“Golpe”. É assim que Álvaro Sobrinho descreve num entrevista à revista Visão o seu afastamento da liderança do Banco Espírito Santo de Angola (BESA) em 2013 e, acima de tudo, a transformação do BESA em Banco Económico por decisão do Banco Nacional de Angola. O ex-líder do BESA não poupa nas palavras e acusa as mais altas esferas da presidência de José Eduardo dos Santos de terem falsificado atas e a contabilidade do BESA para protegerem os políticos angolanos que deviam boa parte dos cerca de 6 mil milhões de euros de crédito irregular que foi concedido por aquela instituição financeira que fazia parte do Grupo Espírito Santo (GES). Entre esses devedores, Sobrinho situa o general Hélder Veira Dias ‘Kopelipa’, ex- chefe da Casa Militar de Eduardo dos Santos, e o general Leopoldino Nascimento ‘Dino’, ex-assessor de segurança do ex-presidente angolano, mas também empresas do GES.

Outra consequência desse golpe terá sido a perda de cerca de 3 mil milhões de euros que o Novo Banco, a instituição que substituiu o BES, nunca reclamou, diz Álvaro Sobrinho. “Roubaram 3 mil milhões de euros aos portugueses”, diz o banqueiro.

Recorde-se que, tal como o Observador noticiou, o Ministério Público continua a investigar a alegada concessão irregular de crédito do BESA no período 2009 a 2013 e que está avaliado em cerca de 6,8 mil milhões de dólares (cerca de 6 mil milhões de euros ao câmbio atual) — quando as suspeitas originais apontavam para um valor de 5,7 mil milhões de dólares (cerca de 5 mil milhões de euros ao câmbio atual. Boa parte desse período apanha o mandato de Álvaro Sobrinho, que liderou o banco entre 2001 e novembro de 2012 por escolha direta de Ricardo Salgado, ex-presidente executivo do BES e líder da família Espírito Santo. Quer Salgado, quer Sobrinho são encarados pelas autoridades portuguesas como suspeitos no âmbito da investigação do chamado processo Universo Espírito Santo.

Ministério Público descobre mais mil milhões de créditos irregulares no BESA

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De acordo com os indícios recolhidos pelo DCIAP, os cerca de 6 mil milhões de euros terão sido distribuídos por três grupos de destinatários:

  • Entidades do interesse de Álvaro Sobrinho — o que o ex-líder do BESA sempre negou, como voltou agora a repetir à Visão
  • Entidades ligadas a titulares de cargos políticos e públicos de Angola;
  • Entidades ligadas ao Grupo Espírito Santo que terão sido financiadas pelo BESA.

Estes dois últimos grupos terão sido os destinatários preferenciais da maioria do crédito concedido, avaliado pelo DCIAP em 6.849.845.000 dólares (cerca de 6.047.302.758 euros)

Generais “‘Kopelipa’ e ‘Dino’ eram dos maiores devedores do BESA. Havia outros ligados ao regime…”

A entrevista da Visão concentra-se em duas assembleias-gerais que decidiram o futuro de Álvaro Sobrinho e que levaram à transformação do BESA em Banco Económico com profundas transformações na estrutura acionista por decisão do Banco Nacional de Angola.

A primeira reunião relevante é de setembro de 2013. Foi nesta assembleia-geral, em que estiveram Ricardo Salgado (em representação do GES), ‘Kopelipa’ (em representação do acionista Portmill), e ‘Dino’ (em representação da acionista Geni), que Sobrinho diz ter sido “fuzilado” pelos acionistas que o acusaram de conceder cerca de 1,6 mil milhões de dólares (cerca de 1,4 mil milhões de euros) de crédito à sua própria família. Sobrinho diz que isso é mentira e que tal crédito foi concedido a sociedades que na ata dessa assembleia-geral aparecem como sendo suas mas que, segundo o ex-líder do BESA, pertencem ao GES. “Desmascarei o Salgado com todo o crédito do GES. E desmascarei os acionistas angolanos com todo o crédito deles. Mas isso não apareceu na ata. Acha que podia divulgar isto? Em Portugal tinha o Salgado, que mandava nos primeiros-ministros, em Angola tinha os angolanos e a minha família estava lá”, afirma.

“Foi uma assembleia-geral intimidatória para validar um ato ilegal, construído e manietado. Forjaram uma ata, puseram o que lhes interessava e omitiram o que não lhes interessava. Interessava-lhes culpar determinada pessoa, fuzilá-la [o próprio Sobrinho]. Tudo o que dizia respeito aos acionistas, aos empréstimos gigantescos que tinham no banco, não saiu em ata”, acusa Sobrinho

Os maiores devedores [do BESA] eram os acionistas”, diz Sobrinho, que confirma que o generais ‘Dino’ e ‘Kopelipa’ encontravam-se entre os maiores devedores do banco. Sobrinho diz, no entanto, que “o eng. Manuel Vicente não estava na reunião e não apareceu como acionista. Havia outros ligados ao regime que eram grandes devedores e nunca foram tocados. São as mesmas pessoas que pediram para eu sair do banco. Há uma maneira de pedir crédito em Angola: ou põe-se a filha ou põe-se a irmã…”, diz

Álvaro Sobrinho diz que a reunião que culminou com o seu afastamento do cargo de chairman do BESA, já depois de ter sido afastado em 2012 do cargo de presidente executivo do banco, foi um encontro deveras original. “Nunca tinha visto uma reunião daquelas. Até esse dia não houve uma em que os acionistas estivesse presentes fisicamente. De repente, aparecem todos. É normal um ministro de Estado e um chefe da Casa Militar do Presidente da República, o assessor mais importante do Presidente e um ex-primeiro-ministro aparecerem como acionistas de um banco privado? Não, não é. (…) Nessa reunião estavam os homens que mandavam no país e Ricardo Salgado diz que estavam os acionistas angolanos. Em Portugal é assim? Isso é uma aberração”, diz.

