Intimidade, proximidade, privacidade, menos partilha, uma partilha mais cuidada e mais exclusiva. Não eram estes os objetivos iniciais das redes sociais, mas é isto que as pessoas querem agora: que sejam um lugar onde a troca de mensagens e de conteúdo já não é pública nem para sempre, mas que dure apenas o tempo que elas determinam, chegando apenas às pessoas que escolhem.
Mark Zuckerberg, o homem que detém em si o controlo do Facebook, Messenger, Instagram e WhatsApp — e que por isso detém em si o controlo sobre a forma como grande parte das pessoas hoje comunica — sabe-o. E é por isso que agora já não quer que o Facebook seja o Facebook, — quer que seja uma plataforma focada e orientada sobretudo para a privacidade dos utilizadores, ainda que isso seja confuso de entender. Ainda que não dê garantias nem explique bem como.
No blog post que escreveu na quarta-feira, Mark Zuckerberg anunciou as novas linhas orientadoras das suas redes sociais, mas também reconheceu os fantasmas que pairam sobre o Facebook desde que o caso Cambridge Analytica foi tornado público.
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“Entendo que muitas pessoas não acreditem que o Facebook possa ou consiga criar uma plataforma que é focada na privacidade — porque, para ser franco, não temos de momento uma reputação forte no que diz respeito aos nossos serviços de proteção da privacidade [dos utilizadores], e temos estado historicamente focados em desenvolver ferramentas que permitam partilhas mais públicas. Mas também mostramos repetidamente que podemos evoluir para a construção dos serviços que as pessoas querem realmente, incluindo as mensagens privadas e storys”, escreveu.
Aos 34 anos, Mark Zuckerberg é a oitava pessoa mais rica do mundo e lidera o ranking dos sub-40, segundo a Forbes. Quase um ano depois do escândalo Cambridge Analytica, o homem que soma uma fortuna pessoal de 64,2 mil milhões de dólares acredita que, no futuro, esta plataforma de comunicações focada na privacidade vai tornar-se muito mais importante do que as plataformas abertas de hoje. “A privacidade dá às pessoas mais liberdade para serem elas próprias e para se relacionarem mais naturalmente, e é por isso que criamos estas redes sociais.”
“Hoje, já vimos que as mensagens privadas, as storys efémeras e os pequenos grupos são de longe as áreas que mais crescem na comunicação online. Há uma série de razões para que isso aconteça. Muitas pessoas preferem a intimidade da comunicação de um para um ou apenas com alguns amigos. As pessoas estão agora mais preocupadas por terem um registo permanente do que partilharam”, acrescentou.
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A plataforma focada na privacidade que Zuckerberg quer construir baseia-se em seis pilares: o das interações privadas, da encriptação, da redução da permanência do que escrevem, a segurança, a interoperabilidade e na segurança do armazenamento dos seus dados. Consciente de que tudo isto “vai levar tempo”, o líder do Facebook explica que o plano é reconstruir as redes sociais durante os próximos anos com base nestas ideias. “Este sentido de intimidade e privacidade não diz respeito apenas às ferramentas técnicas — tem de estar desenhado a um nível profundo naquela que é a sensação de utilização do serviço no seu todo”, escreveu Zuckerberg.
É por tudo isto que espera que o Messenger e o WhatsApp se tornem nas principais formas de comunicação entra as pessoas nos próximos anos e é por isso que quer que sejam mais rápidas e simples de utilizar, bem como mais privadas e seguras. A encriptação é uma das ferramentas mais importantes para a segurança da comunicação online, mas que também tem desafios.
“A encriptação é uma ferramenta poderosa para a privacidade, mas isso inclui a privacidade das pessoas que fazem coisas más. Quando biliões de pessoas usam a Internet para se conectarem, alguns deles vão utilizá-la de forma indevida para fazer coisas terríveis, como a exploração infantil, terrorismo ou extorsão. Temos a responsabilidade de trabalhar com as forças da lei e de ajudar a prevenir que isto aconteça.”
