Cerejas, senhores. Não as do Fundão, mas as que crescem (e que, antes de crescerem, florescem) do outro lado do mundo. Sob pena de ficar reduzido a uma única peça de fruta, por sinal já remoída e mastigada pela máquina da fast fashion, Luís Carvalho pegou na cereja e fez dela o ponto de partida para a coleção que assinala os cinco anos do seu nome enquanto marca. Foi literal quando apresentou peças estampadas com cerejas apetitosas num tecido branco, bem menos quando encheu a passerelle com coordenados inteiramente pintados de um vermelho viçoso e intenso, nada óbvio quando cintou as silhuetas como se de gueixas se tratassem. Afinal, a viagem de Luís Carvalho não foi em torno de uma cereja, mas sim ao Japão.

As cerejas de Luís Carvalho © ANDRÉ DIAS NOBRE / OBSERVADOR,

O tafetá e o cetim de seda, as sarjas de algodão e de seda, o crepe de seda (muita seda, portanto) e o cupro traduziram a intenção do designer. Houve espaço para cortes escorreitos e para mangas nipónicas, mas também para volumes. A parceria com a Eureka continua. De acabamento envernizado, os sapatos captaram os tons da coleção: vermelho, verde seco e azul céu. Luís continua a pensar tudo ao milímetro, sobretudo quando chegado até aqui, afinal, esta não é uma coleção qualquer. “Cinco anos parece ser pouco tempo para comemorar, mas para mim é importante porque, em Portugal, é muito difícil sobreviver e ter uma marca de moda consistente. E há um grande crescimento da primeira coleção para a última: penso que esta representa bem aquilo que é o ADN da marca”, explica o criador, minutos após o desfile.

O momento é também de balanço. Com um nome consolidado no seu país, Luís Carvalho quer agora apostar na internacionalização. Paris será a porta. “Em Portugal, já conquistei um público e, para atingir o volume de vendas que quero, preciso de ir para fora, Portugal não é suficiente”, termina. Luís Carvalho encerrou o segundo dia de desfiles da ModaLisboa. Não fosse o recolher (quase obrigatório) ditado pela aproximação de Leslie e a sala teria estado, certamente, mais cheia. A plateia pode ter estado a meio gás, ainda assim Luís Carvalho esmerou-se na sobremesa.

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Alexandra Moura © JOÃO PORFÍRIO/OBSERVADOR

Antes dele, muitos outros passaram pelo Pavilhão Carlos Lopes. Alexandra Moura regressou à ModaLisboa, depois de quatro estações ausente, a cumprir o calendário, nacional e internacional do Portugal Fashion. Na sequência do protocolo assinado pelas duas entidades, a criadora com atelier em Lisboa regressou à passerelle que a viu dar os primeiros passos. Trouxe a coleção que já tinha apresentado durante a Semana da Moda de Londres, há um mês. Um regresso à aldeia transmontana onde, em criança, passava férias com os avós. A nostalgia da paisagem, dos cheiros e das emoções manteve-a fiel ao romantismo que a carateriza, mas também àquelas que são as peças-chave da marca.

Ricardo Andrez © André Dias Nobre/Observador

Enquanto isso, Ricardo Andrez regressou ao final dos anos 90, altura em que o bug do milénio ameaçava a sociedade de informação. “Era um cenário quase apocalítico que acabou por se tornar numa paródia, por não aconteceu nada”, explica o criador ao Observador. E como é que Andrez deu a volta ao texto e transformou este rumor de colapso numa coleção altamente pop? Bem, em primeiro lugar, com a figura de um extraterrestre. “Exagerámos nos ETs, mas era essa a ideia — ter algo graficamente impactante”, afirma. O referido marciano nunca chegou a desaparecer durante a coleção e Andrez experimentou novos níveis de excentricidade. Fê-lo através de misturas de cores inebriantes, lantejoulas, collants coloridas e das brincadeiras com xadrezes. Na equação, entra também o calçado, datado q.b. mas em jeito de apontamento kitsch. Nenhum par foi desenhado pelo criador. Os sapatos que fizeram parte do desfile resultam de uma espécie de open call dirigida aos closets dos amigos. Melhor resultado era impossível: umas botas tigresa, umas socas de tiras e salto alto, um ténis Buffalo.

A coleção do próximo verão vem no seguimento da anterior, quando Ricardo Andrez decidiu apontar a mira a um público mais jovem, os millennials, e fazer do seu trabalho um objeto de desejo. O criador admite que a última coleção foi a que mais vendeu e, mesmo no desfile deste sábado, foram várias as peças da atual estação avistadas na primeira fila. Parece que alguém já conquistou a sua própria turma de groupies e que nem todos estão na Ásia, o mercado forte de Andrez.

