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O tornedó, o crepe Suzette e o chefe de sala Artur: o Grill D. Fernando faz 45 anos

Este artigo tem mais de 5 anos

O lisboeta Altis Grand Hotel comemora o 45.º aniversário e, em jeito de celebração, decidiu apresentar no seu restaurante panorâmico uma seleção de pratos vindos diretamente dos anos 70.

Artur Caldas, o homem que sabe. Sabe mesmo. Esta foto dá essa ideia, mas vê-lo a trabalhar, ao vivo, é outra coisa
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Artur Caldas, o homem que sabe. Sabe mesmo. Esta foto dá essa ideia, mas vê-lo a trabalhar, ao vivo, é outra coisa

Luís Ferraz

Artur Caldas, o homem que sabe. Sabe mesmo. Esta foto dá essa ideia, mas vê-lo a trabalhar, ao vivo, é outra coisa

Luís Ferraz

Basta atravessar a porta principal do Altis Grand Hotel, em Lisboa, para percebermos estamos a entrar numa sítio especial. A decoração em tons escuros e dourados, o cheiro a lavanda, os sofás… Pormenores deste género rapidamente dão a entender que este é um sítio com história — 45 anos dela, mais concretamente, celebrados no passado dia 17 de novembro. Numa altura em que a cidade de Lisboa vive em constante renovação é de valor recordar os projetos que mais a marcaram.

Falar deste hotel, porém, é o mesmo que falar do seu restaurante panorâmico, o Grill D.Fernando. Passou despercebido durante muito tempo, mas agora apresenta uma novidade: durante 45 dias (a contar desde o dia 17 de novembro) está a servir um menu especial, de aniversário, que é constituído por pratos quase tão antigos como o próprio sítio onde agora são servidos. O Observador foi conhecê-los e percebeu que o milagre de viajar no tempo está à distância de uma viagem de elevador.

Um hotel cheio de história

Novembro de 1973. Segundo Sofia Nobre, a responsável de marketing da cadeia hoteleira, o Altis Grand Hotel (inicialmente chamava-se apenas Altis, só mais tarde, com a expansão do grupo, é que foi preciso especificar o nome, para evitar confusões) abriu portas numa altura em que “já se sentia no ar” o inevitável fim do Estado Novo. “A cerimónia de inauguração foi muito discreta, nem houve convidados políticos nem nada”, explica. Terá sido esta dissociação com o mundo da política que o terá tornado apetecível para reuniões de partidos democráticos: sem esqueletos no armário. Com o passar do tempo, o hotel foi ganhando fama e o seu fundador, Fernando Martins (que chegou a ser presidente do Sport Lisboa e Benfica entre os anos 81 e 87), cimentou-se como um dos empresários mais destacados do ramo da hotelaria.

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2 fotos

Todas as grandes figuras internacionais, de políticos a artistas, ficavam nele alojados sempre que passavam por Lisboa e, claro, muitos deles acabaram por se sentar à mesa do Grill D. Fernando. “O Dr. Fernando Martins era muito modesto, não gostava de visibilidade”, explica Sofia durante uma conversa no bar S. Jorge, o “vizinho” da frente do restaurante. Ora este dado é importante para explicar o porquê do nome que batiza o principal espaço de refeições desta unidade hoteleira:

“Os filhos quiseram homenageá-lo dando o nome do pai ao restaurante. Para disfarçar, associaram o ‘D.’ para que não se percebesse bem essa associação.”

“Grill D. Fernando” foi o que se passou a ler à porta deste espaço que mora no 12º andar do hotel. Desenhado e pensado pelo famoso arquiteto Daciano da Costa, todo o restaurante é um exemplo perfeito daquilo que noutros tempos era considerado o mais refinado luxo, uns anos mais tarde deixou de ser mas agora, com a febre do “vintage”, voltou à ribalta. Forrado a madeiras e janelas panorâmicas, é um cenário em tudo confortável — especialmente quando se senta à mesa, apoiado numa suave cadeira de algo que fica entre o veludo e a camurça. “Foi o Daciano que desenhou tudo o que está aqui, das mesas de apoio à iluminação superior”, explica Sofia. O pormenor das luzes, só por si, é digno de realce: “As luzes, como podem ver, são embutidas, mas parecem distribuídas num padrão fora do comum, não? É verdade, ele [Daciano da Costa] quis que elas replicassem constelações, que seriam visíveis daqui se não tivéssemos o telhado em cima da cabeça.”

