Na primeira vez em que os líderes dos quatro maiores partidos espanhóis estiveram frente a frente antes das eleições de 28 de abril, o miolo do debate centrou-se entre dois homens: o Presidente de Governo e candidato socialista, Pedro Sánchez, e o líder do Ciudadanos, Albert Rivera.

Muito se disse e escreveu que, com a chegada dos únicos debates destas eleições gerais, a campanha iria finalmente acelerar depois do ramerrame, após a convocatória em fevereiro de eleições antecipadas, que se instalou na política espanhola.

E foi precisamente isso que aconteceu, com cada um dos quatro principais partidos a demonstrar ser um veículo completamente diferente — e, por isso, com prestações ímpares quando levados a correr na mesma estrada.

Esta terça-feira, às 21h00 de Lisboa, vai ser transmitido o segundo e último debate (Pablo Blazquez Dominguez/Getty Images)

Pedro Sánchez foi um autocarro urbano: eficaz, mas nunca entusiasmante e sempre pesado, embora beneficiado pelo privilégio que é poder andar na vantajosa faixa de BUS que é uma conjuntura económica favorável. Albert Rivera conduziu uma mota silenciosa no arranque, mas que, na altura de acelerar — e foi isso que fez a dada altura — foi tão barulhenta como veloz. Já Pablo Casado conduziu um carro antigo, que julgava ser fiável, mas que pouco aguentou em alta velocidade — obrigando-o reduzir drasticamente o passo, para surpresa de todos na auto-estrada. Finalmente, Pablo Iglesias foi uma bicicleta elétrica: silenciosa e discreta, eficaz naquilo a que se propõe. Em todo o caso, é apenas uma bicicleta e daí não parece passar.

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No debate anti-Sánchez, o socialista já tinha as respostas todas ensaiadas

Num debate com 1 hora e 40 minutos, Pedro Sánchez procurou fazer várias fugas em frente perante os ataques dos seus adversários, respondendo repetidamente com os feitos da sua curta passagem pelo poder — nos 10 meses em que esteve na Moncloa, Pedro Sánchez aumentou pensões e o salário mínimo, entre outros — perante três adversários que, cada um à sua maneira, lhe dirigiram ataques de vários tipos.

Pablo Casado, que no decurso do debate viria a adotar uma postura calma — um esforço para este líder, habitualmente combativo, no sentido de passar uma pose de estadista —, começou ainda assim por defender o PP como “a única alternativa” contra “um governo dos batasunos [militantes do Batasuna, partido ligado à ETA e ilegalizado em 2003] e independentistas, que estão representados por Pedro Sánchez”.

Albert Rivera, que abriu dizendo que “o senhor Sánchez já está há uma semana a tentar que este debate não acontecesse”, acusou o líder socialista de se “ajoelhar perante os independentistas”.

E até Pablo Iglesias, interessado em governar ao lado do PSOE, disse que “alguns compromissos” assumidos pelos socialistas no início da legislatura “não foram cumpridos”.

Maquinal, e por isso tão eficaz como previsível, Pedro Sánchez respondeu a cada uma destas tiradas sublinhando que “é possível crescer com justiça social”.

A Catalunha é a praia de Rivera — e Sánchez só lá vai com protetor

Num debate que tratou de temas como política fiscal, segurança social ou possíveis pactos num cenário pós-eleitoral, foi quando o tema do modelo territorial espanhol surgiu na conversa (leia-se, a crise na Catalunha) que o tom mais subiu — e com ele subiu Albert Rivera, catalão e personagem fulcral do campo unionista naquela região.

“Caíram-me as lágrimas quando vi que tinha havido um golpe de Estado no meu país, ainda para mais no parlamento da minha terra, a Catalunha”, disse, sobre a declaração unilateral de independência do parlamento regional catalão, a 27 de outubro. “Mas, para o senhor Sánchez, isto tanto lhe faz.”

Em bom rigor, nenhum dos candidatos que se apresentaram esta segunda-feira nos estúdios da RTVE é a favor ou sequer indiferente à independência de Espanha — e só Pablo Iglesias admite a realização de um referendo à independência da Catalunha, desde que acertado entre o parlamento regional catalão e o poder central. Porém, Albert Rivera procurou explorar os silêncios de Pedro Sánchez, que governou em parte graças ao apoio dos independentistas catalães — e que, de acordo com as sondagens, voltará a precisar deles se quiser voltar a formar governo após as eleições de domingo.

