Em 1920, quando Vitorino Nemésio tinha 19 anos, publicou em Angra do Heroísmo Amor de Nunca Mais. Foi a primeira peça de teatro escrita pelo autor açoriano e também a única. Depois de Amor de Nunca Mais ter sido levada à cena a 26 de março do mesmo ano pela companhia de Carlos de Oliveira, no Teatro Angrense, Nemésio não voltou a experimentar o drama. Foi talvez por isso, e também pelo escritor nunca ter falado nela e a ter deliberadamente apagado da sua bibliografia, que a peça caiu no esquecimento e só recentemente voltou a ser publicada.
A nova edição da única peça de teatro de Nemésio, a segunda depois da primeira feita pela Livraria Editora Andrade provavelmente para uso dos atores e técnicos de cena, surgiu no âmbito da publicação das obras completas do escritor açoriano. Faz parte do segundo volume da coleção, coordenada por Luiz Fagundes Duarte e publicada pela Imprensa Nacional-Casa da Moeda em parceria com a Companhia das Ilhas, e chegou recentemente às livrarias. Da série “Teatro e Ficção” (que a partir daqui passará naturalmente a incluir apenas ficção), inclui também as coletâneas de contos Paço do Milhafre e O Mistério do Paço do Milhafre, publicadas com 25 anos de diferença.
Amor de Nunca Mais faz parte das obras de juventude de Nemésio, que David Mourão-Ferreira descreveu como “imaturas”. Quando esta peça foi levada à cena, o autor tinha publicado apenas um volume de poesia, Canto Matinal, e um ensaio, O Poeta do Povo, em que apontava “‘as fontes tradicionais populares’ como elemento preferencial para o estudo da literatura, em conjunto com as obras dos escritores”, descreveu Urbano Bettencourt na nota editorial de Paço do Milhafre.
Apesar da precocidade destas duas obras, dadas à estampa quando Nemésio tinha 15 e 16 anos, respetivamente, o escritor nunca as excluiu da sua bibliografia. No entanto, Chloé Pereira e Luiz Fagundes Duarte, responsáveis pela edição de Amor de Nunca Mais, acreditam que “se compararmos esta peça com a poesia dos dois livros (…), ela não só não desmerece, como nela encontramos uma segurança no manuseio da linguagem e da técnica dramatúrgica, bem na construção das personagens e na sugestão dos ambientes, já considerável para um rapaz de 19 anos — que no entanto, humildemente, no prólogo, classifica este seu trabalho ‘um mero ensaio’”.
É curioso, no entanto, notar que Amor de Nunca Mais, “uma pequena peça ‘de sociedade’” que conta a história do amor impossível de Jorge e Clarisse, foi publicado cinco anos depois da obra modernista O Marinheiro, de Fernando Pessoa, e um ano antes de Antes de Começar, de Almada Negreiros. Apesar desta proximidade temporal, Amor de Nunca Mais está “muito mais próxima do teatro de Júlio Dantas ou mesmo dos seus Diálogos (1928), do que daquilo que então se ia fazendo nos meios literários de Lisboa”, apontaram os dois editores. “O Nemésio que conhecemos viria depois”.
A publicação das obras completas de Vitorino Nemésio vai continuar com um primeiro volume de ensaios, que será composto por Sob os Signos de Agora (1932), Conhecimento de Poesia (1958) e Elogio Histórico de Júlio Dantas (1965). Este é um dos quatro livros que a Imprensa Nacional-Casa da Moeda e a Companhia das Ilhas esperam publicar até ao final do ano.