Gastou-se mais um milhão de euros do que o previsto em 2018 e, no ano seguinte, mais 100 milhões. Por isso mesmo, o Tribunal de Contas (TdC) concluiu que o custo da distribuição de manuais escolares gratuitos tem sido suborçamentado. Num relatório do TdC, divulgado esta quinta-feira, e onde o Ministério da Educação apresenta o contraditório, o custo adicional da medida em 2018 é parcialmente justificado, mas fica sem se perceber o porquê de em 2019 a dotação ter ficado pelos 47,3 milhões de euros — o que apenas seria suficiente para distribuir manuais ao 1.º e 2.º ciclo, quando a Lei do Orçamento do Estado prevê a sua gratuitidade até ao 12.º ano. “Tal insuficiência orçamental não é compreensível”, lê-se no relatório.

A estimativa do Instituto de Gestão Financeira da Educação (IGeFE) para a execução da medida é de 144,6 milhões de euros em 2019, relembra o TdC, e, por isso, “não se compreende uma insuficiência orçamental de tal dimensão, ou seja três vezes inferior ao estimado (menos cerca de 100 milhões de euros), em desconformidade com o estabelecido na Lei do Orçamento de Estado 2019”, escrevem os relatores.

A orçamentação da medida para 2019 irá abranger o ano letivo de 2019/2020 (que se inicia em setembro próximo), altura em que os manuais escolares serão gratuitos para todos os alunos que frequentem o ensino obrigatório na rede pública ou em escolas privadas com contrato de associação. O alargamento da medida — que este ano letivo abrangia alunos apenas até ao 2.º ciclo — resultou de um acordo entre Governo e PCP.

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Para 2019, tal como aconteceu no ano anterior, prevê-se que a dotação da medida seja reforçada no decorrer da execução. No entanto, apesar disso, em 2018 o reforço continuou a ser insuficiente. O TdC lembra que o orçamento inicial do ano passado (11,2 milhões de euros) incluía dotações apenas para a aquisição dos manuais de 1.º ciclo, embora a Lei do Orçamento do Estado já previsse o alargamento da medida até ao 2.º ciclo.

A explicação do Ministério da Educação e da IGeFE é que à data da elaboração do orçamento daquele organismo (agosto de 2017) não foram consideradas estimativas para a aquisição dos manuais do 2.º ciclo porque estas “eram desconhecidas e não se encontravam formalizadas”.

Apesar disso, o TdC considera que mesmos os reforços seguintes ficaram aquém do necessário: “Em 2018 (ano escolar 2018/2019), o orçamento inicial foi insuficiente e, mesmo após o reforço tardio (até 28 de dezembro de 2018), manteve-se insuficiente (28,7 milhões de euros) para a execução da medida que veio a atingir 29,8 milhões de euros (sem incluir 9,5 milhões de euros para licenças digitais).”

3,1 milhões de dívidas às livrarias por liquidar

Embora o pagamento às livrarias — que entregam os manuais escolares às famílias mediante apresentação de vouchers — devesse ocorrer entre setembro e outubro de 2018, o TdC dá conta de que a 19 de março de 2019 a dívida ainda se situava nos 3,1 milhões de euros. O procedimento ditava que o pagamento às livrarias fosse efetuado pelas escolas, depois de estas receberem as correspondentes verbas do IGeFE.

Estas regras foram entretanto alteradas, como deu conta a secretária de Estado Adjunta da Educação no parlamento, em finais de abril. Para evitar atrasos na transferência de verbas, no próximo ano letivo, o processo de pagamento às livrarias será centralizado no IGeFE.

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Em sede de contraditório, lê-se no relatório, o IGeFE diz não poder “assumir de forma clara que a dívida às livrarias ronde os 3,1 milhões de euros”, já que por “dívida às livrarias entende-se qualquer verba que não tenha sido paga pelo estabelecimento de ensino e cuja fatura já tenha sido emitida pela livraria”, podendo estar em causa apenas timings diferentes. O ministério responde no mesmo sentido, concluindo que o valor identificado como dívida pode ser reflexo do desfasamento temporal do registo contabilístico por parte das escolas.