Em abril de 2016, Albert Rivera chegou a apoiar uma investidura (falhada) de Pedro Sácnhez. Porém, três anos depois, no debate desta segunda-feira, provaram ser adversários acérrimos. “Que deceção”, atirou o socialista (GERARD JULIEN/AFP/Getty Images)

Em causa está o tema dos possíveis indultos aos independentistas presos e atualmente julgados pelos crimes de rebelião, sedição e, no caso de alguns, desvio de fundos públicos para a realização do referendo de 1 de outubro. “Não quero indultos, quero justiça”, sublinhou Albert Rivera logo ao início do debate, insistindo várias vezes neste tema.

Num desses momentos, Pablo Casado uniu esforços ao líder do Ciudadanos no tema, mas acabou por mentir — dizendo que o número um da Esquerda Republicana da Catalunha (ERC), Oriol Junqueras, ele próprio atrás de grades desde novembro de 2017, garantiu o apoio do seu partido ao PSOE caso este conceda um indulto aos políticos presos. De resto, de acordo com o El País, o líder do PP foi quem mais mentiu ao longo debate, com sete afirmações falsas (à frente de Albert Rivera com duas e dos restantes, com apenas uma) e três meias-verdades (contra duas de Pedro Sánchez).

Pressionado pelo tema dos indultos, Pedro Sánchez fugiu para a frente, em resposta pré-formatada e dirigida aos dois homens à sua direita:

“Vocês são licenciados em direito, sabem perfeitamente que há que respeitar a separação de poderes. Sabem que é preciso respeitar o trabalho da justiça, sabem que é preciso respeitar o trabalho do Tribunal Supremo. Não há precedentes de um presidente de governo que tenha dito antes de uma sentença o que vai fazer”.

À direita, Casado foi cerimonioso — e Rivera não fez cerimónia

Albert Rivera, porém, não se preocupou apenas com atacar Pedro Sánchez — a certa altura, também atirou contra Pablo Casado. “Onde estava o senhor Casado quando o PP subiu o IVA e IRPF? Eu digo: no assento parlamentar a votar favoravelmente”, lançou Albert Rivera, do Ciudadanos ao líder do PP. “Senhor Casado, se chegarmos a um acordo no futuro, vamos de ter mudar a sua política, de Rajoy e Montoro, por políticas liberais que baixem os impostos”, continuou.

E depois rematou com um ataque ao PP — que tem autoria da ministra das Finanças socialista, Maria Jesús Montero, que já o tinha dito em fevereiro deste ano — perguntando a Pablo Casado: “Sabe onde está o milagre económico do PP? Na prisão”, disse, segurando uma fotografia de Rodrigo Rato, ministro da Economia e vice-Presidente de Governo de José María Aznar, e atualmente preso por crimes de corrupção.

Os ataques a Pablo Casado partiram também de Pedro Sánchez, que pediu “limpeza” na política. “A sede do PP é o grande bazar da corrupção. No primeiro andar, há financiamentos irregulares. No segundo, enriquecimento ilícito. No terceiro, distribuição de dinheiro para sacos azuis. No quarto, coordenação da ‘polícia patriótica'”, disse em alusão final à célula oficiosa da polícia espanhola, alegadamente montada durante o governo de Mariano Rajoy, com o suposto intuito de fabricar provas e notícias falsas para prejudicar o Podemos.

Perante tudo isto, Pablo Casado não conseguiu passar uma resposta também pré-fabricada:

“Eu presido ao PP precisamente para virar a página das coisas que podem ter sido mal feitas no PP. E se eu ganhei as primárias no partido foi porque tive um comportamento muito firme contra qualquer caso de corrupção”.

Quanto ao grande ausente deste debate, o Vox, que foi impedido de participar nos debates eleitorais pela Junta Eleitoral Central por esta entender que essa entrada ia contra a ideia de “proporcionalidade” inscrita na lei, a estratégia de todos foi a de ignorar a formação de Santiago Abascal.

Houve, porém, duas exceções — sempre levadas a cabo por Pedro Sánchez, em direção aos líderes do PP e Ciudadanos que, para montarem o atual governo regional da Andaluzia, negociaram o seu programa com o Vox.

