Um “buraco sem fundo (que não vai ficar por aqui)” e uma “calamidade”, que até pode ser “legal, mas é profundamente imoral”. É assim que o comentador e antigo líder do PSD Luís Marques Mendes vê a situação do Novo Banco — que na sexta-feira anunciou que vai pedir mais 1.149 milhões de euros ao Fundo de Resolução, bem como prejuízos de 1.412 milhões. Mas Marques Mendes aponta, desde já, o dedo a Mário Centeno: o ministro das Finanças mentiu, “enganou os portugueses” nesta questão.

No seu habitual espaço de comentário na SIC, recorda que ficou definido nas condições da venda do banco ao fundo Lone Star que “o comprador poderia recorrer até aos 3,9 mil milhões de euros” ao Fundo de Resolução, para compensar os créditos problemáticos. Estes créditos são a “herança”, o “legado de Ricardo Salgado” que vinha dos tempos do BES e que ainda pesam bastante no balanço do Novo Banco, disse.

Novo Banco vai pedir injeção de 1149 milhões ao Fundo de Resolução

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“É um buracão monumental. Mas o problema foi criado há dois anos quando foi feito o contrato de compra e venda, que o Banco de Portugal negociou e Mário Centeno aprovou”, disse Marques Mendes, numa referência à almofada de 3,9 mil milhões à disposição do banco.

Lone Star tem uma “almofada” de dinheiro “à mão de semear”

“Evidentemente que se há uma almofada o que o comprador vai fazer — se há dinheiro à mão de semear, se há dinheiro fácil — é ir buscar ao mealheiro em vez de tentar cobrar aqueles créditos complicados”, disse. É por isso que “os portugueses têm todas as razões para se indignar”. “E aqui é que está a enorme imoralidade”.

Para o comentador, esta ‘almofada’ [de 3,9 mil milhões] estava prevista como uma solução de último recurso. Ou seja: é uma atitude legal “mas é profundamente imoral”, considerou.

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Marques Mendes admite que não sabe se haveria outra solução, mas considera desde logo que a nacionalização do banco — como foi e tem vindo a ser defendido por Bloco de Esquerda e PCP — “poderia ser igual, ou pior”. Basta ver o exemplo da nacionalização do BPN “uma banqueta comparado com o BES”, recordou

E Marques Mendes aponta o dedo a Mário Centeno, por este ter criado a expectativa de que a almofada do Fundo de Resolução provavelmente não seria utilizada. Para o comentador, Centeno mentiu e “enganou os portugueses”. “Mário Centeno não falou a verdade às pessoas há dois anos. Não falou a verdade”, salientou.

Mário Centeno ordenou na sexta-feira uma auditoria para escrutinar o processo de capitalização do banco. Marques Mendes diz que é uma “manobra política”, apenas para “desviar as atenções” da calamidade do banco.

“Não é genuíno. Porque Mário Centeno já sabia, porque já tinha inscrito uma verba no Orçamento de Estado para este efeito”.  E para analisar a mesma questão já tinha sido criada — e está em funcionamento — “uma Comissão de Acompanhamento, composta por três pessoas”, recordou Marques Mendes. Se Mário Centeno tinha dúvidas quanto aos créditos, deveria ter ordenado a auditoria no início, antes da venda, disse o comentador.

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No ano passado, para fazer face a perdas de 2017, o Novo Banco já tinha recebido uma injeção de capital de 792 milhões de euros do Fundo de Resolução, pelo que, a concretizar-se o valor pedido agora ascenderão a mais de 1.900 milhões de euros.

O Novo Banco, que ficou com parte da atividade bancária do Banco Espírito Santo (BES) – resgatado no verão de 2014 -, é desde outubro de 2017 detido em 75% pelo fundo norte-americano Lone Star, sendo os restantes 25% propriedade do Fundo de Resolução bancário (entidade da esfera pública gerida pelo Banco de Portugal).

