Na comissão parlamentar de inquérito à gestão da Caixa Geral de Depósitos da semana passada Joe Berardo disse não ser dono de nada e não ter dívidas — mesmo sendo responsável por créditos não pagos de 400 milhões de euros àquela instituição bancária. O empresário nascido na Madeira tem feito negócios em várias áreas, setor do vinho incluído. Muitos não lhe associam o nome aos rótulos da Bacalhôa ou da Aliança, mas há quem esteja atento a isso. A garrafeira e loja gourmet BacoAlto anunciou esta terça-feira um boicote aos vinhos associados a Berardo.
Na respetiva página de Facebook, o pequeno negócio localizado no Bairro Alto, em Lisboa, publicou uma nota onde informa que, a partir desta terça-feira, “não compra nem aconselha vinhos das empresas em que José Manuel Rodrigues Berardo é acionista”. “As razões são mais do que conhecidas”, diz, referindo-se à associação de Berardo a projetos como a produtora Bacalhôa. “A vossa atitude pode fazer a diferença”, lê-se ainda na publicação. Ao Observador, o gerente do espaço assegura que a decisão não reflete a qualidade dos vinhos. “Temos perfeita noção de que os vinhos destas empresas são bons. O acionista é que deixa muito a desejar”, diz António Albuquerque.
Nas redes sociais há vários apelos ao boicote. Fazendo uma procura pelos vinhos em associação com Berardo, encontra-se uma publicação que apela ao boicote dos vinhos da Bacalhôa, acompanhada de uma imagem que mostra uma cruz vermelha sobre alguns dos rótulos desta empresa, sediada na região de vinhos de Setúbal. O post foi, até ao momento em que este artigo foi escrito, partilhado mais de 7 mil vezes. Uma outra publicação com uma mensagem semelhante está prestes a quebrar a barreira das 10 mil partilhas.
Do outro lado há quem lembre que na empresa trabalham diversas pessoas que não estão ligadas à polémica. É o caso de Alexandre Silva, chef do restaurante Loco, em Lisboa, que na sua página de Facebook faz o alerta: “Alguém pensou nas pessoas que lá trabalham e precisam do ordenado para colocar comida na mesa?”. A página do chef é privada, mas o comentário está público.
O Observador consultou quatro outras garrafeiras — três em Lisboa e uma no Porto — e todas garantem que não se aperceberam da existência de clientes com menos vontade em adquirir estes rótulos. Luís Cândido, da Garrafeira Tio Pepe, no norte do país, assegura que não notou qualquer desinteresse acrescido por estes projetos e garante que tanto a Bacalhôa como a Aliança, ambas praticamente centenárias, “são marcas fortes que existem há muito tempo”, pelo que acredita que a associação ao nome de Berardo não terá implicações no negócio.
Mais de 60 vinhos
Mas, afinal, que vinhos estão associados a Berardo? Em 1998, o empresário tornou-se no principal acionista da Bacalhôa, segundo o site da empresa, e investiu “no plantio de novas vinhas, na modernização das adegas e na aquisição de novas propriedades, iniciando ainda uma parceria com o Grupo Lafitte Rothschild na Quinta do Carmo”. Quase dez anos depois, em 2007, a Bacalhôa tornou-se na maior acionista da Aliança, produtor bairradino de espumantes de grande prestígio, também autor de aguardentes e vinhos de mesa. Mais um ano, mais uma aquisição, com o grupo a comprar a alentejana Quinta do Carmo em 2008.
Da Bacalhôa Vinhos de Portugal, S.A. faz ainda parte a Quinta dos Loridos, há muito ligada à produção de espumantes, que deixou de produzir vinho em 2014. Inserida na região dos vinhos de Lisboa, engloba o Buddha Eden Garden — composto por estátuas de terracota, pagodes e Budas, entre outras construções –, idealizado pelo próprio Berardo.
Entre Bacalhôa, Aliança e Quinta do Carmo estão cerca de 60 referências de vinho, dos quais o mais conhecido é talvez o JP Azeitão. A esse acrescentam-se, a título de exemplo, os rótulos Quinta da Bacalhôa, Palácio da Bacalhôa, Quinta do Carmo, Aliança Velha, Espumantes Aliança, Moscatéis de Setúbal, Quinta dos Quatro Ventos, entre outros. A Península de Setúbal é aquela que é representada por mais vinhos (cerca de 20), com as Beiras a ter apenas uma referência.
A Bacalhôa, enquanto empresa, tem adegas em diferentes regiões vitivinícolas do país — Alentejo, Península de Setúbal, Lisboa, Bairrada, Dão e Douro — e uma capacidade total de 20 milhões de litros, 1.500 barricas de carvalho e uma área de vinhas em produção a chegar aos 1.200 hectares, de acordo com a página oficial do grupo.
Contactada pelo Observador, a Bacalhôa não fez comentários até à hora de publicação deste artigo.
Em tempos, Joe Berardo chegou a ter uma participação de cerca de 30% do capital da também produtora de vinhos Sogrape, percentagem que, ao fim de seis anos marcados por batalhas judiciais, acabou por vender à família Guedes, os principais acionistas daquela empresa.