A primeira foi quando o socialista se dirigiu a Pablo Casado e lhe pediu que entregasse um recado ao seu hipotético aliado num futuro pós-eleitoral: “Diga aos seus amigos ausentes da ultra-direita que o ventre de uma mulher não é um táxi”. Tudo isto em referência a uma passagem de um livro de conversas entre o escritor Fernando Sánchez Dragó e o líder do Vox, no qual, como argumento anti-aborto, é defendido que uma mulher grávida está para o feto como um táxi está para um passageiro.

A segunda foi já em direção a Albert Rivera, relembrando os tempos em que, em abril de 2016, o Ciudadanos se uniu ao PSOE para aprovar (sem sucesso) um governo liderado por Pedro Sánchez. “Que deceção. Fiz um pacto consigo e agora abraça a ultradireita deste país”, atirou ao líder do Ciudadanos. Na mesma tirada, elencou ainda com detalhe os casos de corrupção em que o PP esteve recentemente envolvido. No final de tudo isso, o líder do PSOE acabou por atirar, ironicamente, ao líder do Ciudadanos: “Mas é com o PSOE que querem formar um cordão sanitário…”

Pablo Iglesias de Constituição em riste — e a amargura no final

A acompanhar tudo isto, esteve Pablo Iglesias. O líder da coligação Unidas Podemos, que irrompeu pela política espanhola em 2014 à força de discursos inflamados e acusações de dedo em riste, foi esta segunda-feira a voz mais serena e apaziguadora em todo o debate.

“Creio que a convivência não se pode recuperar com agressividade, creio que falta um pouco de diálogo e um pouco de cortesia, e um pouco menos de insultos e gritos”, disse, a respeito do tema catalão.

Tiros no parlamento, terrorismo e independentismo. Em 40 anos, a Constituição de Espanha abanou, mas (ainda) não caiu

De Pablo Iglesias, muito do que se viu foram intervenções nas quais levantava com a mão uma edição impressa da Constituição de 1978, versão de bolso. O líder do Podemos, que em tempos criticava o statu quo político espanhol, acusando-o de formar parte do “regime de 78”, foi aquele que mais evocou a Constituição, lendo várias vezes alguns dos seus artigos por completo.

Numa dessas ocasiões, Pablo Iglesias referiu o Artigo 50, que refere que estão garantidas “pensões adequadas e periodicamente atualizadas (…) durante a terceira idade”. Assinalando que esta não é a realidade, acrescentou:

“Creio que não é preciso fazer uma grande revolução, basta fazer uma lei que determine que as pensões se atualizem com a inflação”.

Houve, porém, três ocasiões em que Pablo Iglesias pôs a Constituição de 1978 de lado e se concentrou no manual de matemática de coligações de 2019 em Espanha. Nesse espírito, foram três vezes aquelas em que perguntou a Pedro Sánchez se estava ou não disposto a fazer uma coligação com o Ciudadanos — e foram três as vezes em que ficou sem resposta.

Numa dessas ocasiões, porém, a resposta partiu do próprio Albert Rivera. “Esteja descansado, que não vai haver um pacto”, respondeu o líder do Ciudadanos à margem da pergunta de Pablo Iglesias, imprimindo no debate um tom direto e rápido.

No final do debate, cada um dos partidos reagiu pela voz dos seus líderes — à exceção do PSOE, com Pedro Sánchez a sair de forma imediata dos estúdios da RTVE — ao debate.

No final, Pablo Iglesias viria a admitir que aquela ausência de resposta lhe ficou atravessada. “Vou-me embora com um elemento de uma certa amargura. Perguntei várias vezes ao candidato do PSOE se descarta um acordo de governo com o Ciudadanos — creio que quando vimos a estes debates temos de ser claros com a cidadania e clarificar com quem queremos negociar e porquê — e [Sánchez] não quis responder às três vezes em que o fiz.”

Esta terça-feira, a corrida continua, com um novo debate, desta vez agendado para as 22h00 locais (21h00 de Lisboa) e com transmissão nos meios do grupo Atresmedia. A estrada continua — mas, depois desta segunda-feira, ficou claro quem vai à frente e quem muito dificilmente vai recuperar.