O evento era suposto ser um roast — modelo em que alguém é arrasado (assado) com humor — à União Europeia, mas começou por ser mais um roast aos adversários da Europa. Num estilo informal, o comissário europeu Carlos Moedas respondeu a questões sérias de forma descontraída feitas pelo animador Diogo Beja. No âmbito do SummerCEmp, evento organizado pela representação portuguesa da “sua” Comissão Europeia, Moedas defendeu a Europa recorrendo aos jaquinzinhos, passando pelos aspiradores e não deu tréguas ao youtuber Wuant. Não dorme a sesta, mas diz que há quem o faça na Comissão Europeia. Nomes não diz.

Com mais ou menos formalismo — mas quase sempre menos — Carlos Moedas respondeu às perguntas  que dão título a um célebre quadro de Gauguin. Disse quem era (“sou comissário“), de onde vinha (repetiu várias vezes: “sou de Beja“) e para onde não queria ir, pelo menos para já, o PSD (“vou fazer qualquer coisa que não seja na política“). Em declarações ao Observador, minutos depois, confirmava: “O meu objetivo agora não é voltar para a política. Porque não tenho nenhum papel político neste momento. Sou um militante base do PSD”. Para já, há “muitas coisas” que Moedas quer fazer “seja na ciência, seja no projeto europeu”. Mas deixa em aberto para mais tarde: “Depois, o futuro dirá”.

E se deixa essa margem nas respostas ao Observador, no próprio roast, Carlos Moedas tinha dito que tendo chegado a comissário percebeu que daqui para a frente “não faria nada tão bonito”. E deixava quase uma pedra em cima da carreira política: “Acabei a minha parte da política. Vou fazer qualquer coisa que não seja política”. O animador ainda perguntou: “Rui Rio pode ficar descansado?” Moedas ficou-se pelos sorrisos.

Em pleno Alentejo, Carlos Moedas puxou várias vezes pelo facto de ser alentejano. A versão filho do Zé Moedas, que criou empatia com o público. Quando lhe perguntaram se os amigos já lhe tinham arranjado um bom cargo para quando sair de comissário, Moedas respondeu que as suas amizades são as de infância: “Os meus amigos estão todos em Beja”.  Mesmo que mais à frente na conversa confessasse que é “um rapaz de Beja, José Theotónio, que é CEO do Grupo Pestana”.

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Quando o questionaram sobre o nepotismo e as cunhas, Carlos Moedas diz que “infelizmente ainda há muito disso”, mas destaca que não é um fenómeno português, pois existe em todo o lado. E até preferiu o inglês para dizer: “We are not better, we are not worse“. Ou seja, que Portugal não é melhor nem pior que outros países neste aspeto. Moedas tem esperança que a atual geração se liberte disto, já que vão acabar por trabalhar “em startups e empresas que não querem as cunhas, querem quem trabalhe bem”.

Moedas deixou as histórias de bastidores para depois de 31 de outubro, quando deixa de ser comissário para dar lugar a Elisa Ferreira, mas admitiu que havia outros comissários que dormiam a sesta, mesmo sem divulgar quais. Ele, que é alentejano, não. “Isso é um mito”. Contou, porém, que a dinamarquesa Margrethe Vestarger “quando começava a ficar ‘bored‘, fazia elefantes de crochet e depois dava-me”. Além disso, Moedas aponta como momentos mais marcantes o primeiro colégio de comissários no dia a seguir ao Brexit em que olharam todos uns para os outros e pensaram: “Isto é o fim, não é?”. Isso e os ataques terroristas em Bruxelas.

“A Goldman Sachs fez muitas asneiras”

Carlos Moedas foi questionado ainda sobre o que achava do caso Barroso, que após sair da comissão foi trabalhar para a Goldman Sachs. O comissário lembrou que ele próprio trabalhou na Goldman Sachs e que Durão Barroso cumpriu estritamente a lei. “Pode-se criticar ou não, mas tinha direito. Politicamente foi mau, porque toda a gente o criticou”, explicou. Sobre o que fará, Moedas explicou aos jovens que o ouviam nos fardos de palha de um jardim de Monsaraz, a que deveres está obrigado: “Eu quando sair durante dois anos qualquer que seja o emprego para que eu vá, tenho de notificar a Comissão, têm de me dar uma licença para isso (…) o que se passa hoje em relação aos conflitos de interesse é que chega a um ponto em que as pessoas já nem querem ir para a política”.

