Os túmulos de duas princesas alemãs — Sophie von Hohenlohe e Carlotta Federica de Mecklenburg — abertos esta quinta-feira em busca de Emanuela Orlandi, a jovem que desapareceu aos 15 anos em 1983 em Roma, estavam vazios. Agora, as interrogações em redor do paradeiro de Emanuela  aumentaram ainda mais: ninguém sabe onde está ela, nem onde estão os restos mortais das princesas alemãs que se julgavam enterradas naqueles túmulos, confirmou a Santa Sé em comunicado.

Segundo declarações de Pietro Orlandi, irmão de Emanuela, aos jornais italianos, “os funcionários tiraram a laje do primeiro túmulo, cavaram cerca de 30 centímetros e descobriram que havia um caixão por baixo, mas incrivelmente estava vazio”, relata ele. “Depois passámos para o segundo túmulo, um sarcófago para o qual apenas a lápide precisava ser levantada. Mas mesmo isso estava completamente vazio”, recorda.

Pietro Orlandi, que está há 36 anos a tentar encontrar a irmã, não esconde a deceção: “Recebemos relatórios detalhados, não apenas os dados contidos na carta anónima. Também fomos informados de que, tal como o local de enterro de Emanuela, também há pistas dentro do Vaticano. Esta história não pode terminar assim. Porque é que todas essas pessoas nos direcionaram para lá? As famílias das princesas sabiam que não havia corpos? Onde estão?”, questiona o irmão de Emanuela.

Antes ainda de serem levantadas as lápides das princesas, eram 08h15 em Roma (mais uma hora do que em Portugal Continental), o Reitor do Colégio Teutónico rezou uma oração pelas duas princesas que se julgava estarem sepultadas ali. Só depois é que os funcionários começaram a desenterrar os túmulos, numa operação que durou quatro horas e que necessitou do esforço de 15 funcionários da Fábrica de São Pedro, um especialista contratado pela família Orlandi, o promotor de Justiça do Vaticano e o comandante da Guarda do Vaticano.

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Mas ao fim de quatro horas, não só as respostas não surgiram como as perguntas ainda se adensaram mais. Nada naquele local parecia ter pistas sobre o paradeiro de Emanuela Orlandi. Mais ainda: os restos mortais de Sophie von Hohenlohe e de Carlotta Federica de Mecklenburg tinham desaparecido sem deixar rasto do compartimento de 4 metros de comprimento e 3,70 metros de largura.

Em entrevista à Vatican News, Giovanni Arcudi, o especialista em antropologia forense responsável pela análise dos restos mortais e do ADN que seria encontrado nos túmulos, explicou que Sophie morreu em 1836 e Carlotta quatro anos mais tarde. Nenhuma delas foi encontrada no túmulo. A família das duas princesas já foi informada do desaparecimento dos restos mortais, garante a Santa Sé.

Carlota Federica de Mecklemburgo-Schwerin foi princesa da Dinamarca e Noruega entre 1806 e 1810. Filha do duque Federico Francisco I de Mecklemburgo-Schwerin e de Luisa de Sajonia-Gotha, casou depois com Cristiano VIII da Dinamarca e chegou à Coroa. Ainda teve um filho — que herdou a coroa do pai — mas o casal divorciou-se em 1810 quando Carlota se envolveu numa relação extraconjugal com o músico e compositor Édouard Du Puy. Proibida de visitar o filho, foi viver para Roma e converteu-se ao catolicismo. Quando morreu, foi enterrada no Cemitério Teutónico.

“Olha para onde o anjo está a apontar”

Em março deste ano, Pietro Orlandi recebeu a mais recente pista que o pode guiar até ao paradeiro da irmã: uma carta com a fotografia de uma escultura de um anjo e uma mensagem no verso — “Olha para onde o anjo está a apontar”. Em 1983, Emanuela Orlandi, com 15 anos à época, desapareceu enquanto regressava a casa, vinda das aulas de flauta transversal. O que aconteceu no caminho, ninguém sabe. Mas o irmão desconfiava que a resposta estava enterrada muito perto dele, no Cemitério Teutónico, nos túmulos de duas princesas alemãs.

O anjo da fotografia apontava para um cemitério na vizinhança da Basílica de São Pedro, bem escondido do olhar dos vivos por quatro muros muito altos e portões de ferro. É aqui, no lugar onde são enterrados os católicos alemães no Vaticano, que esta quinta-feira vão ser exumados os dois túmulos de duas princesas alemãs para onde a estátua do anjo aponta. “Se nada se encontrar lá, a história não pode acabar aqui”, disse Pietro.

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Segundo a família de Emanuela, que foi entrevistada pela CNN, esta é a primeira vez que o Vaticano colabora ativamente com as investigações sobre o desaparecimento da jovem em 1983. O irmão já tinha procurado diretamente a ajuda do Papa Francisco em 2013, pouco depois de se tornar líder da Igreja Católica, mas a resposta “congelou o sangue” de Pietro: “A Emanuela está no céu”. Não é nisso que Pietro acredita: “Enquanto não encontrar o corpo da Emanuela, é meu dever continuar a procurá-la como se estivesse viva”.