A Lone Star não pagou qualquer preço, tendo acordado injetar 1.000 milhões de euros no Novo Banco, e negociou um mecanismo que prevê que, durante oito anos, o Fundo de Resolução injete até 3,89 mil milhões de euros no banco por perdas que venha a registar num conjunto de ativos ‘tóxicos’ e alienações de operações não estratégicas (caso ponham em causa os rácios de capital da instituição).

Cinco anos depois acusação contra Ricardo Salgado fica “na gaveta”?

“Ainda hoje vimos Ricardo Salgado a dar entrevistas à TSF. Já passaram quase cinco anos desde a falência do BES, que — como se está a ver — é um buracão monumental. E eu pergunto: então as investigações no Ministério Público ainda não acabaram? Não há ninguém acusado? Vai tudo ficar na gaveta? Vai ficar em águas de bacalhau? Vai ficar relegado para as calendas gregas?”, questionou Marques Mendes.

O comentador considerou que o Ministério Público deve uma explicação sobre o andamento do processo aos portugueses, que já temem que — depois de ter acontecido “tanta coisa grave” — a “culpa morra solteira”.

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“Devemos tratar de tudo isso porque foi aí que começou o pecado original”, salientou. “Ricardo Salgado foi igual a si próprio [na entrevista], porque umas vezes a culpa é de Passos Coelho, outras da resolução do banco, mas nunca é de si próprio. No fundo trata-se de um grande descaramento. Ficava-lhe bem, ao fim de todos estes anos, um pedido de desculpas”, concluiu.

Não há avaliação de idoneidade a Tomás Correia? “Regulador dos seguros tem toda a razão”

O comentador também abordou outro tema forte da semana: a idoneidade de Tomás Correia para estar à frente da Associação Mutualista Montepio Geral. Marques Mendes recordou que ao longo da semana, o Governo disse que a competência é do Regulador [a Autoridade de Supervisão de Seguros e Fundos de Pensões], enquanto o Regulador disse que a lei (o Regime Jurídico das Associações Mutualistas) não lhe dá esse competência. Marques Mendes diz que, ao ler as leis sobre as Mutualistas e “depois de ouvir os argumentos dos dois lados”, “o regulador dos Seguros tem toda a razão”.

De acordo com a lei, salienta Marques Mendes, o regulador só terá poder total de supervisão no final de um período transitório de 12 anos. Até estar cumprido esse período, o regulador não poderá avaliar a idoneidade de administradores. Só pode analisar. “Se o fizer, Tomás Correia ganha em tribunal”.

Por isso mesmo, Marques Mendes apelou ao ministro do Trabalho e da Segurança Social, Vieira da Silva, para que clarifique a lei.

“Está na mão do Governo e só na mão do Governo. E é facílimo. Se Vieira da Silva está de boa-fé deve fazer uma pequeníssima alteração ao Código das Associações Mutualistas. Duas linhas apenas para conferir ao regulador dos seguros o poder para analisar e decidir sobre a idoneidade dos gestores. E acabam-se as dúvidas para sempre”, disse.

Se não o fizer, ressalvou Marques Mendes, “há um gato escondido com rabo de fora”.

Primeiro-ministro vai fazer roteiro pelo país dedicado à Saúde

“O Governo está tão preocupado com que se passa na Saúde que na semana a seguir à semana do Carnaval que o primeiro-ministro vai fazer um roteiro sobre a Saúde, uma espécie de governação aberta pelo país dedicada exclusivamente à saúde, para ver centros de saúde que se construíram, investimento nos hospitais, unidades de saúde familiar, investimentos em cirurgias. Para mostrar a obra feita”, disse Marques Mendes.

O ex-presidente do PSD disse que António Costa pretende, com isto, ter a “iniciativa política”, para “sair desta situação em que está encurralado, em que parece que Saúde é só a questão dos enfermeiros”.

Na questão dos enfermeiros, disse também o comentador, o Governo e os sindicatos estarão interessados em chegar a um qualquer “acordo minimalista”. Por um lado, os sindicatos dos enfermeiros sofreram um revés com a justiça a dar razão ao Governo na questão da requisição civil. Por outro lado, “o Governo precisa de ter paz neste setor, uma vez que está bastante preocupado com as críticas, com a contestação”.