Como Ricardo Salgado envolveu Marcelo Rebelo de Sousa com Álvaro Sobrinho

O “assalto” e a “manigância” do governador do Banco Nacional de Angola

A segunda assembleia-geral relevante aconteceu a 29 de outubro de 2014 e culminou com uma autêntica revolução na estrutura acionista do Banco Económico — o novo nome do BESA depois da intervenção do Banco Nacional de Angola (BNA) concretizada a 4 de agosto de 2014, depois do Banco de Portugal ter acionado os mecanismos da resolução do BES. Álvaro Sobrinho diz que foi “um assalto” promovido pelo então governador do BNA, o banco central angolano.

Antes, em julho de 2014, o Estado angolano tinha anunciado que iria injetar cerca de 3 mil milhões de dólares no Banco Económico, sendo que a petrolífera pública Sonangol passou a deter 35% do capital, o Novo Banco ficou com 9,9% (quando tinha herdado a posição de 55% do BES), a Portimill (ligada ao general ‘Kopelipa’ e a Manuel Vicente) manteve os 24% e o grupo Geni (ligado ao general ‘Dino’) também continuou a ser relevante com 18,99% do capital. Além da Sonangol, também a sociedade de capital de risco chinês chamada Lektron entrou como novo acionista, assumindo uma posição de 30,98%. Enquanto o BES (que ainda hoje tem existência jurídica, estando em processo de insolvência) foi expulso da estrutura acionista do Banco Económico.

De acordo com a Visão, a Comissão Liquidatária do BES defende que esta assembleia-geral é totalmente ilegal e está a tentar contestá-la na justiça angolana — sem sucesso até ao momento. O mesmo pensa Álvaro Sobrinho.

Os acionistas do Banco Económico são uma fraude. Não são acionistas de verdade. Tomaram a maioria do capital sem meter um tostão. A Sonangol, por exemplo, fez uma operação swap [troca]: comprou a sede do BESA e disse que aquele era o capital. E não há nada na lei [angolana] que permita dizer: os velhos acionistas não foram ao aumento de capital social, entao já não fazem parte da estrutura acionista. O BES tinha 55% de capital e, no fim, devia continuar a ter 55%”, diz Sobrinho.

De acordo com a Visão, os representantes do BES foram impedidos de entrar na Assembleia-Geral de 29 de outubro de 2014 com o argumento de que não tinham participado no aumento de capital social que, entretanto, tinha ocorrido e que permitiu injetar os já referidos 3 mil milhões de dólares no Banco Económico.

Álvaro Sobrinho acusa o então governador do BNA de ter promovido o que denomina como um “assalto”. “O governador do BNA é contabilista e viu ali um momento de ouro: há problemas em Portugal, nós temos uma dívida para saldar, vamos fazer aqui uma manigância para não pagar essa dívida. O regime angolano da altura foi muito inteligente, mais inteligente do que Ricardo Salgado e o Estado português”.

Para Sobrinho, os grandes beneficiados foram o “Estado angolano mas principalmente estes acionistas [do Banco Económico] porque entraram sem capital nenhum e beneficiaram de créditos que Ricardo Salgado lhes atribuiu num determinado período. Houve ali um golpe para ficar com o banco”, diz Sobrinho

“O BES ficou à deriva. Roubaram 3 mil milhões aos portugueses”, acrescenta o ex-líder do BESA, referindo-se à perda de capital e aos créditos que o BES concedeu ao BESA e que o Banco Económico nunca pagará.

Segundo o acordo feito com a administração do Novo Banco liderada por Stock da Cunha, o Banco Económico apenas terá de pagar cerca de 794 milhões de euros em duas tranches.

O antigo presidente do BESA defendeu na entrevista que concedeu que os créditos dados em Angola “não influenciaram a falência do BES em Portugal”. “O BES não faliu por causa do BESA”, reforçou. Disse, aliás, que “o que aconteceu ao BESA não foi uma falência, foi um conjunto de imposições do BNA [Banco Nacional de Angola]”.

Processos em Portugal? “Assumo as minhas responsabilidades no BESA”

Álvaro Sobrinho foi ainda questionado sobre os processos judiciais abertos no DCIAP em que é visado, tendo explicado que o que está em causa “são as origens dos meus rendimentos porque se criou este mito de que a falência do BES teve que ver com o BESA. Defendi-me sempre sem acusar ninguém. Assumo as minhas responsabilidades no BESA. Era um banco que estava alavancado? Era. Tinha problemas de liquidez? Sim. Não é justo, e é de uma grande hipocrisia intelectual, o dr. Ricardo Salgado não assumir também as suas responsabilidades”, diz o ex-líder do BESA que foi escolhido para o cargo por Álvaro Sobrinho.

Sobrinho responsabiliza ainda Amílcar Morais Pires, ex-chief financial officer do BES e braço direito de Ricardo Salgado, por ter tido um papel importante na queda do banco da família Espírito Santo. “O grande causador da derrocada do banco [BES] foi ele, inventando produtos aqui na sala de mercados do BES e vendendo a particulares e a instituições, usando a rede do grupo. (…) Não fui eu que montei as operações do BES para vender papel comercial a pessoas que nem sabem o que é um depósito a prazo, nunca fui criminoso a ponto de pôr velhinhos a comprar papel comercial e a ficarem sem nada. Durmo muito bem”,  concluiu.