Antes desta explicação, que foi dada assim que as primeiras comidas chegaram à mesa (falaremos disto mais à frente), o “chefe” Caldas deu as boas-vindas. Fez aquilo que tem feito há 17 anos consecutivos a todos os que atravessam aquelas portas. “Sejam muito bem vindos ao Grill D. Fernando”, atirou. De uma simpatia genuína, Caldas não demorou tempo nenhum a mostrar outro pequeno pormenor festivo que o restaurante instaurou para celebrar o 45.º aniversário.

“Já alguma vez viram uma colher de saucier? Esta aqui está nos arquivos do hotel há vários anos… Serviam para verter o molho no prato dos clientes, mas já não se usa.”

Todo este discurso serviu para explicar que objeto estranho era aquele, uma mutação entre uma colher (o cabo) e uma molheira. Apenas um dos vários pormenores que estão presentes logo na primeira mesa de boas vindas do restaurante e que forma uma mini-exposição de artefactos ressuscitados do arquivo do Altis, esse prolífico depósito de preciosidades como a prensa que o chef João Rodrigues, do estrelado Feitoria (no Altis Belém), usa todos os dias para servir um dos seus pratos mais icónicos, o carabineiro com molho de cabeças.

O chefe de sala Artur Caldas. ©Luís Ferraz

Dispostos num círculo, objetos totalmente banhados a prata como um tabuleiro de room-service, um porta palhinhas, facas de trinchar e até as pequenas travessas que antigamente serviam de meio de transporte para os bilhetes e mensagens trocados entre mesas, durante a refeição são alguns exemplos do que aqui vai poder ver. Dúvidas sobre a ementa dessa altura? Basta espreitar o menu da época que não só serviu de inspiração para os pratos que hoje pode provar como também faz parte desta pequena mostra. Até uma conta da altura vai poder ver.

A comida e o mecânico que virou maître

“Eu sei que é suposto provar-se o menu comemorativo, mas não deixo de aproveitar para mostrar o nosso prato do dia, pargo assado à portuguesa” — o autor desta frase foi Artur Caldas, o tal chefe de sala que tinha recebido o Observador, e disse-a enquanto levantava a enorme campânula que guardava o peixe em questão. Um dos pormenores deste Grill D. Fernando é a utilização deste tipo de acessórios bem como do carrinho de sala, meio de transporte que há muito passou a estar em extinção. Aqui não, felizmente.

Se o restaurante já usava bastantes utensílios do antigamente no seu normal funcionamento, as celebrações do 45.º aniversário fizeram com que vasculhassem ainda mais o espólio do hotel, para garantir que nada fugisse à regra e o cliente pudesse ter a sensação mais real possível de que já tinha abandonado os dias de hoje. Apesar desses pormenores, é mesmo na comida que mais se nota o #throwback.

É da cozinha do chef Ricardo Mourão que sai tudo o que aqui se come — bem, quase tudo, o carro de queijo mora na sala de refeições e todos eles são cortados ao momento, junto dos clientes. No menu de degustação comemorativo do aniversário vai poder encontrar quatro momentos em específico: entrada, prato de peixe, carne e a sobremesa (tudo fica a 65€ por pessoa, bebidas incluídas). A primeira coisa a chegar são as “Gambas Altis”, algo que Caldas diz ser parecido com os camarões “ao alhinho” mas com o molho especial da casa, um segredo bem guardado. Segue-se garoupa à algarvia, uma generosa dose de peixe cozido e ligeiramente braseado que chega à mesa numa travessa prateada e que depois é empratada logo ali, à frente do cliente. Legumes e batatas torneadas até à perfeição juntam-se ao peixe que depois leva com uma generosa dose de amêijoas e uma espécie de molho Bulhão Pato mais engrossado. O momento seguinte é um dos mais vistosos, pelo menos para os amantes de carne.

