Meses antes do referendo sobre a independência de Timor-Leste, o governo dos Estados Unidos da América já estava ciente de que as forças indonésias estavam determinadas a impedir a independência, tendo para esse efeito criado, armado e dirigido milícias em Timor-Leste, capazes de criar uma onda de “terror e violência, escreve o jornal The Guardian.

Esta é mais uma revelação feita depois de divulgados 600 telegramas desclassificados pelos Estados Unidos, no aniversário dos 20 anos do referendo que se assinala nesta sexta-feira. Os telegramas são referentes ao período entre o final de 1998 e o início da presidência do líder indonésio Abdurrahman Wahid, em 2000.

Segundo o jornal britânico, os telegramas revelam que o governo do presidente Bill Clinton estava consciente, ainda no ano que antecedeu o referendo, da “determinação” das Forças Armadas da Indonésia “em impedir um voto de independência em Timor-Leste através do terror e da violência” diz Brad Simpson, do National Security Archive, citado pelo jornal britânico. Meses antes do referendo que se realizou em 30 de agosto de 1999, as autoridades norte-americanas reuniram evidências suficientes para concluir que os militares indonésios estavam a armar milícias.

Em fevereiro de 1999, por exemplo, um relatório dos serviços secretos norte-americanos citava funcionários da embaixada de Jacarta que revelavam que os militares indonésios estavam “a armar pequenos grupos itinerantes de milícias” e que havia militares à paisana a participar neles.

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Em março, detetou “laços estreitos” entre as milícias militares e locais, “muitas criadas por forças especiais indonésias e agentes dos serviços secretos”, mencionando especificamente uma decisão do comandante das Forças Armadas indonésias, o general Wiranto, de inícios de 1999, para fornecer “centenas de armas às milícias”. Seria igualmente disponibilizado apoio logístico e de aconselhamento.

E quando em abril, a situação se agravou depois da tomada de Díli pelas forças pró-integração, apoiadas pelo exército indonésio, a “polícia não tomou medidas para pôr fim à violência”. Já em maio, a CIA referia que o general não tinha feito nada “contra as milícias civis pró-integração nem tinha disciplinado as unidades militares locais que, se não instigaram, pelo menos toleraram esses grupos”. A meio desse mês funcionários da embaixada norte-americana receberam a informação de que as milícias estavam a planear receber o primeiro contingente da UNAMET (Missão das Nações Unidas em Timor Leste) “com as suas armas”.

Um mês depois, em junho, uma delegação da embaixada dos EUA visitou Liquiçá e relatou ser “evidente que os militares indonésios e as milícias pró-integração trabalhavam em conjunto para levar a cabo uma política de terra queimada”.

A violência militar não parou  a 30 de agosto, quando os timorenses votaram a favor da independência da Indonésia e a 9 de setembro Bill Clinton suspendeu as relações militares com a Indonésia, dias antes de chegar a Timor a Força Internacional para Timor-Leste, a  INTERFET, que em outubro entregou à ONU a administração transitória do território.

Os documentos revelam também que a Casa Branca fez esforços diplomáticos para que a Indonésia aceitasse uma solução pacífica para Timor e que foi fundamental para a entrada da INTERFET e para evitar a continuação da violência que matou milhares de pessoas nos meses anteriores (e mesmo posteriores) ao referendo.

Telegramas diplomáticos mostram ação dos EUA para sucesso da INTERFET em Timor-Leste