Acordo fechado à esquerda. Pelo menos, com parte dela. De acordo com o BE, está fechado o entendimento com o Governo sobre a nova lei de bases da Saúde. Depois de um longo processo negocial, que já durava há mais de um ano, as duas partes entenderam-se em relação às matérias que o partido de Catarina Martins tinha estabelecido como linhas vermelhas para dialogar com o Executivo. A saber: o fim das PPP na Saúde, o fim das taxas moderadoras para consultas ou exames prescritos por profissionais do SNS, a valorização das carreiras dos profissionais de saúde e a supletividade dos meios de diagnóstico. O anúncio do acordo foi oficializado esta tarde pelo Bloco de Esquerda no Parlamento.

O deputado Moisés Ferreira, acompanhado por Pedro Filipe Soares, falou aos jornalistas para explicar o processo negocial e os seus resultados. “O Bloco de Esquerda partiu para este processo de especialidade com quatro eixos em cima da mesa: as PPP, as taxas moderadoras, a supletividade dos meios de diagnóstico e a valorização profissionais de saúde. As propostas de alteração que hoje apresentamos respondem a estes eixos”, congratulou-se de início.

Sobre as Parcerias Público-Privadas na Saúde, o deputado do BE com a pasta da Saúde mostrou-se orgulhoso por o seu partido e o Governo terem determinado o fim deste tipo de gestão de unidades de saúde. “Através duma norma transitória e da base número 18 estabelece-se que as atuais PPP podem ir até ao fim. A partir daí, não há mais PPP”, anunciou. Atualmente existem apenas quatro unidades hospitalares com este modelo de gestão: Cascais, Braga, Vila Franca de Xira e Loures. Se as alterações acordadas entre Governo e Bloco de Esquerda foram aprovadas e entrarem em vigor antes da renovação da PPP de Cascais, a partir de janeiro de 2022 terminam em definitivo as PPP na Saúde.

Sobre as taxas moderadoras, Moisés Ferreira explicou que “o que fica agora claro com esta proposta é que deixam de existir taxas moderadoras nos cuidados de saúde públicos e em tudo o que for prescrito por profissionais do SNS”. “Ou seja, os centros de saúde deixam de ter taxas moderadoras, assim como os exames ou as consultas passadas por profissionais do SNS”, especificou.

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Mas há mais duas alterações que satisfizeram as exigências do Bloco de Esquerda. “Os sistemas social e privado não devem estar nem em concorrência nem em cooperação com o público, como propõe a direita”. Com este diploma, explica, “os sistemas social e privado passam a ser supletivos em relação ao público“. Já a valorização da carreira dos profissionais do SNS vai ter direito a uma base própria. Os profissionais não estarão em regime de exclusividade, como desejava o BE, “mas sim a tempo inteiro”, explicou ainda.

O entendimento foi alcançado com o Governo, mas quem vota no Parlamento é o PS. Embora na maioria dos casos o acordo com o Executivo se traduza num apoio automático da bancada do PS na Assembleia da República, o Bloco de Esquerda é prudente e não arrisca nas suposições. “As reuniões são bilaterais, entre o Bloco e o Governo. Nós não podemos falar por aquilo que os outros partidos vão fazer. No entanto, a nossa expetativa é a de que o alcance destas propostas tenha acolhimento de outras bancadas”, explicou Pedro Filipe Soares. O líder parlamentar deu uma resposta semelhante quando foi questionado sobre a posição que o PCP iria adotar. 

Lembrando que estas propostas “não são os pontos de partida do Bloco de Esquerda, mas sim os resultados obtidos no processo negocial com o Governo”, o presidente da bancada do BE tentou sempre vincar que o entendimento foi conseguido à esquerda, tentando chamar à responsabilidade, ainda que de forma indireta, quer o PS quer o PCP.

