Houve um anúncio já esperado e um não menos surpreendente alinhamento político do Bloco para a temporada pré-eleitoral que aí vem que passa por pintar a negro o que resulta do “poder absoluto” dos governos. O discurso de Catarina Martins no arranque na Convenção do Bloco de Esquerda teve estes dois pontos fundamentais, mas também alguns avisos para o PS sobre 2019 e os “desafios colossais” que ele ainda trará no Parlamento.
Mas comecemos pelo diabo, palavra que a líder do Bloco de Esquerda não usou e que no discurso bloquista é normalmente lembrado quando se para referir os receios levantados à direita sobre a solução governativa gerada em 2015. Passos Coelho disse em 2016 que vinha aí “o diabo” na economia. Para o Bloco de Esquerda, o perigo à espreita é outro: a maioria absoluta.
Foi por isso que Catarina Martins lembrou os tempos de Passos Coelho e do “sufoco institucional provocado pelo poder absoluto. Um Governo, uma maioria, um Presidente, esse velho sonho da direita foi o pesadelo do nosso povo”, disse a líder do Bloco quando lembrava “o mandato das direitas” em que “PSD e CDS violaram limites constitucionais” e que o “Cavaco Silva e o poder económico seguraram”.
Mas logo a seguir coloca o parceiro PS nesse mesmo saco e a “alternativa que propunha” em 2015. “Tinha assinado o memorando com a troika e depois dizia que o problema não era a austeridade, mas o ritmo a que esta era aplicada” e que foi a eleições com um programa “definindo o congelamento de pensões, limitando o salário mínimo aos acordo com as confederações empresariais, prometendo reduzir as contribuições patronais para a segurança social e novas medidas de liberalização de despedimentos”. E isto tudo para chegar aonde? Ao ponto em que o PS, com maioria e sem a esquerda, teria desviado caminho para a direita.
Segundo as contas da líder do Bloco, o PS “queria tirar 1660 milhões de euros aos pensionistas e mais 1050 milhões com o corte das prestações sociais”. “Se o PS tivesse imposto a sua vontade, os pensionistas teriam perdido o valor de dois meses das suas pensões. Se o PS tivesse tido maioria absoluta, os pensionistas estariam hoje pior”. Conclusão: “Ainda bem que houve força à esquerda para contrariar as medidas do programa do PS que pretendiam praticamente o contrário”.
Com isto, Catarina Martins, à porta de eleições, arruma o PS quase no mesmo canto em que encosta a direita, apesar da colaboração próxima — com posições conjuntas assinadas para viabilizar um Governo PS — com os socialistas. Enfia num saco a maioria absoluta, dizendo mesmo que “a política mudou porque o PS não teve maioria absoluta e porque cresceu a força de esquerda”. E, por fim, mata o voto útil. “O voto útil morreu, renasceu a possibilidade de o povo impor respeito”, afirmou a líder bloquista detalhando logo no início do discurso o que queria dizer com isso:
“Aquele voto com medo da direita e que preferia uma solução má a uma solução péssima, esse voto útil morreu. Paz à sua alma.”
É esta a “lição” que retira do que se passou no país desde 2015, que vinca que a importância do seu partido está na dimensão que ganhar nas próximas eleições. O apelo ao voto no Bloco faz-se, para já, pela diabolização da direita mas também de um PS absoluto, que deixe de precisar das forças de esquerda para governar.
O erro Robles
O partido, garantiu a líder, “mudou porque cresceu”, falou nos novos militantes, abriu-lhes a porta e apontou a “amizade, camaradagem e exigência de respostas concretas” que vão encontrar no Bloco, mas também lhes disse que “vão encontrar erros” e foi aí que entrou Ricardo Robles. Sem referir pelo nome o ex-vereador do partido na Câmara de Lisboa, falou do seu negócio: “a decisão de um nosso vereador de vender um prédio de família em Lisboa”. “O Bloco não abriu parêntesis nem mudou de assunto, Ninguém viu o Bloco calado nem por um dia, sobre o problema da habitação nas grandes cidades”. E prometeu “reforçar essa luta”.
Esse será um ponto que o Bloco promete voltar a atacar no Orçamento do Estado, com a apresentação esperada da taxa para penalizar os negócios de especulação imobiliária. Mas há quatro outros pontos que Catarina coloca no topo da lista de prioridades, ou seja, que quer ver resolvidos até ao final desta legislatura:
- Legislação laboral “que se vai arrastando no Parlamento” — “é tempo de acabar com essa vergonha e aprovar uma lei que protege contratos e impede a precariedade”;
- Aprovar uma taxa sobre rendas da energia;
- Acabar com “os atrasos” na lei de bases da saúde;
- Acabar com “atrasos” no investimento nos transportes públicos“.
Catarina Martins também fez o balanço ao que o Bloco conseguiu no tempo desta solução governativa, onde destacou “a regularização de precários”, “o ativismo das pessoas com deficiência”, “a determinação das feministas”, mas também junto “da luta” dos profissionais de saúde, contra “quem queria a educação como um negócio” ou “pelo direito à habitação”. Isto além do “caminho extraordinário pela despenalização da morte assistida” — que ficou a cinco votos de ser aprovado no Parlamento, em maio passado.
Deixou para o fim a cabeça de cartaz do Bloco de Esquerda para as eleições europeias, que acontecerão no próximo ano. Marisa Matias, eurodeputada eleita pelo Bloco, volta a ser a candidata do partido. A proposta será feita por Catarina Martins na próxima reunião da Mesa Nacional do partido: “Que seja Marisa Matias a nossa primeira voz nas eleições europeias de maio de 2019”. De Marisa disse que, “não só é a melhor candidata que o Bloco pode ter, mas a melhor candidata que o país pode ter”. É o segundo partido político a fazê-lo — o outro foi o CDS, também na sua reunião magna.