Pormenores das mesas do Grill D. Fernando. ©Luís Ferraz

É com pompa e circunstância que chega à mesa um “Trois filet mignon à l’Escoffier”. O nome é sonante e quase nos remete a um receituário da realeza de Versailles, mas não. Sabores refinados, claro, mas apresentados sob a formada um tornedó guloso, forrado com demi-glace e pequenos pedaços de presunto. A acompanhar, grelos salteados e o “arroz árabe”, que leva pinhões e passas. Tudo isto vem servido num recipiente de cobre. À medida que se chega à reta final da refeição percebe-se que vêm aí um momento em grande.

“Prepara-me aí o carrinho dos crepes”, diz, discretamente, o Artur Caldas a um dos seus subalternos. Minutos depois, o maître aproxima-se da mesa com mais um carrinho — este ainda mais “quitado” que o primeiro. Dois bicos com fogo, uma frigideira enorme, em cobre, e uma parafernália de ingrediente que pouco depois iam resultar nos crepes Suzette, o ponto final do menu.

Na verdade, os círculos de massa já vêm feitos da cozinha, aquilo que se faz no momento é a calda desta sobremesa. Tudo começa com uma generosa dose de açúcar, manteiga e sumos de laranja (a receita original é com tangerina) e limão. Enquanto tudo vai aquecendo ao lume, Caldas vai-se apresentando. “Eu vim para esta área quase por acaso”, começa por contar. Quando era jovem e decide tentar a sua sorte em Lisboa, chega com a certeza de que iria ser mecânico. Tinha apalavrado um emprego e ficou de se “apresentar no dia X” à porta da oficina de um amigo. Lá chegou à hora certa, mas os portões continuavam fechados. Esperou, esperou, esperou… E nada. Só no dia seguinte é que soube que o dono da garagem se tinha suicidado.

Com os seus planos gorados, decide agarra o primeiro trabalho que conseguir descobrir e é assim que entra na restauração. A partir daí (há várias décadas) viria a trabalhar “nos cruzeiros”, nos extintos Baccus e Solmar, até que veio parar a este D. Fernando.

Terminado o interlúdio, regresso ao sautée onde já borbulhava um caramelo cheiroso. “Agora juntamos os crepes. Entra um de cada vez, dobrado em triângulo, e cada pessoa tem direito a três!”, explica Artur. Assim que se forma um bouquet de crepes, entram as bebidas alcoólicas: Grand Marnier, conhaque, Licor Beirão e outros toques mais secretas da receita. “Agora temos de queimar o álcool, só interessa o sabor dos destilados!”, atira Artur antes de inclinar a frigideira e desencadear uma modesta chama quase transparente que serviu para libertar ainda mais o aroma contagiante da sobremesa francesa. Olhando para todo o processo, é seguro dizer que ela demora muito mais tempo a ser preparada do que a desaparecer dos pratos.

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O grande chamariz deste clássico lisboeta será esta ementa especial, mas não esqueçamos o económico (se se olhar para a relação qualidade/espaço/serviço) menu de almoço — o tal que poderia ter incluído o pargo assado à portuguesa — que custa 20€ por pessoa e que muda todos os dias. Às segundas há garoupa com molho Vale das Areias Arinto, às terças é dia de perna de borrego com molho de alecrim, o tal pargo na quarta, cozido à Portuguesa na quinta e, finalmente, bacalhau cozido com todos à sexta-feira.

Grill D. Fernando
Altis Grand Hotel; Rua Castilho,11, 12º andar, Lisboa; De segunda à sexta-feira das 12h30 às 15h e das 19h30 às 22h30 (sábado só serve jantares; fecha domingo).
Preço médio: 30€ (menu de aniversário a 65€ por pessoa, com bebidas)

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