Ainda não se sabe a data, mas o fim está anunciado. O britânico John Bercow, que teve a quase impossível tarefa de moderar os ânimos enquanto speaker e Presidente da Câmara dos Comuns nos últimos dez anos, anunciou que não só vai resignar ao cargo como vai mesmo abandonar o Parlamento britânico, o mais tardar a 31 de outubro.

A dúvida prende-se por ora com a data em que Bercow deixará oficialmente de ser o speaker da Câmara dos Comuns: será “aquando da data das próximas eleições” ou a 31 de outubro — o prazo ainda em vigor para a saída do Reino Unido da União Europeia (UE) —, depedendo de qual dos dias chegar primeiro. Isto porque a possibilidade de o país voltar a eleições antes do final do próximo mês não está de todo afastada, devido ao impasse gerado em torno do turbulento processo do Brexit.

Foi com a sua mulher Sally presente nas galerias do Parlamento britânico que John Bercow iniciou um discurso que terminaria com uma ovação de pé por parte dos deputados do Partido Trabalhista. Já a maioria dos representantes do Partido Conservador na Câmara dos Comuns manteve-se “sentada nos seus lugares”, refere a estação britânica BBC.

John Bercow durante o emocionado discurso em que anunciou a saída do Parlamento até ao final de outubro (@ House of Commons/PA Images via Getty Images)

Curiosamente, Bercow até começou por ser um político situado na ala direita do partido, mas foi-se gradualmente aproximando da ala esquerda do Partido Conservador — a ponto de terem chegado a circular rumores de que planeava juntar-se ao Partido Trabalhista, que apoiou a sua eleição como speaker em 2009. Os defensores do Brexit, aliás, mostraram-se muitas vezes críticos de Bercow durante o turbulento processo (ainda em curso) de saída do país da União Europeia, acusando-o de parcialidade na moderação dos debates e na presidência da Câmara dos Comuns.

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Uma promessa com dois anos que faz deste um fim (semi)anunciado

Foi precisamente lembrando uma promessa que fez à mulher Sally— e também aos filhos —, que o ouvia nas galerias do Parlamento, que Bercow iniciou o discurso em que anunciou a saída. “Nas eleições de 2017, prometi à minha mulher e aos meus filhos que faria o último [mandato]” como membro do Parlamento e como speaker, começou por dizer.

É um compromisso que tenciono cumprir. Se a Câmara dos Comuns votar esta noite por eleições gerais antecipadas, os meus dez anos como speaker e membro do Parlamento terminarão quando este Parlamento se dissolver [para eleição de novos deputados]. Se a Cãmara não votar nesse sentido, concluí que a ação menos disruptiva e mais democrática seria retirar-me na quinta-feira, 31 de outubro”, referiu.

Assim que anunciou que a decisão de saída estava tomada e só a data de saída do Parlamento estava em dúvida, John Bercow ouviu um burburinho de surpresa, aplausos e alguns risos. Mas prosseguiu, perante um Parlamento efusivo e que, como habitual, ia reagindo audivelmnte às palavras do orador, afirmando que não se irá desculpar “a ninguém, em lado algum e em tempo algum”, por ter “procurado aumentar a autoridade relativa desta legislatura” e do Parlamento.

Durante o discurso, Bercow deixou ainda palavras elogiosas aos deputados: “Este é um sítio fascinante, preenchido por pessoas que, na sua esmagadora maioria, agem movidas pela sua noção de interesse nacional, pela sua perceção do bem público e pelo seu sentido de dever enquanto representantes [dos eleitores], procurando fazer o que acreditam ser correto para o nosso país”,

Servi como membro do Parlamento durante 22 anos e servi como speaker durante os últimos dez. Este tem sido, deixem-me expor isto de forma explícita, o maior privilégio e a maior honra da minha vida profissional. Ficarei eternamento grato”, apontou.

Quando foi eleito para o cargo, em 2009, Bercow anunciou logo que não pretendia passar mais de nove anos como speaker da Câmara dos Comuns, refere a BBC — sairá em breve com mais um ano cumprido (dez) no cargo. O cargo é escolhido através de voto secreto pelos deputados e tem rodado intermitentemente entre os dois partidos, sendo que em 2009 o Labour votou num candidato conservador que não reunia absoluto consenso no interior do partido — precisamente Bercow.

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Atualizado às 17h38 de 09/09/2019