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Hip hop, rotundas e religião: o Conjunto Corona pode tudo

Este artigo tem mais de 5 anos

No seu álbum mais recente, "Santa Rita Lifestyle", a dupla nortenha continua a cantar as parolices que andam à nossa volta, sempre elevando a fasquia do seu hip-hop old school.

dB, Logos e Homem do Robe -- O Conjunto Corona
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dB, Logos e Homem do Robe -- O Conjunto Corona

Créditos: Renato Cruz Santos

dB, Logos e Homem do Robe -- O Conjunto Corona

Créditos: Renato Cruz Santos

Por muito que seja uma personagem fictícia, o Corona é uma pessoa como todos nós. Este anti-herói criado pelo produtor dB e o rapper Logos já se viu envolvida em algumas das maiores aventuras da música portuguesa — agora, com o novo álbum Santa Rita Lifestyle conhece-se mais uma.

Este homem imaginário, que não tem em si todos os sonhos do mundo mas sim um bocadinho de cada vagabundo, meliante, proxeneta e traficante portuense, está a atravessar um momento fraturante: descobriu a religião e teve de se mudar para a periferia do Porto por causa da gentrificação. O que nos dizem sobre isto as 12 faixas deste novo trabalho? Antes de chegarmos aí convém perceber melhor quem é esta personagem e qual é a sua história.

A capa de “Santa Rita Lifestyle”, o quarto álbum do Conjunto Corona (Meifumado Fonogramas)

2014. Foi neste ano, graças ao disco de estreia Lo-Fi Hipster Sheat, que o mundo conheceu pela primeira vez o imaginário degradante e — falemos em bom português — azeiteiro desta pessoa que tratava o tráfico de droga por tu — ou melhor, por “maninho”. Bastava ouvir isso em canções como “Já Não és o Meu Dealer” ou “Trazes Cogumelos Contigo?”. Um ano depois, em 2015, o “nosso” Corona sente na pele os malefícios da sua vida de excessos e dá entrada naquilo a que o próprio chama “o Sheraton dos queimadinhos”: por outras palavras, uma clínica de reabilitação. Foi nesse momento de clausura que criou o disco Lo-Fi Hipster Trip, com êxitos como “Pontapé nas Costas” ou “Free Corona”.

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Com a recuperação já concluída, o protagonista fura-vidas decide mudar de rumo e transformar-se num empresário de sucesso. Na zona de Cimo de Vila abre uma casa de alterne chamada Cimo de Vila Velvet Cantina e tudo parece correr pelo melhor. Escutem-se as faixas “Chino no Olho” ou “Mafiando Bairro Adentro” para o perceber.

Agora, em 2018, Corona chega a um momento de clareza onde o contacto com a religião o põe a repensar em toda a sua vida de pecado. Abandonará o crime em troca do caminho sagrado da Igreja? É ouvir o disco. Antes disso, porém, convém perceber melhor a parte “real” deste que é um dos mais refrescantes e criativos projetos da música portuguesa.

[Santa Rita Lifestyle na íntegra]

Logos e dB conheceram-se por acaso: um fazia beats (samplando rock psicadélico esquisito e outras preciosidades perdidas no mundo do Youtube) e o outro gostava de escrever letras. Do nada nasceu a sua sonoridade característica, um misto de reminiscências do boom bap norte-americano com excertos de vídeos cómicos da internet e letras que tão depressa falam de Cervantes como de “comer um pastel no Rafael com o Zé Miguel”. Brincando com estereótipos e, ao mesmo tempo, homenageando a portugalidade que não vem n’Os Lusíadas ou n’Os Maias, aquela dos bairros mais caricatos e tradições mais foleiras, estes rapazes do norte alcançaram com mérito o título de “Beastie Boys de Rio Tinto (e arredores)”.

É precisamente tudo isto que aparece neste novo trabalho. Os excertos de vídeos do Youtube — como a mítica participação de “Dorinda Gandra de Gondomar” no programa Opinião Pública –, as letras ora frontais ora simplesmente divertidas (“Estou só a pitar um Happy Meal/Trouxe o meu Civic 92 era de abril/E sem o civil, e sem o civil”) e um sem fim de referências ao imaginário popular-suburbano-chunga que a dupla já sabe dominar com mestria. De diferente está o ritmo mais sensual, hipnótico e que por vezes traz à memória outros tempos dos Cypress Hill.

O Conjunto Corona, da esquerda para a direita: dB, Logos e a mascote “Homem do Robe”. ©Renato Cruz Santos,

Como pontos altos há logo a segunda pista, “187 no bloco”, e os seus coros infantis thug life; daí salta-se para “Perdido na Variante”, faixa que conta com a participação de PZ, colega de editora (Meifumado Fonogramas) e mentor do grupo desde cedo, passando ainda por “Santa Rita Lifestyle”, um hino ao pessoal do tunning que confraterniza nas bombas de gasolina de Santa Rita (daí o nome do disco) enquanto compara ailerons e escapes de rendimento; ou “Street Ganza do Jardim”, enérgica malha inspirada nos que vendem louro prensado aqui e acolá.

No geral, em Santa Rita Lifestyle ouve-se música mais madura mas ainda profundamente infantil, quase tudo ao mesmo tempo. Há muito de gozo e brincadeira neste projeto, mas olhando para lá disso encontra-se um dos jovens produtores mais promissores do país e o seu MC de eleição, um Logos de flow escorregadio e adulto, que dá vontade de continuar a ouvir, mesmo quando não se percebe quase nada da ideia que quer passar. A juntar a esta dupla (que na verdade é um trio, já que dB tem um alter-ego rapper chamado 4400 OG que participa em quase todas as canções) há ainda as já habituais colaborações de Kron Silva, Fred&Barra e a mascote virada ídolo “Homem do Robe”. Tudo encaixa, tudo bate certo e o resultado é algo tão bonito, sensual e pujante como um Citroen Saxo modificado a poliçar à saída de um parque de estacionamento, envolto numa nuvem de fumo e cheiro a borracha queimada.

Saiba que vai poder ver tudo isto ao vivo a 1 de dezembro, no Musicbox (Lisboa) e a 8 do mesmo mês, no Hard Club (Porto).

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