A Comissão Nacional de Eleições (CNE) está limitada no combate à propaganda patrocinada no Facebook em período eleitoral porque esta rede social “faz tábua rasa da lei portuguesa”, acusou esta quinta-feira Carla Luís, membro daquela Comissão.

“Não há uma vontade de cumprir a lei [nacional] por parte do Facebook”, disse Carla Luís num debate sobre desinformação e ameaças online na perspetiva das eleições legislativas de 6 de outubro em Portugal.

A CNE, cuja função é aplicar a legislação nacional, tem encontrado “problemas” com o Facebook quando pretende atuar contra a publicação de publicações de propaganda patrocinada.

Após marcação das eleições não é permitido fazer propaganda patrocinada. Não há uma lista de meios admissíveis ou não-admissíveis, não podem é divulgar propaganda paga. Nas redes sociais, o problema surge com ‘posts’ patrocinados. Seja com um ou com 10 mil euros, é proibido pela lei portuguesa”, explicou a responsável.

“Começámos a instruir processos, para sancionar quem promove o anúncio e o meio que o divulga, e começámos a ter problemas com Facebook, que faz tábua rasa da lei portuguesa”, afirmou.

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Carla Luís apontou uma evolução que se traduz numa iniciativa do Facebook de estabelecer critérios que definem um anúncio como político, país a país, que implica que “a verificação seja feita de acordo com a jurisdição nacional”, requerendo, por exemplo, a identificação do nome e morada de quem patrocina a propaganda.

O problema, explicou, é que o Facebook “sobrepõe os seus ‘padrões da comunidade’ à lei nacional”, avaliando as publicações “com critérios que estabeleceu e que não contêm a lei portuguesa”.

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Para ilustrar uma das diferenças entre os critérios do Facebook e os princípios contidos na legislação portuguesa, Carla Luís apontou que, na ‘biblioteca de anúncios’ recém-criada pela rede social – onde se pode consultar que anúncios estiveram quanto tempo ‘online’, por quem e por quanto foram patrocinados -, surge classificado como “anúncio político” uma publicação em que se lê “Women should have equal rights” (“As mulheres devem ter direitos iguais”).

Nos últimos anos, e depois do escândalo Cambrige Analytica do uso abusivo de dados pessoais de utilizadores do Facebook Cambrige Analytica, para interferir em campanha políticas, a rede social fundada por Mark Zuckerberg tem anunciado iniciativas para combater a desinformação.

Relativamente às eleições portuguesas, a rede anunciou nomeadamente parcerias com parceiros de ‘fact-checking’ (verificação da informação).

Para o jornalista Paulo Pena, autor de uma série de trabalhos sobre ‘fake news’ e desinformação, “isto não é de todo suficiente”. “A crise não se resolver corrigindo uma informação de cada vez […] É preciso analisar a origem, quem a produz, por que meios, qual a forma de difusão… O ‘fact-checking por si só, muito menos o decidido pelo Facebook e encomendado às empresas, não chega”, disse, no mesmo debate.

Em resposta a perguntas de jovens na audiência, Paulo Pena ressalvou que se opõe ao “policiamento” de conteúdos por atores institucionais – “é muito perigoso, ninguém quer um ministério da verdade orwelliano” -, mas assegurou que a resposta também não assenta apenas na autorregulação das plataformas, que decidem, elas próprias, que factos verificam.

O jornalista considerou por outro lado que há “negligência” em Portugal no combate à desinformação, salientando que “não há no Governo português um gabinete responsável pelos ‘media’, só os ‘media’ de capitais públicos como a RTP e a Lusa” e que a própria Entidade Reguladora para a Comunicação Social (ERC) está limitada na sua ação pela legislação nacional.

Este aspeto foi confirmado por Tânia Soares, da ERC, também presente no debate, que explicou que a entidade só tem competência para verificar órgãos de comunicação social devidamente licenciados.

“Já solicitámos uma redefinição de órgão de comunicação social. A ERC regula órgãos de comunicação social […] Nos ‘sites’ que não o são, a nossa capacidade fica limitada no atual contexto, com a atual legislação”, afirmou, acrescentando que ainda assim a entidade só pode ter intervenção “através dos grupos europeus” que reúnem este tipo de entidade e trabalhando com plataformas.

O debate, que decorreu hoje em Lisboa, foi organizado pela Representação da Comissão Europeia em Portugal e pela organização Democracy Reporting International, uma organização que estuda o fenómeno da desinformação política em vários países europeus.