O realizador do documentário Leaving Neverland, que expõe abusos sexuais alegadamente cometidos por Michael Jackson, diz que o filme vai obrigar a “reavaliar” a forma como os fãs olham para o “rei da pop“, que morreu em 2009. “A mentira que Michael Jackson perpetrou enquanto foi vivo, de que era um grande defensor e apoiante das crianças — e a ferocidade com que os seus parceiros de negócios e a sua família o defenderam — significa que a queda dele vai ser muito mais dura”, disse o realizador, Dan Reed, numa entrevista o jornal britânico The Telegraph.
“As pessoas vão ter de ouvir a música dele sabendo que ele era um abusador de crianças prolífico. Se estiverem confortáveis com isso, tudo bem. Senão, talvez seja melhor ouvirem outra coisa durante algum tempo“, afirmou Dan Reed.
O documentário, que se foca nos testemunhos de duas alegadas vítimas, conta como Michael Jackson abusaria sexualmente das crianças que o visitavam em Neverland, a mansão que o cantor mantinha na Califórnia e que abria frequentemente ao público.
O documentário de quatro horas divide-se em duas partes e conta com os testemunhos diretos de Wade Robson e James Safechuck, que em 2013 e em 2014 já tinham apresentado queixas contra Jackson, processos que acabariam arquivados. Os dois contam como sofreram abusos sexuais de forma sistemática e como testemunharam abusos contra várias crianças.
Wade Robson, hoje com 36 anos, contou que conheceu Michael Jackson com 7 anos e que sofreu abusos até aos 14 anos. Já James Safechuck diz ter sofrido abusos sexuais entre os 10 e os 14 anos. Ambos garantem ter sofrido abusos sexuais “centenas e centenas de vezes“.
Muitos fãs, porém, não acreditam nas denúncias. O realizador do documentário, Dan Reed, tem recebido cartas de fãs de Michael Jackson a pedir-lhe que deixem o cantor em paz. “Deixa o rei da pop, Michael Jackson”, lê-se numa carta enviada por um fã que Dan Reed mantém afixada no seu escritório. “Estas supostas ‘vítimas’ já tinham testemunhado que o Michael nunca lhes tinha feito nada. Agora, decidem abrir a boca e vomitar mentiras“, diz o mesmo fã.
Segundo explicou Dan Reed ao The Telegraph, desde a ante-estreia do documentário que têm chegado cartas de todo o mundo, incluindo com ameaças de morte. São “coisas nojentas que me querem fazer — sem me conhecerem, sem terem visto o filme, a achar que isso vai fazer algo de bom ao Michael Jackson”, disse Reed.
“Este é um filme sobre amor e sobre a traição do amor. Jackson abusou destes rapazes não apenas fisicamente, mas também psicologicamente e emocionalmente. Se não percebermos que eles estavam apaixonados pelo Michael, não percebemos nada do que eles fizeram. Porque não disseram à mãe? Porque o defenderiam em tribunal? A sociedade não quer reconhecer que isto pode acontecer”, lamenta o realizador, descrevendo a situação como “o amor podre do pedófilo e o amor puro da criança”.
Em resposta às críticas de que o documentário não dá à família e aos representantes de Michael Jackson o apropriado direito de contraditório, o realizador do filme explica que incluiu várias imagens dos advogados do cantor a negarem as acusações das duas testemunhas quando ambas falaram em tribunal há cinco anos. “Não preciso de outro advogado de Jackson num fato diferente a dizer as mesmas coisas, pois não?”
“Claro que teria pedido uma entrevista com Michael Jackson se ele ainda fosse vivo. Ele é o principal sujeito das alegações que fazemos. Muitas pessoas com quem falei têm o ponto de vista do Michael Jackson, em que ele é uma vítima e estas crianças maldosas estão a dizer coisas horríveis sobre ele”, explicou ainda o realizador.
O documentário está repleto de detalhes contados na primeira pessoa por Wade Robson e James Safechuck, incluindo as interações sexuais alegadamente mantidas entre Jackson e os dois rapazes. O cantor terá obrigado as crianças a fazerem sexo oral e tê-las-á penetrado no ânus ao ponto de os rapazes sangrarem.
Mas a relação que Jackson mantinha com as crianças era também emocional. Segundo alguns testemunhos citados pela imprensa britânica, Michael Jackson terá chegado a organizar casamentos com os menores, com pompa e circunstância. “Casámo-nos no quarto dele e nos votos dissemos que queríamos estar sempre juntos“, disse James Safechuck — que conheceu Jackson em 1988, quando entrou num anúncio da Pepsi em que o cantor também participou. O cantor terá mesmo oferecido um anel de diamantes à criança, que Safechuck exibe no documentário.
Segundo explica o homem, hoje com 40 anos, as relações sexuais com Jackson eram diárias, não apenas no rancho da Califórnia, mas também durante as digressões do cantor. Ainda assim, em 2005, Safechuck testemunhou a favor de Jackson num outro caso de denúncias de abusos sexuais. Questionado recentemente no programa de Oprah Winfrey sobre os motivos de ter testemunhado a favor do cantor, explicou: “Se tivesse falado da minha relação com o Michael naquele momento, teria de questionar a minha vida inteira”.
O filme estreou no último fim de semana nos EUA e domingo em Portugal, na plataforma de streaming HBO. Deve chegar esta semana a toda a Europa.