A Comissão do Mercado de Valores Mobiliários (CMVM) considera que a proposta de reforma da supervisão financeira aumenta os custos e reduz a independência dos supervisores, segundo o parecer ao projeto de lei do Governo divulgado esta quarta-feira. Já o Banco de Portugal manifestou-se contra a fiscalização por parte da Inspeção-Geral de Finanças à sua atividade que, do ponto de vista o supervisor bancário “colide de forma relevante com o seu estatuto de independência, porque a IGF é um serviço do Estado dependente dos dirigentes do Ministério das Finanças.
“Entende o Banco de Portugal que a intervenção da Inspeção-Geral de Finanças junto do Banco de Portugal, prevista no projeto de proposta de lei, colide, de forma relevante, com o estatuto de independência do Banco de Portugal, atendendo à natureza daquela Inspeção-Geral como serviço da Administração Direta do Estado e situado, por isso, na esfera dos poderes de direção do Ministro das Finanças”, lê-se no parecer, de 461 páginas que pode ser consultado no site do parlamento.
A proposta do Governo, que hoje chegou ao parlamento, clarifica que a Inspeção-Geral de Finanças pode fiscalizar a gestão financeira do Banco de Portugal, à exceção das ações que estão relacionadas com as funções monetárias, para garantir que não é colocada em causa a sua independência na política monetária.
Segundo o banco central, essa sujeição ao “serviço da Administração Direta do Estado, subordinada aos poderes hierárquicos de um membro do Governo” põe em perigo a sua “autonomia de gestão”.
Já o regulador dos mercados financeiros diz que a proposta de criação de novas autoridades no sistema de supervisão nos moldes propostos traz “complexidade e custos acrescidos ao novo modelo”. Para a CMVM haverá um “acréscimo de custos a serem suportados” pelas empresas supervisionadas, “quer por o CNSF [Conselho Nacional de Supervisores Financeiros] ser dotado de um quadro de pessoal próprio, de autonomia financeira e de competência para a criação de novas taxas, quer por a ARSG [Autoridade de Resolução e Fundos de Garantia] ser também dotada de autonomia financeira e ter despesas próprias cujo modo financiamento carece de clarificação”.
Quando a 7 de março apresentou esta reforma no final do Conselho de Ministros, o ministro das Finanças, Mário Centeno, foi questionado sobre se estas mudanças implicam a criação de novas taxas sobre as empresas do setor financeiro, para financiar estas entidades, tendo respondido que “o financiamento vai ser feito nos mesmos moldes que é feito hoje” e que o Governo não antecipa “aumento dos custos para os supervisionados”.
A CMVM critica ainda que haja a “manutenção da afetação das receitas próprias das autoridades de supervisão ao financiamento de uma outra entidade — a Autoridade da Concorrência”, quando esta “nem sequer se situa no perímetro do Sistema Nacional de Supervisão Financeira”.
Sobre o Conselho Nacional de Supervisores Financeiros (CNSF), considera a CMVM que o regime de governação proposto “possibilita que uma das autoridades de supervisão seja obrigada pelas restantes a implementar uma decisão no seu âmbito específico e exclusivo de competências que não subscreve e contra a qual tenha votado”, o que considera que tem consequências na “independência dos supervisores e na definição de âmbitos de competência e responsabilidade”.
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Também a participação de administradores externos nos órgãos de decisão do CNSF e da nova Autoridade de Resolução tem para a CMVM “impactos negativos na independência dos reguladores e custos acrescidos para o sistema”. A entidade liderada por Gabriela Dias considera ainda que o facto de o Banco de Portugal ter mais membros no Conselho de Administração da Autoridade de Resolução dá-lhe “prevalência” na gestão face aos outros supervisores e diz mesmo ser injustificável no caso do Sistema de Indemnização aos Investidores, uma vez que este se “trata de um fundo de proteção de investidores de serviços de investimento cuja supervisão cabe à CMVM”.
Foi publicada no site do Parlamento a proposta de lei do Governo para a reforma da supervisão financeira, que cria o Sistema Nacional de Supervisão Financeira, composto por três supervisores setoriais – Banco de Portugal, CMVM e Autoridade de Supervisão de Seguros e Fundos de Pensões –, Conselho Nacional de Supervisores Financeiros (CNSF) e ainda a nova Autoridade de Resolução e Administração de Sistemas de Garantia.
Nesta reforma, o papel do atual Conselho Nacional de Supervisores Financeiros (CNSF) é reforçado, dotando-o de personalidade jurídica e recursos próprios, e atribuindo novas funções. Desde logo, este fica com a supervisão macroprudencial (responsável por avaliar a estabilidade de todo o sistema financeiro e prevenir os riscos sistémicos), atualmente no Banco de Portugal. O CNSF terá presidência rotativa entre os três supervisores setoriais (Banco de Portugal, ASF e CMVM), de um ano cada.
A reforma retira ainda a gestão da resolução de bancos do Banco de Portugal, criando uma Autoridade de Resolução autónoma, que fica ainda com a gestão dos fundos de garantia de depósitos e do Sistema de Indemnização aos Investidores. Essa autoridade será administrada por cinco membros, dois do Banco de Portugal, um da CMVM, outro do regulador dos seguros e outro nomeado pelo Governo.
No parecer destaca-se ainda a nota positiva dada pela CMVM ao reforço da autonomia orçamental e financeira que lhe é atribuída, assim como à ASF, considerando que são “condições necessárias a uma atuação livre de qualquer constrangimento externo”.
A reforma da supervisão financeira faz parte do programa do Governo, de finais de 2015.