Nenhum outro presidente dos EUA viveu tanto como George Herbert Walker Bush. No total, contabilizava 94 anos quando, na passada sexta-feira, 30 de novembro, deu por encerrada uma história de vida com quase um século, plena em conquistas, algumas derrotas e uma ou outra polémica.

A sua infância foi passada no seio de uma família numerosa e muito dedicada aos valores da tradição norte-americana, em torno das noções de empenho no serviço público e comunitário, bem como de entrega à defesa da paz e democracia — mesmo quando isso implicasse a guerra.

Fortemente influenciado por essa marca identitária familiar, aos 18 anos alistou-se  nas forças armadas e tornou-se num dos pilotos mais jovens de sempre da marinha norte-americana. Tudo somado, acumulou 58 missões de combate na Segunda Guerra Mundial. Durante este tempo que passou a combater, voou sempre com aviões torpedeiros e foi precisamente num desses que foi abatido a tiro sobre o Pacífico por forças japonesas. Naquilo que facilmente seria uma passagem de um filme de Hollywood, George Bush Sr. despenhou-se na água, sobreviveu, mas quando se apercebeu que tinha conseguido não morrer na queda do seu avião, reparou que estava em águas onde quem mandava eram os tubarões. Não tivesse aparecido um submarino norte-americano, que patrulhava a zona na altura, este obituário tinha sido bastante mais breve.

Peripécias dessas à parte, o ex-Presidente dos EUA acabou mesmo por ser galardoado com a Distinguished Flying Cross — uma das mais prestigiadas medalhas militares dos Estados Unidos — pela sua bravura no teatro de guerra. As armas dos Aliados ainda fumegavam à conta dos últimos tiros da guerra quando George decide casar com a mulher que daí para a frente sempre definiu como sendo “o amor da sua vida”, Barbara Pierce. A união dos dois acabaria por se tornar no mais longo casamento na história dos presidentes norte-americanos. Tiveram seis filhos e, entre eles, dois destacam-se: George W. Bush, que seguiria as pisadas do pai na Casa Branca durante dois mandatos, e Robin, o descendente menos conhecido da família, que morreu muito cedo, quando ainda era criança.

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Antigo Presidente dos Estados Unidos George H.W. Bush morre aos 94 anos

Depois da Guerra, Bush Sr. trilhou o seu caminho no ensino superior e formou-se em economia na universidade de Yale. Foi este curso que mais serviu de base para montar o negócio que lhe daria fama e fortuna, o das refinarias e do petróleo. A tradição familiar, porém, viria a influenciar novamente o seu caminho: Apesar de já ser milionário, George decide seguir as pisadas do seu pai, que tinha sido senador, e aposta na política e no serviço público. Acabaria por cumprir dois mandatos enquanto representante do estado do Texas no Congresso.

Habituado ao sucesso, Bush trilhou uma impressionante carreira política, tendo sido nomeado para diversas posições de importância, como a de embaixador das Nações Unidas e, talvez a mais importante antes da presidência, a de diretor da Central Intelligence Agency, a famosa CIA.

Nas eleições primárias de 1980, decide arriscar-se no caminho rumo à presidência, mas acaba por perder a nomeação Republicana para Ronald Regan. A ex-estrela de cinema acabaria mesmo por ganhar o acesso à Casa Branca e, mal soube que se ia sentar na Sala Oval, escolheu Bush como seu vice. Serviu dois mandatos nesta posição e em 1988 acabou por conseguir o que já tinha tentado alcançar (e falhado) antes, a nomeação Republicana para as presidenciais (derrotaria o Democrata Michael Dukakis no escrutínio final).

A despedida de Barbara, a “rocha” da família Bush

Os seus primeiros dias na presidência foram marcados por grandes dificuldades, tudo por culpa do colapso da União Soviética e a queda do muro de Berlim. Apesar de ambos os acontecimentos estarem muito ligados à governação de Regan, acabou por ser Bush o homem que teve de lidar com o primeiro embate destas históricas mudanças — entre elas está, por exemplo, a demissão do líder russo Mikhail Gorbachev.

Apesar desses anos terem sido dos mais desafiantes, a verdade é que a sua presidência ficará para sempre associada à altura em que Saddam Hussein, o então presidente do Iraque, decidiu invadir o Kuwait, em 1990. O acontecimento estava na origem de uma enorme crise internacional e coube a Bush “pai”  a tarefa de liderar e agregar os aliados, as Nações Unidas e o Congresso norte-americano para que algo fosse feito em relação ao que estava a acontecer no Médio Oriente — acabaria por enviar 500 000 tropas para a região.

Depois de seis semanas de ataques aéreos de bombardeamentos, a batalha terrestre foi rápida e demolidora — as cerca de 100 000 forças terrestres demoraram poucos dias a desmantelar o exército iraquiano.  Apesar do momento de agressão, Bush acabou por pedir um cessar fogo, nunca tendo tentado transformar essa guerra de fundo humanitário (por contrassenso que seja) numa tentativa de empurrar Saddam para fora do poder, sempre insistindo que, se isso acontecesse, inúmeras vidas de iraquianos inocentes desapareceriam. Esta decisão acabou por lhe valer uma série de críticas mas, ironicamente, seria o seu filho, George W. Bush Jr., que acabaria com o regime autoritário de Saddam Hussein, uma década mais tarde. Essa guerra, curiosamente, deu-lhe o alento e popularidade necessários para conquistar o segundo mandato, algo que o pai nunca conseguiu fazer.

Seriam os gravíssimos problemas económicos que flagelavam os EUA que ditariam a impossibilidade de um segundo mandato para George H. W. Bush. O crescente e gigantesco défice acumulado seria um dos calcanhares de Aquiles que, em 1992, Bill Clinton acabaria por aproveitar.

Nos anos que se seguiram ao seu afastamento da vida política, Bush manteve-se sempre ativo, fazendo, por exemplo, saltos de paraquedas nos seus aniversários. Uma das polémicas mais recentes em que se viu envolvido estava relacionada com acusações de assédio sexual. O incidente — Bush costumava dar palmadas no traseiro de mulheres quando estas posavam para fotos com ele — obrigou a um pedido de desculpas formal.

Manteve-se no olhar do público, mas de uma forma mais discreta, sempre acompanhado pela sua mulher, Barbara, que morreu há oito meses. A morte da ex-Primeira-Dama foi um grande choque para Bush, que, na altura, já sofria de uma doença derivada do Parkinson que o tinha atirado para uma cadeira-de-rodas.

Artigo atualizado às 12h08.