A Igreja Católica em Portugal investigou uma dezena de denúncias de abuso sexual de menores desde 2001, informou esta terça-feira o porta-voz da Conferência Episcopal Portuguesa (CEP).

Confrontado com os casos que o Observador tem revelado ao longo desta semana, o padre Manuel Barbosa reconheceu que “aqui ou ali” pode não ter existido a “devida investigação”, mas salientou que “os casos tratados nos tribunais eclesiásticos onde chegam as denúncias são pouquíssimos e, desses, mais de metade a investigação prévia parou por falta de fundamento”.

No domingo, o Observador revelou a história do padre do Funchal que foi denunciado duas vezes por abuso sexual de menores e só à terceira queixa o bispo decidiu agir. E na segunda-feira, publicámos a história das seis semanas de silêncio da hierarquia da Igreja, na Golegã, que permitiram que o padre abusasse de uma segunda menor, quando já estava a ser investigado pelo clero.

Em conferência de imprensa, o padre Manuel Barbosa admitiu que é preciso reconhecer “com humildade se houve casos em que não se agiu corretamente”, porque “pode acontecer que aqui ou ali não tenha existido essa investigação”. Destacou, ainda assim, que “é justo reconhecer” que a CEP tem trabalhado “a nível de orientações comuns” e deixou a questão: “Além da Igreja, pergunto se há outras instituições que têm levado isto a peito. É uma interrogação que deixo”.

De acordo com o sacerdote, que falou aos jornalistas em Fátima após uma reunião do conselho permanente da CEP, mais de metade da dezena casos investigados nos tribunais eclesiásticos das dioceses portuguesas acabaram por não avançar, porque a investigação da Igreja considerou não haver fundamento. Por isso, essas suspeitas nunca foram comunicadas às autoridades civis.

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O levantamento foi feito pelos bispos portugueses no processo de preparação para a cimeira inédita dedicada ao tema, que decorre na próxima semana no Vaticano e que junta os presidentes das conferências episcopais de todo o mundo. Portugal será representado pelo cardeal-patriarca de Lisboa, D. Manuel Clemente.

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“Alguns casos foram para os tribunais eclesiásticos. Desses casos, mais de metade pararam, porque a investigação prévia concluiu que não havia fundamento”, explicou o padre Manuel Barbosa. “Foi feito um levantamento dentro da realidade e há uma dezena de casos que foram investigados nos tribunais eclesiásticos”, continuou, detalhando que os números se referem ao período “desde 2001 para cá”.

Questionado sobre a prática de encaminhar ou não as suspeitas recebidas para as autoridades civis, o sacerdote vincou que “os tribunais eclesiásticos são juízes” com “competência técnica” para avaliar os casos. E sublinhou também que “em certos casos a justiça canónica é mais severa que a justiça da lei civil”.

Manuel Barbosa mantém que a conferência episcopal não planeia fazer uma investigação de âmbito nacional aos abusos sexuais na Igreja Católica, mas não descartou que “se vier uma orientação da Santa Sé nesse sentido”, a assembleia plenária dos bispos portugueses, que se reúne em abril deste ano, poderá adotar novas medidas.

“Se vier uma normativa nesse sentido, veremos, mas teremos de esperar pelo encontro” de fevereiro, vincou o sacerdote.

Lembrando que “as normas não dizem que se deve comunicar à polícia”, o porta-voz dos bispos portugueses explicou que “é aconselhável que, quando o caso tem pernas para andar”, se “incentive” a vítima ou a família a comunicar o caso à polícia.

Sobre a situação em Portugal, que o cardeal-patriarca vai apresentar na próxima semana ao Papa e a líderes católicos de todo o mundo, o padre Manuel Barbosa sublinhou que há no país um número “reduzido” de casos.  “Quando digo que é reduzido, é reduzido mesmo. São pouquíssimos, e desses pouquíssimos, em quase metade a investigação prévia levou o caso a parar”, afirmou.

O levantamento feito pelos bispos que concluiu que houve, desde 2001, uma dezena de investigações insere-se num trabalho preparatório da cimeira do próximo mês, que passou também pelo envio para o Vaticano das respostas a um questionário confidencial, distribuído aos bispos de todo o mundo.

Outro dos pedidos feito pelo comité que o Papa encarregou de organizar o encontro foi que os presidentes das conferências episcopais de cada país se encontrassem com as vítimas de abusos antes de seguirem para Roma, a 21 de fevereiro.

“O primeiro passo deve ser tomar consciência da verdade do que aconteceu. Por esta razão, pedimos a cada presidente da conferência episcopal que se aproxime e visite as vítimas que sofreram abusos do clero nos seus respetivos países, antes da reunião de Roma e ouvir, em primeira mão, o seu sofrimento”, lê-se na carta enviada pelo comité em dezembro.

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Questionado sobre se D. Manuel Clemente já o fez ou se irá fazê-lo, o padre Manuel Barbosa manteve a resposta dada no mês passado: que “os bispos, incluindo D. Manuel Clemente, continuam com disponibilidade ativa para escutar as presumíveis vítimas de abusos sexuais”.

Já sobre as vítimas concretas que existem em Portugal — há, pelo menos, nove vítimas cujas identidades são do conhecimento da hierarquia da Igreja, que sofreram abusos de padres na Golegã, em Vila Real e no Fundão — o padre Manuel Barbosa não adiantou detalhes, sublinhando apenas que a disponibilidade ativa a que se refere “vai dar ao mesmo” que “ir à procura ou contactar”.

Na semana que antecede a cimeira sobre os abusos sexuais no Vaticano, o Observador publica uma série de reportagens sobre a forma como a hierarquia da Igreja lidou com as denúncias de que teve conhecimento. As duas primeiras podem ser lidas aqui:

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Ministério Público pensou acusar a hierarquia da Igreja por não ter denunciado padre