Catarina Loureiro desmente ter sido detida esta semana em Madrid por suspeitas de branqueamento de quatro milhões de euros com origem ilícita, ao contrário do que avançou esta quinta-feira a TVI.
“Perante as notícias que estão a ser veiculadas por meios de comunicação social em Portugal, venho informar e desmentir categoricamente que tenha sido detida ou chamada a prestar declarações em qualquer investigação policial”, afirmou num curto comunicado enviado para o Observador.
De acordo com a notícia da TVI, as autoridades espanholas suspeitam que Raúl Morodo, ex-embaixador de Espanha na Venezuela entre 2004 e 2008 e uma figura histórica da esquerda espanhola, estará envolvido num alegado esquema de corrupção com fundos da empresa pública Petróleos de Venezuela (PDVSA). O filho do embaixador, Alejo Morodo e a sua mulher (Catarina Loureiro), são suspeitos de terem ajudado aquele diplomata a branquear os fundos recebidos da Venezuela. Estão em causa cerca de 4 milhões de euros que terão sido transferidos entre 2008 e 2013 a coberto de uma consultadoria jurídica para a abertura de uma filial da PDVSA em Espanha e em Portugal.
Alejo Morodo, considerado um alegado testa-de-ferro do seu pai Raúl, e os três suspeitos acabaram por sair em liberdade. Ficaram no entanto obrigados a apresentações às autoridades e proibidos de se ausentarem de Espanha. Os jornais espanhóis El País, El Mundo e El Español noticiaram esta segunda-feira a detenção de Alejo Morodo mas não referem qualquer participação de Catarina Loureiro no alegado esquema criminoso sob suspeita. Na operação também foram feitas oito buscas, entre as quais uma nos escritórios do ex-embaixador, em Madrid.
Este é mais um caso de alegados desvios milionários de fundos da PDVSA às ordens dos governos de Hugo Chavéz e de Nicolas Maduro. Tal como o Observador tem noticiado desde 2018, as autoridades judiciais de Portugal, Espanha e dos Estados Unidos têm cooperado de forma próxima para desvendar os diversos esquemas de corrupção que tiveram a petrolífera estatal venezuelana como principal financiadora.
Salgado e BES envolvidos em esquema de corrupção de 3,5 mil milhões de euros na Venezuela
A detenção do filho do embaixador Morodo
A detenção de Alejo, advogado como o pai Raúl e de mais três suspeitos ocorreu esta segunda-feira e foi amplamente noticiada pelos principais media espanhóis de forma muito similar. Raúl Morodo, que tem 84 anos e que não foi preso devido à sua idade, é suspeito de ter assinado diversos contratos de prestação de serviços jurídicos com a PDVSA que serão fictícios. Isto é, apesar de vários desses contratos descreverem que a “assessoria à empresa [PDVSA] do escritório de advogados de Alejo Morodo” versa “sobre as actividades da PDVSA em Portugal e e Espanha”, tal assessoria jurídica nunca terá ocorrido, segundo documentos divulgados pelo El País.
O primeiro desses contratos foi firmado em 18 de agosto de 2008 entre a PDVSA e uma sociedade de advogados madrilena chamada Aequitas Abogados Consultores Associados. Por esse contrato alegadamente fictício, Alejo Morodo terá cobrado cerca de 700 mil euros. De acordo com o El País, nenhum responsável de empresas petrolíferas a operar em Espanha conheciam as atividades jurídicas de Raúl e Alejo Morodo como representantes da PDVSA.
Segundo o El Mundo, os pagamentos mais importantes (cerca de dois milhões de euros) terão ocorrido em 2011 e em 2012 através de uma sociedade offshore chamada Furnival Barristers Corporation que era alegadamente controlada por Alejo Morodo e que tinha contas no Credit Suisse, em Genebra.
Desde 2015 que a Unidade de Criminalidade Económica e Fiscal da Polícia Nacional espanhola investiga estas transferência. Foi também nessa altura que o jornal El Pais confrontou Alejo Morodo com os contratos realizados com a PDVSA. O histórico diplomata espanhol justificou então ao periódico de Madrid que os pagamentos da PDVSA relacionavam-se com a constituição de uma filial em Espanha para operar em território espanhol e em Portugal mas recusou dar mais pormenores invocando o sigilo profissional entre advogado e cliente. Diz o El País que a PDVSA não tinha actividade em Espanha nos anos que foram feitas as transferências.
Todos os pagamentos efectuados aos Morodo terão sido autorizados por Rafael [Rafa] Ramirez, então ministro da Energia e presidente da PDVSA. Recorde-se que Rafa Ramirez também está a ser investigado em Portugal no âmbito do caso BES, nos Estados Unidos e na Venezuela por suspeitas de corrupção, fraude fiscal e branqueamento de capitais.
Quem é Raúl Morodo?
Raúl Morodo, sogro de Catarina Loureiro, também já foi embaixador de Espanha em Portugal, entre 1995 e 1999. E foi nesse período que o seu filho Alejo e Catarina Loureiro se conheceram, tendo casado na Quinta Patiño, em Cascais, refere a TVI. O casamento contou com a presença dos ex-presidentes da República Mário Soares e Cavaco Silva, do ex-primeiro-ministro Durão Barroso e do empresário Belmiro de Azevedo.
Morodo foi uma figura muito relevante na sociedade portuguesa da segunda metade dos anos 90. Nascido na Galiza, muito amigo de Mário Soares, mas fazendo também pontes para a direita através de Cavaco Silva, o então embaixador de Espanha era alvo regular da comunicação social.
O diplomata tinha conhecido Soares em Paris nos anos 60, quando ambos se opunham às ditaduras de Salazar e de Franco. Raúl Morodo tinha criado o Partido Socialista do Interior (PSI) com Tierno Galván — outra figura histórica da oposição espanhola — e com Soares conheceu os socialistas sul-americanos que nos anos 60 e 70 também lutavam contra os regimes ditadoriais no Brasil, Argentina, Chile, Paraguai, entre outros, como recordou Morodo num artigo escrito no El País em 2017, um dia depois da morte de Soares.
Já nos 70, o PSI mudou de nome para Partido Socialista Popular — formação que, juntamente com mais quatro forças da esquerda espanhola, fundiram-se no Partido Socialista Operário Espanhol (PSOE). Em 1983, o Governo de Felipe González nomeou-o embaixador permanente na UNESCO.
Raúl Morodo chegou a ser condecorado pelo presidente Jorge Sampaio com a Grã-Cruz da Ordem de Cristo. Poderá vir a perder a distinção se for acusado, julgado e condenado devido à investigação em que é o principal suspeito.
Artigo em atualização