Os habitantes de Cedovém, Esposende, responsabilizam o Estado pelo avanço do mar e a erosão da costa que servem agora de argumento para a prevista demolição, no novo plano da Orla Costeira Caminha–Espinho, de 34 edifícios naquela zona.

Nas vésperas do fim do prazo para o debate público sobre o plano, previsto para sexta-feira, Carlos Moreira, 71 anos, diz não temer o avanço do mar, apenas o dos homens que decidiram a demolição de quatro núcleos habitacionais no concelho, em nome de um plano que tem como bússola a erosão costeira.

O novo Plano de Ordenamento da Orla Costeira Caminha–Espinho (POOC), diz o pescador, é o resultado de várias decisões que, ao longo do tempo, não conseguiram mais do que agravar o problema. “Antes dos esporões não havia isto. Eles fizeram tudo ao contrário do que os pescadores diziam e o resultado está à vista. O melhor que eles tinham a fazer era tirar os esporões”, disse.

A convicção de Carlos Moreira foi reconhecida, em fevereiro de 2009, pelos tribunais Administrativo e da Relação, que deram provimento a uma queixa de um morador na Apúlia, concelho de Esposende, considerando que o Estado é culpado da erosão da costa por ter construído um esporão de pedra com 300 metros.

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Na decisão, inédita em Portugal, o Estado acabou condenado a pagar 60 mil euros por danos patrimoniais e morais ao queixoso, depois de o Tribunal Administrativo do Porto concluir que a construção do esporão pela Direção-Geral de Portos em 1987 originou o desassoreamento da praia e a progressão do mar.

Hoje, a distância entre o mar e a casa de Carlos é de cerca de cem metros, cinquenta se se considerar apenas o percurso até às dunas. Mas o risco de o mar engolir as casas naquele local, acredita, é o mesmo do que o de engolir as Torres de Ofir. Então, pergunta, porque que é a demolição das Torres não está prevista?.

“Chega-se aqui e diz-se: deita-se Cedovém e Pedrinhas abaixo porque está na Orla Costeira e as Torres de Ofir, que foram feitas muito depois disto, já se diz que não se pode deitar abaixo porque se tem que indemnizar. Isto não pode ser. Nós temos que ir para tribunal defender os nossos direitos”, disse.

O presidente da Câmara de Esposende, Benjamim Pereira, diz que não se pode comparar o incomparável. “Se me perguntar se aquilo [as torres] está bem, eu digo que não, não deveriam ter sido construídas, mas é preciso saber diferenciar aquilo que é Cedovém e Pedrinhas do que é Ofir. (…) Demolimo-las, gastamos 40 ou 50 milhões e depois ficamos na mesma, o mar continuava a avançar. Eu pergunto se não é melhor pegar nesse dinheiro e gerir o litoral durante 10, 20 ou 30 anos”, argumentou.

À Lusa, o autarca considera que é preciso bom senso e esclarece que o município deu parecer desfavorável a este POOC, apesar de no relatório da Comissão Consultiva disponibilizado na página da internet da consulta pública surgir como um dos sete municípios que emitiram um parecer favorável condicionado.

“O município deixou desde cedo a sua posição no sentido de assegurar que há património importante, que consta do levantamento da arquitetura popular da década de 50, além de um núcleo piscatório nessa zona, que também gostaríamos de manter e cujos moradores temos que pensar em realojar”, explicou. Benjamim Pereira lembrou ainda a necessidade de proteção, no lugar das Pedrinhas, de algumas das casas-barco mais antigas do mundo ocidental. Em Cedovém, ainda são poucos os querem falar sobre as demolições.

A falta de informação é, para Pedro Vieira, que gere o restaurante da família instalado no local desde 1954, o que mais preocupa a quem ali trabalha. “Estamos preocupados com a falta de palavra que existe para as pessoas que aqui vivem, para não acontecer simplesmente aquilo que aconteceu no sul, em que uns foram protegidos e outros não”.

Pedro Vieira lembra que a restauração naquela zona emprega centenas de pessoas, representado um contributo importante não só para a economia local como para o património cultural do concelho, algo que, defende, tem que ser respeitado.

Entre Cedovém, Pedrinhas e Ofir Sul, o POOC, em consulta pública até sexta-feira, 14 de dezembro, prevê gastar 2,36 milhões de euros entre demolições e “recuos planeados”, estando a sua execução prevista para o  período de 2019-2021.

Nesta área, considerada crítica, estão em causa 89 habitações, mais de meia centena de anexos e sete restaurantes. No caso de Ofir Sul, em causa estão “cerca de 10 edifícios de função residencial” implantados junto à linha de costa, sobre o cordão dunar e, parcialmente, sobre a margem do rio.

A 7 de novembro, depois da reunião com sete dos nove autarcas abrangidos pelo novo programa da Orla Costeira, o ministro do Ambiente disse à Lusa que não havia forma de proteger os núcleos habitacionais de Pedrinhas, Cedovém e Ofir Sul, em Esposende. Admitiu pagar indemnizações em alguns casos e garantiu realojamento para todos os casos, legais ou ilegais, quando em causa estivessem primeiras habitações. No caso dos restaurantes ou apoios de praia, Matos Fernandes disse que só depois do término das concessões é que serão relocalizados.

O novo Plano da Orla Costeira entre Caminha e Espinho determina a demolição de 34 edifícios, incluindo o Edifício Transparente, no Porto, que custou 7,5 milhões de euros, bem como centenas de casas de 14 núcleos habitacionais e vários restaurantes. O Plano limita, e em muitas zonas até proíbe, a construção de habitações frente ao mar e preconiza o recuo planeado de 14 aglomerados, dos quais 12 em “áreas críticas” expostas a fenómenos extremos e ao risco de erosão e de inundações.

Em causa está a retirada progressiva de edifícios em risco ou ilegais em cima das dunas nas praias da Amorosa, Pedra Alta (Viana do Castelo), Pedrinhas, Cedovém, Suave Mar, Ofir Sul (Esposende), Aver-o-Mar (Póvoa de Varzim) Congreira, Mindelo, Pucinho (Vila do Conde), Marreco (Matosinhos), Madalena, Valadares (Gaia) e Paramos (Espinho).