Portugal e Espanha são “estrelas que não brilham tanto assim“, embora os investidores vejam os dois países como verdadeiras “estrelas” nos mercados financeiros nos últimos anos, à medida que o Banco Central Europeu (BCE) acentuou os estímulos monetários na zona euro. O aviso é do economista do banco de investimento Commerzbank, Ralph Solveen, que acompanha as economias ibéricas – economias que podem vir a enfrentar “problemas graves” porque os seus governos “estão atualmente a concentrar-se mais na redistribuição do que em fazer reformas estruturais, até mesmo revertendo parcialmente reformas já feitas”.

No relatório, difundido pelos clientes do banco, o Commerzbank começa por recordar que “passaram menos de nove anos desde que apenas um pacote de assistência financeira evitou a bancarrota de Portugal” e que Espanha também precisou de ajuda europeia para recapitalizar os bancos. Ralph Solveen diz que tanto um país como outro fizeram progressos desde essa altura mas continuam a evidenciar “fragilidades consideráveis que não devem ser ignoradas” e que podem causar “problemas graves caso surja um ambiente menos favorável“.

Essa não é uma realidade a que os investidores estejam especialmente atentos, assinala o economista, já que a compressão das taxas de juro provocada pela política do Banco Central Europeu fez com que “estes dois países, aos olhos dos investidores, estejam a ser vistos mais como países do centro da Europa do que países da periferia”. Basta olhar para as taxas de juro no mercado: a dívida portuguesa a 10 anos está com taxas de 0,24% e a espanhola perto de 0,25% (embora estas taxas tenham de ser vistas à luz do facto de a Alemanha ter dívida a 10 anos com yields negativas de -0,43%).

Centeno diz que juros da dívida em mínimos históricos “não são por causa do BCE”

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As taxas de juro – que Mário Centeno disse recentemente não ser “por causa do BCE” mas, sim, por causa das políticas do Governo – devem continuar em níveis baixos, antecipa o Commerzbank, porque não há qualquer sinal de inversão da estratégia de estímulos do banco central. Mas há “vários fatores que colocam pontos de interrogação sobre a avaliação muito positiva que os mercados financeiros estão a fazer dos dois países“: o que é paradoxal é que alguns dos fatores de risco estão, na realidade, a dar um impulso positivo à economia (pelo menos no curto prazo) mas só irão evidenciar os seus efeitos negativos de forma significativamente retardada e, provavelmente, apenas quando existir um contexto económico menos favorável“.

Um desses fatores, onde Portugal aparece mal na figura, está nos indicador dos custos unitários do trabalho, sendo evidente que “a competitividade de preço em Portugal já começou a deteriorar-se nos anos recentes e, apesar de algumas reformas que foram feitas durante a crise, o país tem um desempenho significativamente pior do que a média da OCDE em vários estudos sobre eficiência no mercado de trabalho“.

O Commerzbank assinala que os mercados financeiros estão a concentrar-se, superficialmente, no facto de economias dos dois países terem crescido acima da média europeia em 2019 pelo quarto ano consecutivo. Mas este é um raciocínio que “tem de ser posto em perspetiva com uma avaliação mais aprofundada”:

Não há qualquer dúvida de que Portugal e Espanha fizeram progressos significativos em muitos problemas estruturais e estão, agora, numa posição melhor do que estavam na altura da crise financeira ou da introdução do euro. Mas alguns dos pontos positivos têm de ser postos em perspetiva com uma avaliação mais aprofundada, e especialmente o mercado de trabalho poderá revelar-se uma fraqueza significativa nos próximos anos”.

O banco alemão destaca o equilíbrio das contas públicas (designadamente o excedente previsto no orçamento de 2020) que tem sido “celebrado nos mercados”. Mas “também isso acaba por ser menos extraordinário do que parece“. “Os progressos recentes nesta matéria devem-se apenas à boa situação económica cíclica e às taxas de juro cada vez mais baixas determinadas pelo BCE”, diz Ralph Solveen, assinalando que “sem estes dois efeitos o rácio de dívida/PIB de Espanha ter-se-ia agravado em quase três pontos percentuais desde 2014 e o défice de Portugal ter-se-ia mantido inalterado”, o que no caso de Portugal seria um desenvolvimento semelhante ao resto da zona euro mas que no caso de Espanha seria mais preocupante.

Além disso, uma parte significativa da redução do défice até 2014 foi obtida graças à redução do investimento público, no tempo da troika, mas “desde aí o investimento continua muito abaixo da média dos outros países da zona euro, o que é difícil de suster no longo prazo sem que surjam consequências negativas para a competitividade dos países”, avisa o Commerzbank.

O risco é que a mais longo prazo “fragilidades como estas podem tornar-se muito mais óbvias e fazerem abrandar o crescimento económico”, diz o banco alemão. Nesse caso, é provável que os mercados financeiros façam uma “reapreciação” da situação real de Portugal e Espanha, “o que provavelmente iria fazer subir os prémios de risco da dívida pública novamente”.