A política de estímulos monetários e juros baixos (ou negativos) que tem vindo a ser seguida pelo Banco Central Europeu (BCE) está a criar o perigo de “bolhas” no mercado imobiliário de vários países europeus, acusa o banco alemão Commerzbank num relatório que antecede a reunião periódica do BCE, esta quinta-feira. Portugal, sendo um dos países onde os preços das casas têm subido mais rapidamente, “se o ímpeto atual se mantiver, os excessos no mercado são apenas uma questão de tempo“.
“Na Holanda e em Portugal, os preços das casas têm subido mais rapidamente, nos tempos recentes. Isto pode não ser visto como uma bolha, para já, dado que os preços no início da recuperação recente estavam em níveis muito baixos — e, no caso de Portugal, tinham vindo a cair entre o início do euro e 2015”, escreve o Commerzbank na nota de análise assinada pelo analista Ralph Solveen. Mas, nestes dois países, “se o ímpeto atual se mantiver, os excessos no mercado são apenas uma questão de tempo”, assinala o banco de investimento.
Os preços das casas subiram a um ritmo superior a 23% tanto em Lisboa como no Porto, segundo dados divulgados pelo Instituto Nacional de Estatística (INE) no início de maio. Pela primeira vez desde o primeiro trimestre de 2016, os valores medianos de venda das sete freguesias da cidade do Porto ficaram acima de 1.000 euros por metro quadrado. Em Lisboa, os preços chegaram aos 4.000 euros por metro quadrado, com a mediana de preços acima de 3.000 euros.
Em outros países, além de Portugal e Holanda, existe um cenário heterogéneo. Os únicos países onde o Commerzbank não vê riscos de formação de bolha no imobiliário são Itália e Finlândia, onde desde 2015 os preços das casas sobem a um ritmo mais brando do que os valores dos arrendamentos.
Em países como a Alemanha e Áustria, “os valores das casas estão, neste momento, mais elevados do que no início de 2008, isto é, o auge da última bolha no imobiliário”. Isto não significa que seja um “sinal de alarme” mas pelo menos na Alemanha, onde os preços das casas estão 10% mais elevados do que no início da união monetária, “os riscos estão a subir”, diz o Commerzbank.
Onde já há “sinais de que as casas estão significativamente sobrevalorizadas” é em países como França, Bélgica e Luxemburgo. “Neste grupo, os preços das casas subiram de forma acentuada nos primeiros anos da união monetária, sem que tenha havido uma correção significativa na sequência da crise financeira e da crise da dívida soberana”, diz o banco alemão, defendendo que “nestes três países o perigo de uma bolha imobiliária é considerável”.
Ao contrário desses países, na Irlanda e em Espanha houve, de facto, uma correção súbita nos anos da crise. Nesta fase, “os preços continuam abaixo dos valores de 2008, que eram exorbitantes devido à bolha gigantesca que se tinha formado nestes dois países nos primeiros anos da união monetária”. Irlanda e Espanha são dois casos em que “sem dúvida que não é necessário voltar aos níveis de 2008 para podermos começar a falar em distorções no mercado imobiliário habitacional”.
Em Espanha, o fator de análise mais preocupante é que a relação entre os preços das casas e os valores dos arrendamentos atinja um “nível perigoso nos próximos anos, caso os preços continuem a subir ao ritmo atual”. Já no caso da Irlanda, “os preços das casas medidos desta forma aumentaram de forma moderada nos últimos anos, porque as rendas têm subido a uma taxa anual média de quase 7,5% nos últimos cinco anos — apesar de a inflação não ir além dos 0,2% — o que indica que estamos perante um mercado imobiliário sobreaquecido”.
De um modo geral, o que tranquiliza o banco de investimento é que não parece haver um “boom” de construção, quando se analisa o peso da construção no Produto Interno Bruto (PIB). Além disso, o contra-peso da política de juros baixos é que os níveis de dívida (sobretudo, dívida privada) não estão a subir, salvo exceções como Bélgica e França. Com juros mais baixos acelera-se o efeito das amortizações de dívida, mas no efeito global o Commerzbank considera que o perigo de bolhas no mercado imobiliário é uma evidência de que “não há almoços grátis” na política monetária.