Sobre as ameaças de veto vindas do Palácio de Belém, o deputado Moisés Ferreira recordou que a atual lei de bases da Saúde foi aprovada apenas por PSD e CDS. “Obviamente que gostávamos de ter o consenso mais alargado possível, mas uma maioria da Assembleia da República tem legitimidade suficiente“, vaticinou o deputado. Uma resposta que já tem sido dada também pelos socialistas.

PCP reage a quente: avanços são positivos “mas ficam aquém”

Os comunistas foram apanhados de surpresa com o anúncio feito pelo Bloco de Esquerda. A deputada Carla Cruz falou aos jornalistas minutos depois da conferência de imprensa de Pedro Filipe Soares e Moisés Ferreira. Para o PCP, as alterações propostas pelo Bloco de Esquerda resultantes do diálogo com o Governo, embora positivas, “ficam aquém” dos desejos dos comunistas.

Sem referir o nome do BE, a deputada preferiu sempre falar nas alterações do Governo para lembrar que o processo negocial ainda decorre. “As propostas de alteração podem ser entregues até dia 22 de abril, na próxima segunda-feira. Até lá, as negociações vão continuar e o PCP bater-se-á por melhorar estas alterações“, explicou.

Os comunistas querem que as taxas moderadoras “acabem de vez” em todos os serviços, de modo a tornar o SNS “verdadeiramente público“. Assim como querem ir mais longe nas PPP, revogando o número dois do Artigo 3º da proposta do BE, que prevê que a “renovação dos contratos de parcerias, se contratualmente prevista, não pode incluir a gestão de estabelecimentos”.

“Os avanços são positivos”, voltou a sublinhar Carla Cruz antes de garanti que o PCP irá continuar a batalhar por melhorar as propostas acordadas entre o Governo e o Bloco de Esquerda. “O processo negocial não começou hoje nem se esgota no dia 22. O PCP está aqui como sempre esteve: com uma postura de rigor e seriedade”, disse. Uma afirmação que parecia ser uma indireta para o Bloco de Esquerda por se ter antecipado no anúncio do acordo alcançado com o Governo, embora a deputada o desminta. “De modo algum”, vaticinou.

Se não for possível avançar mais antes de dia 22, o PCP irá bater-se “por melhorar a lei de bases na especialidade”. Precisamente por o processo ainda não estar perto do fim, os comunistas não revelam para já qual será o seu sentido de voto caso as exigências do PCP não sejam acolhidas pelo Governo.

CDS insta Governo a prestar esclarecimentos

Os centristas já vieram  a público reagir ao anúncio feito esta tarde pelo Bloco de Esquerda no Parlamento. Em declarações ao Observador, a deputada do CDS Ana Rita Bessa manifestou “a surpresa do partido” quanto às declarações dos deputados bloquistas. “Primeiro, porque o BE vem falar em nome próprio por um acordo feito com o Governo, algo que já vem sendo prática entre os partidos de esquerda nesta legislatura”, explica. “Em segundo lugar, porque o Governo tem aprovado diplomas que vão no sentido inverso ao acordo hoje anunciado”.

A deputada recorda que, “no passado dia 29 de março, o Governo aprovou um despacho em que prevê que a possibilidade de renovação da PPP de Braga ao fim dos primeiros cinco anos”. Ou seja, na prática, há uma espécie de período experimental em que se poderá avaliar se a passagem desta unidade hospitalar para a esfera pública trouxe mais benefícios ou prejuízos. Assim, questiona Ana Rita Bessa, “é necessário que o Governo venha esclarecer, sobretudo às populações abrangidas pelas quatro PPP, qual é afinal a sua posição”.

Para o CDS, as PPP têm trazido bons resultados. “Vemos a renovação destes contratos com bons olhos”, afirma. Os centristas pedem diretamente ao Executivo que clarifique a sua posição. “Já percebemos que acordou taticamente com o Bloco de Esquerda uma coisa e que, estrategicamente, vai publicando despachos que indicam uma outra“, acusou a deputada. “É mesmo preciso um esclarecimento do Governo”, vincou.

[Texto atualizado às 17:31 com a posição do PCP e às 19:40 com as declarações da deputada Ana Rita Bessa]