A notícia já era conhecida pela maioria dos jornalistas espanhóis, mas não foi publicada. Só na quinta-feira, quando o ex-selecionador de Espanha e antigo treinador do Barcelona anunciou nas redes sociais o falecimento da filha Xana, vítima de cancro, é que os jornais começaram a falar no assunto.

“A nossa filha morreu esta tarde com 9 anos de idade, após uma luta de cinco meses contra um osteorsarcoma [um tipo de cancro nos ossos]”, revelou Luis Enrique nas redes sociais. “Agradecemos a todos as manifestações de carinho que recebemos durante estes meses e agradecemos a discrição e a compreensão”.

“Vamos sentir muito a tua falta, mas iremos lembrar-nos de ti todos os dias da nossa vida, com esperança de que, no futuro, nos voltaremos a encontrar. Serás a estrela que guia a nossa família”, disse, numa última mensagem para a filha.

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Luis Enrique agradeceu a “discrição” porque há meses que a imprensa espanhola, e os seus colegas de profissão, sabiam que Xana, de apenas 9 anos, estava gravemente doente, relata o El Español. Mas não noticiaram. Entre os jornalistas, paparazzis e a Federação Espanhola de futebol havia uma espécie de “compromisso verbal” para que a vida privada do então selecionador nacional, e da pequena Xana, fosse respeitada.

“Importa sublinhar o papel desempenhado pelos jornalistas, que atenderam à discrição que o protagonista solicitou com toda a lógica. Com a falta de escrúpulos e o gosto pela morbidade predominante, era fácil esperar o contrário”, escreveu o jornalista e filho do ex-ministro José Ignacio Wert na rede social Twitter.

Mas nem sempre houve na imprensa espanhola este respeito pelo sofrimento alheio. Quando se soube que o filho de 27 anos da atriz espanhola Ana Obregón sofria de um cancro, as fotografias da família rapidamente começaram a circular pelas redações. E pelos jornais. Porque foram os dois casos tratados de forma diferente? Foi isso que o El Español tentou perceber.

Imprensa sabia da doença de Xana desde março

Luis Enrique assumiu a seleção espanhola em julho de 2018, após o Mundial. Em março deste ano, os jornalistas começaram a perceber que algo não estaria bem. Num dos jogos de qualificação da seleção espanhola para o europeu de 2020, contra Malta, o selecionador não esteve presente alegando “motivos familiares de força maior”. A partir daí começou a especulação.

“Dissemos aos jornalistas que geralmente nos acompanhavam o que estava a acontecer e pedimos respeito”, diz uma porta-voz da Federação espanhol de futebol ao El Español.

Solicitámos expressamente a todos os meios de comunicação. Explicámos o motivo e pedimos que eles respeitassem a privacidade. (…) Assim também evitámos especulações. Contámos a verdade desde o momento em que alguém a quis saber e havia um tipo de compromisso verbal em respeitar a dor da família. (…) E a verdade é que as pessoas comportaram-se muito, muito bem e estamos muito gratos por isso. Estiveram à altura”, acrescenta.

Foram vários os motivos que levaram a imprensa espanhola a omitir a doença de Xana. Por um lado, tratava-se do selecionador nacional, uma figura respeitada pela imprensa. “A notícia chegou-me de pessoas comuns em Gijón, e umas duas semanas depois, de colegas de Luis Enrique”, explica o jornalista desportivo Rodrigo Faez. Além disso, se Luis Enrique se deparasse com a exposição mediática da filha, isso poderia prejudicar “diretamente os seus resultados profissionais”.

Ex-selecionador espanhol Luis Enrique anuncia morte da filha

Há outros motivos: não só Xana era menor de idade, como Luis Enrique sempre fez questão de manter privada a sua vida pessoal. Quando falava aos jornalistas, apenas se referia ao trabalho. “Temos total respeito por uma pessoa que nunca divulgou nada da sua vida privada”, frisam ao jornal fontes de uma revista espanhola. O mesmo não acontecia com Ana Obregón, acrescentam as fontes.

Um site publicou a notícia, mas ninguém lhe deu importância

Apenas um meio de comunicação espanhol não respeitou o “pacto”. Foi um site noticioso, segundo o qual o “problema familiar” que Luis Enrique tinha invocado se tratava da doença de uma das filhas (além de Xana, Luis Enrique é pai de uma outra rapariga e de um rapaz). Mas a informação não foi replicada.

“Descobri dois dias depois do jogo de Malta, porque tenho um relacionamento com a família dele”, diz o jornalista Pipi Estrada, que há muito conhece Luis Enrique. “Ninguém o procurou ou o incomodou, todos vivemos à distância ”, acrescenta.

Acho que este é um exemplo muito bom de como as coisas devem ser feitas, porque Luis Enrique não é exatamente o treinador mais querido”, acrescenta também o jornalista Iñaki Cano, referindo-se à época de Luis Enrique como treinador do Barcelona. “No entanto, ele pediu respeito e fico feliz que tenha sido mantido. (…) Eu acho que essa é uma mensagem para a profissão.”

Luis Enrique afastou-se em junho deste ano da seleção nacional alegando motivos pessoais.