Tudo começou bem cedo, por volta das 7h15 da manhã desta terça-feira. A sessão inaugural do Congresso dos Deputados espanhol tinha início marcado para as 10h30, mas os deputados do partido de extrema-direita Vox, caloiros no Parlamento, chegaram bem mais cedo. O motivo? Escolher as cadeiras que ocupariam durante a sessão, onde não havia lugares marcados por ser apenas o encontro inaugural da câmara. E o Vox não hesitou em escolher os lugares mais apanhados pelas câmaras de televisão, que ficam mesmo atrás do presidente do governo, Pedro Sánchez, habitualmente ocupados pelos deputados do Partido Socialista (PSOE), como conta a agência Europa Press. Só que teve um percalço: o socialista catalão José Zaragoza não esteve com meias medidas e ocupou um lugar no meio dos deputados do Vox, por o considerar seu de direito.

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O próprio Zaragoza, do PSC (Partido Socialista da Catalunha, braço do PSOE na região), contou ao El Confidencial como tudo aconteceu. “Estava a começar a tomar o pequeno-almoço quando o Rafa Simancas [secretário-geral do partido no Congresso] me telefonou: ‘Os do Vox puseram-se no nosso sítio, vamos para lá.’ Ao chegar lá, vejo que havia um lugar vazio e sem dizer nada passei por eles”, revelou o deputado ao telefone, um dia depois do acontecimento. Os outros socialistas olhavam para os deputados do Vox incrédulos, “como crianças pequenas, desorientados, sem saber o que se passava”, recordou Zaragoza ao El Español.

Santiago Abascal, o líder do Vox que estava sentado no lugar habitualmente ocupado pela porta-voz do PSOE (Adriana Lastra), ter-se-á então virado para Zaragoza e perguntado o que fazia ali o socialista. A resposta foi pronta: “Este é o nosso lugar.” O momento, confessou Zaragoza, “foi um pouco tenso”. “Mantive-me frio, mas por dentro o meu coração estava a mil.”

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Zaragoza ali ficou, no meio dos deputados do Vox, tendo vista priveligiada para as suas reações. Registou com desagrado algumas delas. Foi o caso do gesto de surpresa feito por Abascal quando a ex-líder do Ciudadanos na Catalunha, Inés Arrimadas, cumprimentou o independentista Jordi Turull com um beijo. E também os comentários depreciativos feitos aos deputados Arnau Ramírez e Felipe Sicilia, que traziam camisolas cm o Gaysper, o símbolo usado pelo Vox contra os movimentos LGBT que tem sido apropriado por estes. “Que se beijem!”, atiraram alguns deputados da força de extrema-direita aos dois deputados em causa.

Mas o socialista Zaragoza também confessou ao El Confidencial e ao El Español que o tom entre ele e os deputados do Vox foi melhorando ao longo da sessão. Zaragoza, que está no Congresso desde 2011, explicou-lhes onde eram as casas-de-banho e como se vota na câmara. Ficou “supreendido” com o nível de desconhecimento do funcionamento do Parlamento espanhol por parte do Vox, confessou. Mas também reconheceu que Abascal foi “educado” e “amável”.

Não ia deixar que fizessem pouco de mim. Ao início houve tensão, mas acalmou logo. No final, disseram-me meio a sério meio a brincar que me tinham cercado. Respondi-lhes que não e apontei para o resto do hemiciclo: ‘Ainda não perceberam que vocês é que estão cercados e que eu vim negociar a vossa redinção’. Abascal riu-se”, contou Zaragoza.

No fina, apenas uma dúvida restou: o Vox sentou-se naqueles lugares de propósito ou por engano? Zaragoza garante que foi a segunda hipótese, segundo lhe terá confessado o próprio Abascal, que teria confundido as pontas do hemiciclo e sentado no lugar do PSOE quando queria ocupar os lugares do Partido Popular — no Congresso dos Deputados, os principais partidos da esquerda e da direita sentam-se nas pontas.

Uma versão que é, no entanto, desmentida por fontes do próprio Vox. “Os lugares iam ser ocupadas pela ERC e nós adiantámo-nos. Somos a Espanha que madruga para isso mesmo”, disseram ao El Español. O objetivo, explicam, era só um: “Queríamos aparecer atrás de Sánchez.”