“Não é bom misturar família com política”. Palavras de Marcelo Rebelo de Sousa, Presidente da República, que comentou esta quarta-feira ao Expresso a quantidade de casos de familiares socialistas nomeados para cargos políticos. Marcelo nasceu e cresceu no meio político, filho do subsecretário de Estado da Educação Nacional de António Oliveira Salazar e, anos mais tarde, nomeado por Marcello Caetano (que esteve para ser padrinho do seu filho primogénito Marcelo) governador-geral de Moçambique. A sua vida fez-se sempre na política, dirigente do PSD, deputado da Assembleia Constituinte, secretário de Estado e ministro do Governo de Francisco Pinto Balsemão e líder do PSD. E a sua família, acabou por ter também ligações a cargos públicos ou de nomeação política?

A resposta é sim e nem é preciso recuar muito no tempo. No Governo de António Costa, até fevereiro passado, esteve como chefe de gabinete (um cargo de confiança política) do então Secretário de Estado das Infraestruturas, Guilherme W. d’Oliveira Martins, Miguel Pinto Mesquita Rebelo de Sousa, sobrinho de Marcelo. Entrou no Governo socialista vindo da EDP Comercial, onde era técnico superior sénior, e imediatamente antes tinha sido membro da comissão de reforma da Lei de enquadramento orçamental (presidida pelo mesmo homem que o havia de levar para o Executivo) criada em 2014 pela ministra das Finanças do Governo PSD/CDS, Maria Luís Albuquerque. É licenciado em economia pela Católica Lisbon School Of Business and Economics, pós-graduado em Ciência Política e Relações Internacionais, pelo Instituto de Estudos Políticos da Universidade Católica Portuguesa. E tem um MBA pela AESE/IESE — Universidade de Navarra, constava no despacho de nomeação. No momento da nomeação oficial do sobrinho, Marcelo Rebelo de Sousa ainda não era Presidente da República, estava a dias de ser eleito (o despacho de nomeação é de 19 de janeiro de 2016 e as Presidenciais foram a 24 de janeiro desse ano).

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Miguel Rebelo de Sousa é filho de António, um dos irmãos do Presidente da República. Miguel tem um irmão, Luís, que também tem um passado ligado a um Governo, também socialista. Luís Maria Pinto de Mesquita de Lacerda Rebelo de Sousa, licenciado em Economia pela Universidade Católica, foi nomeado em 2007 pelo ministro da Administração Interna, Rui Pereira, como seu assessor, segundo o despacho de nomeação — nesta altura, Marcelo era comentador político na televisão (foi até se candidatar à Presdiência). Rui Pereira entrava no Governo de José Sócrates nessa altura, para substituir António Costa que saíra para se candidatar à Câmara de Lisboa. Hoje, Luís Rebelo de Sousa é assessor do Conselho de Administração da AICEP (Agência para o Investimento e Comércio Externo de Portugal), tendo entrado em maio de 2018.

O pai, António Rebelo de Sousa, tem um início de vida adulta com intensa atividade política e dos dois lados da barricada política: primeiro ligado ao PSD, mas depois ao PS. Entre 1974 e 76 presidiu à Juventude Social Democrata, e foi deputado eleito pelo PSD, função que exerceu até 1980, mas nas legislativas de 1983 já foi eleito pelo PS à Assembleia da República, pelo círculo de Lisboa. É economista e trabalhou com dois ministros das Finanças socialistas. Foi assessor de António Sousa Franco, e mais tarde consultor de Guilherme d’Oliveira Martins, pai de Guilherme W. d’Oliveira Martins, o secretário de Estado que levaria para o Governo socialista de Costa o seu filho Miguel Rebelo de Sousa.