“Agora, as pessoas querem saber que o que partilham não volta mais tarde para magoá-las”
Zuckerberg quer que os utilizadores estejam mais à vontade quando estão online e sabe que os níveis de confiança na rede social desceram no último ano. A insegurança face ao que escrevem e partilham aumentou: “Agora, as pessoas querem saber que o que partilham não volta mais tarde para magoá-las”. É por isso que quer reduzir a durabilidade daquilo que as pessoas partilham e comunicam: “Acreditamos cada vez mais que é importante manter a informação disponível por períodos de tempo mais curtos”. A ideia é aplicar a fórmula das storys — que se apagam passado 24 horas, a não ser que os utilizadores decidam que querem mantê-las — a toda a plataforma.
“Acredito que existe uma oportunidade para aplicar um novo padrão nas plataformas de comunicação privadas — nas quais o conteúdo expira automaticamente ou é arquivado com o tempo. As storys já expiram ao fim de 24 horas, a não ser que as arquives, e isso dá às pessoas o conforto de partilhar coisas de forma mais natural. Esta filosofia pode ser alargada a todos os conteúdos privados”, lê-se.
Zuckerberg exemplifica que o futuro pode passar por fazer com que as mensagens desapareçam um mês ou um ano depois de serem enviadas, por defeito, e de incluir a opção de autodestruir as mensagens uns segundos depois. “Isto reduziria o risco de as mensagens serem usadas para te envergonhar mais tarde. E claro que terias a opção de ativar ou desativar esta opção e de determinar o tempo que isto duraria”, explica.
No Telegram, app de troca de mensagens que concorre com o WhatsApp, isto já é possível: há mensagens que se autodestroem segundos depois. Recentemente, o Facebook já tinha introduzido a opção de eliminar mensagens depois de enviadas.
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O caminha desta nova plataforma também passa por integrar o WhatsApp, Messenger e chat do Instagram num só serviço — algo que já se sabia –, mas que só será possível se a encriptação das mensagens não for comprometida. Ressalvando que o trabalho que esta nova abordagem exige ainda está numa fase muito inicial, Mark Zuckerberg acredita que se fizer isto bem vai “criar plataformas para partilhas privadas que podem ser ainda mais importantes para as pessoas do que as plataformas que já construímos para ajudar as pessoas a partilhar e a comunicarem de forma aberta”.
“Acredito que devemos trabalhar em direção a um mundo onde as pessoas podem falar de forma privada e livre sabendo que a sua informação vai ser vista apenas por quem o utilizador quer que veja e que não vai ficar disponível para sempre. Se pudermos ajudar o mundo a mover-se nesta direção, vou me orgulhar da diferença que estamos a fazer”, concluiu.
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Esta mudança de foco traduzir-se-á num Facebook mais fechado e num menor acesso à informação cedida pelos utilizadores, o contrário da lógica de partilha pública e de plataforma global que está na génese do Facebook. Mas foi também esta mesma lógica que permitiu que várias empresas, marcas ou organizações políticas pudessem depois usar esses mesmos dados para influenciar os utilizadores, distorcer realidades, disseminar notícias falsas ou permitir que empresas de análise de dados como a Cambridge Analytica pudessem usar indevidamente os dados de 87 milhões de contas para ajudar a eleger Donald Trump, nos EUA, ou Brexit.
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Agora, Zuckerberg quer redefinir a forma como as pessoas comunicam, o que vai levantar uma série de outros problemas sociais e de segurançam tendo em conta que os vários serviços detidos por Zuckerberg contam com mais de 2,7 mil milhões de utilizadores. Os escândalos do último ano não fizeram com que Zuckerberg deixasse de ser uma das pessoas mais influentes da atualidade, mas foi obrigado a prestar contas ao Congresso norte-americano e ao Parlamento Europeu sobre a privacidade dos seus utilizadores.
No centro de um escrutínio público que tem levantado mais críticas do que elogios, Zuckerberg tem tentado mudar várias metodologias no último ano, mas nenhuma das mudanças implicava mudar o paradigma com o qual foi criado. A forma como tudo isto vai acontecer permanece sem resposta e no longo texto que Zuckerberg publicou fala mais de ideias e princípios e pouco ou nada de ações concretas ou de prazos. Não sabemos quando é que o Facebook vai mudar, mas sabemos que vai. Pode parecer que é porque Zuckerberg quer, mas é substancialmente porque os utilizadores das redes sociais já o estão a querer.