Sobre o banco, Carlos Moedas disse que “a Goldman Sachs como muitos outros bancos fizeram muitas asneiras”. E acrescentou: estou livre para falar sobre isso (…) fui banqueiro numa altura da vida em que estava endividado a pagar o meu MBA.”

Moedas falou ainda sobre os tempos em que era governante no executivo do Passos Coelho. O antigo secretário de Estado Adjunto de Passos Coelho diz que foram “alturas terríveis” em que até “foi difícil explicar às pessoas da própria família” o porquê de decisões austeras, inclusive “à irmã que estava desempregada”. Por essa altura, diz que era “duplamente duro” quando o criticavam à frente dos filhos. “Mas porque é que toda a gente não gosta do pai? Marca terrivelmente”, confessou Moedas.

Os mitos destruídos por Moedas: dos jaquinzinhos ao Wuant

Carlos Moedas tentou depois destruir aquilo que diz serem mitos associados à União Europeia. Neste tipo de acusações, garante o comissário, 99% não são verdade. Vamos aos mitos:

  • Primeiro mito:A Europa quer acabar com os jaquinzinhos“. Moedas diz que “não é verdade”, simplesmente tem de “haver uma regra [que imponha limitações à pesca] para que haja jaquinzinhos daqui a 20 anos”, mas “é uma regra nacional”.
  • Segundo mito: “A Europa quer acabar com as bolas de Berlim na praia”. Mais uma vez, Moedas diz que não há “nenhuma regra a dizer isso”, que a comissão nunca proibiu “as bolas de Berlim” e até as distribuiu.
  • Terceiro mito: “A Europa quis limitar a potência dos aspiradores”. O comissário conta que um dos argumentos de James Dyson, um dos brexitiers mais acérrimos, deu como exemplo da intromissão da Europa no Reino Unido o facto de “não poder vender aspiradores, devido ao limite de potência”, implementado por razões de insuficiência energética. Mas para surpresa da Comissão, quando foram investigar, descobriram afinal que esse limite tinha sido uma “emenda do Reino Unido à lei europeia”.
  • Quarto mito: “A internet vai acabar por causa da Europa.” Carlos Moedas diz que até os filhos lhe vieram dizer que “a Internet ia acabar por causa do Wuant”, o que considera “extraordinário.” Até porque segundo conta: “Nunca tínhamos falado em casa sobre copyright. E vem um youtuber e consegue”.  Ora o que comissário europeu diz é que se a Europa quer “continuar a produzir, os criadores têm de estar a ser protegidos. Os vídeos têm respeitar os direitos de autor”. Para Moedas, “quem faz criação artística, música, tem de saber se alguém anda a copiá-la e o que anda a fazer com direitos de autor. O Youtube não quis ter trabalho nesse controlo e promoveu uma campanha para criar o pânico“. E deu uma garantia: “Não vai acabar a Internet. Não vão acabar os memes.”

No final do evento, Carlos Moedas fez uma auto-avaliação do momento: “It was a good roast”. O evento era para ter sido de manhã, mas foi adiado porque o comissário foi a São Bento encontrar-se com António Costa e Elisa Ferreira, nomeada para sua futura sucessora. Minutos depois contava ao Observador como foi a conversa.

O comissário diz que foi um encontro de “passagem de pasta”, para “passar os conselhos a Elisa Ferreira”, naquilo que classificou de “excelente conversa” e de “momento institucional importante para a comissária europeia”. Carlos Moedas diz que “Elisa conhece bem Bruxelas”, onde já foi deputada e, por isso, optou por lhe dar “conselhos práticos, sobre as audições, mais para lhe dizer como na altura foi a preparação para essas situações”.

Moedas diz que Elisa Ferreira é “uma mulher que conhece a máquina europeia”, mas acabaram por “falar de tudo, até de coisas privadas”, e lembrou que também teve a “ajuda de António Vitorino e Durão Barroso” que o aconselharam sobre o cargo que ia ocupar. O comissário disse ainda que ia ter saudades, uma vez que a política europeia não o deixa indiferente: “A Europa é tão importante para o futuro dos nossos filhos, que vou sempre participar à distância”.