Além disso, o irmão do meio de Marcelo é atualmente presidente do Conselho de Administração da SOFID, sociedade para o financiamento do desenvolvimento que foi criada com a intenção de contribuir para “o crescimento económico de países emergentes e em vias de desenvolvimento, articulando com os objetivos e a estratégia do Estado Português em matéria de economia, cooperação e ajuda pública ao desenvolvimento”, de acordo com o mandato que consta no seu site oficial. Entrou em funções a 13 de maio de 2010 (estava o PS no Governo), eleito em Assembleia Geral. O acionista maioritário da SOFID é o Estado português, detém 80,5%. Entre os outros acionistas desta instituição financeira de crédito estão o Novo Banco, o BPI, o Millenium e a Caixa Geral de Depósitos (o banco público onde também já esteve um Rebelo de Sousa).

Pedro Rebelo de Sousa é o irmão mais novo de Marcelo e um advogado de relevo na sociedade portuguesa — é Managing Partner e Fundador da SRS Advogados. É especialista em direito financeiro e, em 2011, foi nomeado pelo Governo de Pedro Passos Coelho como administrador não executivo da Caixa Geral de Depósitos — na altura o escritório até deixou de trabalhar com a CGD. A nomeação para a administração do banco público aconteceu em julho, no mês seguinte ao Governo PSD/CDS ter entrado em funções. Marcelo era, nessa altura, comentador político na TVI e teve de analisar as escolhas do Governo, onde também se incluía António Nogueira Leite. Sobre os dois nomes disse que “tinham competência para serem escolhidos”.

Ao Observador, Pedro Rebelo de Sousa quis comentar o artigo e a sua nomeação política para a CGD para afirmar que “não havia nenhum relacionamento pessoal que tivesse promovido a nomeação” e que tem “uma carreira de várias décadas ligada à banca nacional e internacional” que terão justificado a sua indicação pelo Governo de Passos Coelho. Já sobre a questão das relações familiares, refere que no escritório em que é sócio impôs uma regra estatutária há algum tempo: “Família não pode fazer carreira dentro do escritório”.

Na terça-feira, Marcelo Rebelo de Sousa distanciou-se da onda de nomeações familiares do atual Governo socialista e fez questão de dizer uma frase colada a outra que o seu pai ouviu como subsecretário de Estado de Salazar, em 1955. “Família de Presidente não é Presidente”, disse Marcelo em relação às suas escolhas, acrescentando ainda que as nomeações para o Governo de familiares socialistas foram aceites pelo anterior Presidente da República, Cavaco Silva, e não por ele, “um facto histórico”. A frase de Marcelo é uma adaptação de outra atribuída ao Presidente da República de então, o general de Cavalaria Francisco Craveiro Lopes que, numa prova de hipismo, cumprimentava as entidades oficiais quando viu “uma criança de calções” ao lado de Baltazar Rebelo de Sousa, segundo é contado na biografia “Marcelo Rebelo de Sousa”, da autoria do jornalista Vítor Matos.

Craveiro Lopes perguntou ao pai quem era e Baltazar apresentou-se como “o novo subsecretário de Estado da Educação, Baltazar Rebelo de Sousa, senhor Presidente!”. “Ah, muito bem!”, terá dito então Craveiro Lopes que logo perguntou também “quem é o menino?”. Era o filho. Foi aí que Baltazar ouviu do Presidente da República a lição que Marcelo aprendeu também: “Senhor subsecretário de Estado, recorde uma coisa, filho de subsecretário de Estado não é subsecretário de Estado. Ora, o menino vai para outro sítio!“. E Marcelo foi levado por um ajudante de campo de Craveiro Lopes para outro Camarote que não o presidencial. Ao Expresso assume que ficou “marcado na infância”: “Nestas questões eu levo o rigor a um ponto que às vezes peco por excesso”.

Artigo atualizado com o atual cargo de Luís Rebelo de Sousa, sobrinho de Marcelo, como assessor do conselho de administração da AICEP. Foram também acrescentadas declarações de Pedro Rebelo de Sousa sobre a sua nomeação política.