Marques Mendes deu o acordo entre o Governo e a concessionária como praticamente fechado. Desenvolver a base aérea do Montijo como terminal de apoio à Portela é a solução apontada já desde o anterior Governo, mas agora está finalmente em condições de avançar, revelou este domingo no seu espaço de comentário da SIC. Vai custar mil milhões de euros, financiados integralmente pela ANA, e implicará uma alteração do contrato de concessão dos aeroportos, segundo Marques Mendes.

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As informações avançadas reforçam os sinais dados na semana passada. Primeiro pelo presidente da ANA, que disse no Parlamento que a negociação da parte económica estava a ser finalizada com o Governo. E depois pela voz do próprio primeiro-ministro, que foi até mais longe. Para António Costa, a solução Portela +1 (Montijo) é quase irreversível, falta apenas o estudo de impacte ambiental. O primeiro-ministro defende ainda que existe “consenso nacional” sobre o projeto, o que não será bem assim, e defendeu que “não há tempo a perder”.

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Negociação do contrato de concessão

O presidente executivo da ANA, Thierry Ligonnière, reconheceu no Parlamento que avançar com o terminal do Montijo “é uma mudança radical no equilíbrio económico da concessão“, razão pela qual o processo está a demorar mais tempo. O contrato de concessão da ANA, que entrega à empresa controlada pelos franceses da Vinci a exploração dos aeroportos por 50 anos, tem abertura para acomodar esta solução, mas ela não está prevista nas suas implicações financeiras e económicas. Isto significa que o contrato de concessão assinado em dezembro de 2012 pelo anterior Governo vai ter que ser alterado, para passar a incluir um aeroporto no Montijo como parte da resposta aeroportuária de Lisboa e para entregar a sua gestão à ANA. Foi isto que Marques Mendes quis dizer quando disse na SIC que o investimento total da empresa “será compensado com o alargamento da concessão inicial“. Mas isto é apenas uma parte da história. É preciso avaliar quanto custa, quem vai pagar, como será financiado e que implicações terá nas receitas futuras da concessionária e nos custos para companhias e utilizadores do aeroporto. O acordo poderá ser anunciado nas próximas semanas, diz Marques Mendes. É um cenário plausível, mas não está totalmente garantido. Sabe-se que o Governo quer fechar o dossiê este ano.

Quanto vai custar e quem vai pagar

Marques Mendes avançou com um valor redondo de mil milhões de euros. De acordo com informação recolhida pelo Observador, este investimento será faseado ao longo de vários anos e inclui a compensação a pagar pela transferência da Força Aérea instalada na agora base militar do Montijo. Mas não só: inclui também o custo dos acessos, o reforço da oferta de transportes para assegurar um rápido e eficiente transbordo para a capital, bem como as obras que continuam a ser necessárias para reforçar a capacidade da Portela e que passam pela eliminação de uma das pistas. Aos deputados da comissão de Obras Públicas, Thierry Ligonnière disse que o valor do investimento também “integra uma verba para compensações ambientais”, já que o projeto implica o prolongamento a sul da pista do Montijo. A concessionária ANA é que irá pagar, disse Marques Mendes, confirmando uma indicação que já estava prevista há bastante tempo. Mas se a resposta a esta pergunta parece fácil, tem por detrás uma outra questão muito mais complexa.

Como será financiado?

Partindo do pressuposto de que é a concessionária a assumir a conta, é preciso avaliar como é que isso irá afetar o equilíbrio da concessão para 50 anos. E se é certo que a solução Montijo pressupõe um custo para a empresa, também é certo que esse custo irá gerar mais receitas no futuro do que aquelas que estavam previstas na concessão original. Isto considerando que esta solução é uma alternativa mais barata do que a construção de um novo aeroporto para substituir a Portela. As receitas da concessionária provêm, essencialmente, das taxas aeroportuárias cobradas nas operações aéreas. As fórmulas usadas para atualizar estas taxas constam do contrato de concessão e foram acertadas pelas duas partes em 2012. Agora, o governo quer mexer nessa forma de atualizar as taxas. Esta é a parte mais sensível da negociação e que, segundo apurou o Observador, ainda não está fechada.
Aos deputados, Thierry Ligonnière admitiu que a equação é “difícil e desafiante”, o que justifica a demora nas negociações.  Quanto às expectativas da empresa, diz que a ANA “não precisa de ganhar mais dinheiro, mas também não quer perder dinheiro face à situação anterior”. O Governo pretenderá maximizar o argumento das receitas futuras da ANA para mexer no atual modelo de atualização das taxas aeroportuárias.