Onde está (e quem é) Emanuela?

Emanuela Orlandi era filha de um funcionário do Instituto das Obras da Religião [nome oficial do Banco do Vaticano], que trabalhava como escriturário na casa do Papa. Ela, o irmão e os pais viviam numa região com seis outras famílias, cujas crianças estavam habituadas a brincar nos jardins daquele pequeno país. “Achávamos que vivíamos no lugar mais seguro do mundo”, recorda Pietro, lembrando os dias em que o Papa João Paulo II passeava pelos parques e conversava com os mais novos.

Naquela tarde de verão, a 22 de junho, Emanuela, com 15 anos à época, saiu do apartamento onde morava com os pais e o irmão e apanhou um autocarro até à Basílica de São Apolinário, onde teria aulas de música. Desapareceu depois das lições de flauta transversal, provavelmente no caminho para casa, onde a mãe ainda a espera há 36 anos. O tempo deu origem a teorias da conspirações, como um rapto conduzido por terroristas ou até pelos mais altos cargos da Igreja Católica.

Mas, para Pietro, as respostas podem estar no Cemitério Teutónico. Foi aqui que se enterraram os corpos dos guardas suíços que defenderam a Cidade do Vaticano em 1870 contra o Reino da Itália. E é também aqui que esta quinta-feira vai acontecer uma operação conduzida pelas guarda do Vaticano que envolve “uma organização complexa de pessoal e maquinaria”. Todo o material recolhido naqueles túmulos será levado para análises genéticas em laboratórios.

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Todos os caminhos vão dar… ao Vaticano

Esta não é a primeira vez que a família de Emanuel recebe uma pista sobre o seu paradeiro, mas todas as outras se mostraram infrutíferas. Ainda no ano passado foram encontrados restos mortais numa propriedade do Vaticano em Roma e especulou-se que podiam pertencer à jovem de 15 anos desaparecida nos anos 80. Mas a teoria foi abandonada quando, por comparação, se percebeu que o ADN desse cadáver não coincidia com a informação genética de Emanuela.

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Em 2005, um detetive italiano disse ter recebido indicações de que Emanuela tinha sido raptada a mando de um cardinal, Ugo Poletti, e entregue a Enrico “Renatino” De Pedis — um dos chefes da Banda della Magliana, uma máfia, que foi morto a tiro em 1990 e colocado na Basílica de São Apolinário sete anos mais tarde. Segundo esse detetiva, “o segredo desse mistério encontra-se num túmulo nessa basílica. Em 2012, o túmulo de “Renatino” foi investigado. E a teoria caiu por terra.

Em 2008, a amante de Enrico “Renatino” De Pedis acusou-o de ser responsável pelo rapto de Emanuela. Segundo ela, o corpo da adolescente tinha sido enterrado nos alicerces de uma casa daquele criminoso nos arredores de Roma. As autoridades e a família de Emanuela também seguiram essa pista, mas voltaram a encontrar um beco sem saída: a casa já estava completamente terminada muito antes do desaparecimento da jovem.

Há, no entanto, pontas soltas nessa investigação. Fiorenza Sanzanini, jornalista do Corriere della Sera, lembrou à CNN que, apesar de uma ligação entre “Renatino” e Emanuela nunca ter sido provada, o Vaticano nunca explicou porque é que o corpo desse criminoso acabou enterrado na Basílica de São Apolinário. Sanzanini vai ainda mais longe ao sugerir que o Vaticano sabe mais sobre o desaparecimento da jovem do que transparece: “Temo que o Vaticano tenha decidido abrir os túmulos porque sabe que não há nada lá dentro”.

Para ela, “satisfazer este pedido da família, e de maneira tão pública, com um comunicado de imprensa da assessoria de imprensa do Vaticano, serve para desviar a suspeita de que o secretário de Estado do Vaticano saiba mais sobre o caso”, sugere à CNN. A opinião da jornalista vai ao encontro da de Pietro Orlandi: “Todo o tipo de pistas vai sempre parar ao Vaticano”, acusa.

No entanto, terminadas as operações de esta quinta-feira, a Santa Sé garantiu em comunicado que sempre apoiou a família Orlandi: “No final das operações, gostaríamos de reiterar que a Santa Sé sempre demonstrou atenção e proximidade ao sofrimento da família Orlandi e, em particular, à mãe de Emanuela. Atenção demonstrada também nesta ocasião em aceitar o pedido específico da família para fazer verificações no Campo Santo Teutónico”, termina.

No mesmo comunicado, a Santa Sé promete mais esclarecimento em breve: “Para mais detalhes, estão em andamento verificações documentais sobre as intervenções estruturais que ocorreram na área do Campo Santo Teutônico, numa primeira fase no final do século XIX, e numa segunda fase mais recentemente, entre as décadas de 1960 e 1970”.