Aleksandar Protic © André Dias Nobre/Observador

Uma hora antes, outro veterano. Aleksandar Protic pode ter passado despercebido no calendário da ModaLisboa, mas, para quem fez finca-pé à tempestade ou simplesmente sacrificou a sua hora de jantar para assistir ao desfile do criador, foi fácil identificar um outro Protic na passerelle. Desvirtuado? Não, colorido. Tenho 45 anos, 20 de experiência nesta área, e sempre mantive uma linha. Agora, deixei-me levar pela história e pela emoção”, conta a Observador.

Nos últimos tempos, Protic tem visto vários vídeos de jovens brasileiros, “como problemas por serem diferentes, a maioria da comunidade LGBT”, como explica. Com o cenário político não muito famoso, o criador, natural da ex-Jugoslávia, resolveu dirigir uma mensagem, mais do que de apoio, de empoderamento. Ao mesmo tempo, deixou-se contagiar pela energia natural que o Brasil emana, usou cores, entre elas um amarelo flúor, totalmente enérgico, padrões e misturou-os a todos, deixando de lado os coordenados monocromáticos e neutros, do princípio ao fim do desfile. “Deixei o meu ego de lado, não pensei no que ficava bem ou não, foi só o meu sentimento quanto a este tema. Não sei se é uma nova fase, acho que sim. Gosto de tudo, não sou designer de uma só coisa. Gosto de cor, mas nunca brinquei muito com ela”, admite Protic.

Awaytomars © André Dias Nobre/Observador

O dia pode não ter começado no Parque Eduardo VII, mas, depois de Nuno Gama ter tomado de assalto o Museu Nacional de Arte Antiga, foi no Pavilhão Carlos Lopes, e arredores, que uma mão cheia de criadores portugueses apresentaram as suas coleções para a primavera-verão de 2019. Houve quem o fizesse a céu aberto, ainda os ventos fortes do furacão Leslie eram uma previsão avançada pelos meios noticiosos. Awaytomars, a plataforma de design colaborativo, sabe bem como fugir ao cenário expectável de um desfile de moda. Se na edição anterior tirou partido do verde da Estufa Fria, desta vez a passerelle foi montada junto ao Lago do Botequim do Rei, onde o tom esverdeado da água mais pareceu ter sido encomendado para completar a paleta de cores da coleção.

A luz foi o mote — da forma como é refletida e refratada em superfícies como os diamantes à história da filmografia — e materializou-se num manifesto de cor e padrões digitais, uma espécie de assinatura da marca de Alfredo Orobio e Marilia Biasi. Sem perder de vista as bases de um vestuário usável e quotidiano, a paleta resgatou o corante roxo Mauveine criado pelo químico britânico William Henry Perkin, em 1856, à medida que a dupla, responsável por agregar os contributos dos 809 designers de todo o mundo que cocriaram esta coleção, foram explorando os primeiros (e fascinantes) desenvolvimentos de corantes de anilina sintéticos. Numa outra frente, a da sustentabilidade, a Awaytomars continua a investir em novos métodos de impressão digital.

Constança Entrudo © João Porfírio/Observador

Cerca de uma hora depois, já no interior do pavilhão, Constança Entrudo estreou-se no espaço LAB da ModaLisboa com uma coleção puzzle. O engenho de Constança está acima da média, pelo menos para uma designer de 24 anos. Se por um lado, constrói peças com uma (aparentemente) simples junção de linhas (técnica à qual já chamámos “tecido por tecer”), por outro, desenvolveu roupa mutante, capaz de ser usada e recombinada de diferentes formas. Mas com “Connections”, Constança Entrudo também traz substância ao conceito de moda ungendered. Entre vestidos, calças e blazers, são poucas as peças a que atribui uma etiqueta de masculino ou feminino. A jovem criadora não trabalhou sozinha. Colomb d’Humieres criou os botões que ligam as diferentes peças, Marie Hazard trouxe o velho ofício da tecelagem para a passerelle, enquanto uma terceira criadora, Nadia Wire, se dedicou às malhas presentes na coleção.

Patrick de Pádua © André Dias Nobre/Observador

Patrick de Pádua, o rapaz da streetwear de fusão, apresentou, no LAB, uma coleção intitulada “She”. O desfile ficou marcado por uma injeção extra de cor. Além do preto e do branco, uma espécie de código fundador, o jovem criador usou e abusou de tons como o vermelho, o laranja, o azul, o amarelo e o roxo. Sem perder o sportswear de vista, Patrick continua a cruzá-lo com referências citadinas, o que se nota sobretudo no vestuário feminino, que, nesta estação, deu um salto.

Domingo, dia 14 de outubro, é o terceiro e último dia da 51ª edição da ModaLisboa. Olga Noronha, Filipe Faísca, Kolovrat e Dino Alves estão entre os nomes que vão desfilar no Parque Eduardo VII. Até lá, fique com as imagens do segundo dia na fotogaleria.