para o fim, ficou o Douro. Este ano, a data da colheita começou duas a três semanas mais tarde porque o amadurecimento das uvas — a também chamada maturação — demorou mais tempo do que o habitual.
No Alentejo, na Herdade Grande, Lopes faz a vindima à noite para tirar melhor partido de temperaturas mais frescas. Em Lisboa, na AdegaMãe, as uvas brancas vão primeiro do que as tintas e a vindima acontece pela manhã. No Douro, na Quinta do Convento, a falta de mão de obra é a especificidade mais marcante.
É só no final da vindima, já as uvas estão totalmente colhidas, que se fazem prognósticos. Diogo Lopes, que já terminou a vindima das uvas brancas, fala num “ano de brancos interessantes”, dado o equilíbrio geral do mosto. Nos tintos ainda não é possível prever o futuro, ainda que o enólogo saiba de antemão que há muito trabalho à sua espera na adega. As irregularidades encontradas nas vinhas — que, em alguns casos, mostraram-se num mesmo bago — podem traduzir-se em taninos muito verdes e taninos muito maduros. “Nesta fase da campanha é preciso andar muito em cima da vinha. Dentro da mesma cepa vi cachos bastante heterogéneos, alguns completamente secos e outros onde claramente houve um corte com o sistema de alimentação da videira, com bagos por amadurecer.” Por estes dias, o trabalho é tanto que diz quase viver no carro, tamanha é a importância do momento certo para a apanha da uva.