Apesar disso, e aceitando que para “o pagamento não atempado às livrarias contribuiu a dificuldade das escolas devido à escassez de recursos humanos e ao elevado número de manuais e de livrarias aderentes”, o TdC defende que o motivo principal para ainda existir dívida é outro: “É sobretudo a insuficiente orçamentação da medida em 2018 a que antes se aludiu que constitui o fator determinante para a existência da dívida.”

Apesar disso, o relatório elogia a capacidade de num curto espaço de tempo (três meses) a plataforma MEGA, que faz a distribuição de vouchers para os manuais escolares, ter ficado operacional permitindo que 528 mil alunos, do 1.º e 2.º ciclo do ensino básico, em 723 agrupamentos de escolas terem recebido manuais escolares gratuitos, relembrando que esta operação envolveu cerca de 1,8 mil livrarias e quase 410 mil encarregados de educação.

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Fraca reutilização compromete economia da medida e tem de ser aleatória

A reutilização de manuais escolares não teve expressão, prejudicando a economia da medida, refere o relatório do TdC. O documento sustenta que 115 agrupamentos não aderiram à reutilização — que implica que os alunos devolvam os livros em bom estado no final do ano para serem entregues a outros — e nos 608 que aderiram a percentagem de vales emitidos de manuais reutilizados não ultrapassou os 11% no 1.º ciclo e os 0,4% no 2.º ciclo. E destes, acrescenta, desconhece-se “quantos manuais se encontram, efetivamente, a ser utilizados pelos alunos”.

Tendo em conta que a economia da medida está associada à reutilização de manuais, a sua fraca expressão, decorrente de ineficiências do processo, resultará, se recorrente, num esforço acrescido do Orçamento do Estado no financiamento da medida. Assim, se a política de reutilização não se consolidar, a sustentabilidade da Medida ‘Gratuitidade dos manuais escolares’ fica comprometida”, concluem os relatores.

O Ministério da Educação discorda desta leitura e aponta que a economia já tem um número: os 107 mil manuais reutilizados para os quais foram emitidos vouchers: “A economia da medida é garantida a partir da emissão dos vouchers, não dependendo da sua aceitação pelos pais. Isto é, a partir do momento em que um voucher de manual reutilizado é emitido, esse manual não é pago de novo.” Para o próximo ano letivo, acrescenta, já será possível saber o valor de manuais reutilizados em uso, já que a plataforma MEGA está a sofrer várias melhorias de forma “a corrigir as limitações sentidas no ano anterior”.

As escolas também receberam um Manual de Apoio de Reutilização de Manuais Escolares, como já tinha sido anunciado no Parlamento, e que se espera que faça aumentar o número de alunos que recebem livros em segunda mão.

O IGeFE, por seu lado, explica que houve indicações dos serviços centrais para a não utilização de manuais reutilizados no atual ano letivo no 2.º ciclo, por ser o primeiro ano de aplicação da medida para o 5.º e 6.º anos de escolaridade.

Ainda sobre a reutilização de manuais, o TdC critica que a sua atribuição nem sempre tenha sido aleatória, já que a plataforma permitia serem as escolas a fazê-lo de forma manual ou não. Esta possibilidade, sustenta-se no relatório abria a porta a que houvesse alunos só com manuais novos e outros só com livros em segunda mão. No próximo ano isso já não será possível, já que o ministério garante que essa opção foi retirada da plataforma MEGA, passando a estar sempre prevista a aleatoriedade na atribuição dos manuais reutilizados.

Já a eficácia da medida não é posta pelo TdC uma vez que foram foram levantados 2,1 milhões manuais novos, ou seja, resgatados 80% dos vales.

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