A Ordem dos Médicos vais dispensar estes profissionais de saúde do sigilo a que estão obrigados nas relações com os pacientes se estiver em causa um possível crime de tráfico de órgãos humanos, noticia esta terça-feira a edição impressa do jornal i. A intenção de alterar o código deontológico dos médicos foi confirmada àquele diário pelo bastonário da Ordem dos Médicos, Miguel Guimarães, e surge como forma de adaptar a legislação portuguesa à Convenção do Conselho da Europa contra o Tráfico de Órgãos Humanos, que Portugal assinou em 2015 e que entrou agora em vigor.

O objetivo desta convenção é criminalizar o tráfico de órgãos, proteger as vítimas e reforçar a cooperação nacional e internacional nesta matéria. Neste sentido, outra das alterações já em andamento é uma mudança no Código Penal, que irá passar a tipificar o crime de tráfico de órgãos. No que toca à parte médica, os médicos vão passar oficialmente a poder pedir escusa do sigilo caso suspeitem que estão na presença de uma situação de tráfico de órgãos — nomeadamente se suspeitarem da origem de um órgão a ser utilizado num transplante.

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Em declarações ao jornal i, o o bastonário da Ordem dos Médicos, Miguel, explicou que “atualmente os médicos já podiam pedir ao bastonário que os dispensasse do sigilo perante suspeita de tráfico de órgãos”. Porém, agora, o objetivo é “consolidar essa situação do ponto de vista legal até numa situação em que o doente fosse posteriormente apresentar queixa na justiça”, detalhou o responsável.

A proposta foi feita à Ordem dos Médicos pelo grupo de trabalho que o Governo criou na sequência da assinatura da convenção para apresentar sugestões sobre como adaptar o acordo à legislação portuguesa. “Recebemos a proposta do grupo de trabalho há duas semanas e vamos agora iniciar um processo de discussão pública de 30 dias para que possa haver contributos adicionais, o processo normal, mas é uma proposta muito bem fundamentada que deverá ser implementada”, explicou Miguel Guimarães ao mesmo jornal.

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Em Portugal, são raros os casos de tráfico de órgãos, admite Miguel Guimarães. Mas registam-se algumas situações, essencialmente ligadas a países como a Índia, a China e o Paquistão, onde a legislação não proíbe explicitamente a venda dos órgãos humanos. De acordo com um estudo da Organização Mundial de Saúde citado na mesma notícia do i, em 2004 aquele organismo estimava que entre 5% e 10% dos transplantes de rim em todo o mundo eram feitos com recurso a órgãos obtidos ilegalmente.

A escassez de órgãos nos países mais desenvolvidos (motivada pelo aumento da esperança média de vida e pela redução significativa das mortes por acidentes rodoviários, por exemplo) fez desenvolver os esquemas de tráfico de órgãos em países menos desenvolvidos, onde um órgão humano pode chegar a valer vários milhares de euros.