Como se vai lá chegar

Na sua audição no Parlamento, Thierry Ligonnière apontou duas formas de transporte para o terminal do Montijo: rodovia e barco. Tanto quanto o Observador conseguiu apurar, a ideia de um metro ligeiro de superfície ou shuttle em carris dedicados estará afastada — é demasiado cara. Em alternativa, uma das opções que está em cima da mesa é a criação de uma faixa bus, dedicada ao transporte público ao serviço do aeroporto, na Ponte Vasco da Gama. Será ainda necessária uma estrada para melhorar o acesso rodoviário ao novo terminal. E estará ainda previsto o aumento da oferta de transporte fluvial para Lisboa com a remodelação e eventual relocalização do atual cais no Montijo.

E o que falta

A autorização ambiental é a maior incerteza desta solução e o que pode vir a atrasar mais o processo. O primeiro estudo de impacte ambiental apresentado pela ANA foi devolvido pela APA (Agência Portuguesa do Ambiente) com o pedido de muito mais informação. O novo estudo estará pronto para ser remetido, mas ainda deverá demorar algum tempo até se iniciar o processo de consulta pública que, pelas vozes que já se levantaram, vai ser muito participado. Mais dois meses. Depois é preciso esperar pela DIA (declaração de impacte ambiental) favorável, ainda que se admita que possa ser condicionada a algumas alterações ao projeto. No pior cenário, a queixa dos ambientalistas obrigará o Governo a promover uma avaliação ambiental estratégica que prevê a comparação de dois cenários concorrentes. O que poderá fazer arrastar o processo de autorizações ao longo do ano de 2019, fazendo derrapar a construção e colocando em cheque o prazo de 2022. Esta data indicativa para o início das operações comerciais no Montijo tem vindo a ser avançado por vários agentes, desde o ministro das Obras Públicas, reguladores, a ANA e até os reguladores do setor.

E é consensual?

Nem tanto assim. O proposto para um aeroporto no Montijo, pelo menos na forma como está a ser realizado, suscita críticas junto de organizações ambientais que não estão tranquilas como a forma como o processo de avaliação ambiental tem vindo a ser feito. Há uma queixa na Comissão Europeia a exigir uma avaliação ambiental estratégica como aquela que foi feita para as soluções de um novo aeroporto na Ota ou no Campo de Tiro de Alcochete durante o Governo de José Sócrates.

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Do lado dos descontentes, estão também alguns habitantes de concelhos vizinhos do Montijo, como o Barreiro e a Moita, que já vieram para a rua protestar.

E quem quer voar para o Montijo?

Thierry Ligonnière revelou aos deputados que a ANA já recebeu “manifestações de interesse” de companhias aéreas para “serem as primeiras” a operar no futuro aeroporto do Montijo. Mas não especificou quais.
Em público, as duas principais low-cost a operar em Lisboa — a Easyjet e a Ryanair — são menos entusiastas em relação a trocar o terminal 2 do Humberto Delgado pelo Montijo. Em maio, o diretor-geral da EasyJet para Portugal, José Lopes, declarou ao Jornal de Negócios que “o objetivo principal continua a ser crescer na Portela“. “O Montijo estará pronto em 2022 e ainda não se sabe em que condições. Ainda não podemos dizer sim ou não”, completou o responsável, admitindo, porém, que a falta de condições do Humberto Delgado poderá obrigar a uma mudança para a outra margem.
Já o polémico diretor-geral da Ryanair, Michael O´Leary é mais direto quanto ao Montijo. A nova estrutura serviria, essencialmente, para albergar “todo o crescimento” da operação que já não cabe na Portela, disse em fevereiro. Isto é: a companhia quer manter Lisboa como o seu “hub” principal e ter “seis a dez aviões” no futuro terminal da margem sul. “Não podemos crescer na Portela porque o aeroporto está sempre a dizer-nos que não temos sítio para pôr as aeronaves […] porque o terminal está cheio. O terminal não está cheio, nalgumas horas até está vazio”, observou Michael O’Leary.