Os procuradores que investigam o caso EDP estão a ponderar rever as medidas de coação aplicadas a João Conceição, ex-assessor de Manuel Pinho no Ministério da Economia. Em causa está uma denúncia anónima recebida no Departamento Central de Investigação e Ação Penal (DCIAP) que assegura que a “testemunha Maria Lurdes Baía estaria a ser prejudicada na sua carreira profissional” na empresa REN – Redes Energéticas Nacionais, “em virtude de ter colaborado com o Ministério Público (MP)” na investigação do caso EDP, lê-se num despacho do MP consultado pelo Observador.

Apesar de os procuradores Carlos Casimiro e Hugo Neto não referirem a participação de João Conceição, atual n.º 2 do Conselho de Administração da REN, nessas alegadas pressões, certo é que os magistrados ordenaram à REN no início de setembro que envie “toda a documentação relativa às duas avaliações internas de Maria Lurdes Baía, incluindo a identificação de todos os elemento da REN que intervieram nessa avaliação”.

Tudo com o objetivo de “ponderar a eventual promoção de medidas de coação ao arguido João Conceição”.

Maria Lurdes Baía é uma das testemunhas-chave do MP no processo EDP. A ex-coordenadora da área de previsões energéticas da REN confirmou nos autos que a EDP foi favorecida na passagem do regime dos Contratos de Aquisição de Energia (CAE) para os contratos do regime de Custos de Manutenção do Equilíbrio Contratual (CMEC) executada pelo ex-ministro Manuel Pinho.

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Note-se que João Conceição trabalhou no gabinete de Manuel Pinho no período em que se verificou essa e outras alterações profundas na legislação do setor energético e também foi constituído arguido por alegadamente ter favorecido a EDP na produção de legislação sobre a liberalização do setor energético.

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João Conceição nega pressões, REN não comenta

Confrontado com o conteúdo deste despacho, João Conceição rejeita qualquer pressão sobre Maria João Baía ou uma interferência nos processos de avaliação da técnica da empresa. “Não participei em nenhum processo de avaliação da dra. Maria de Lurdes Baía, nem dei quaisquer instruções sobre isso”, afirma.

O chief operational officer da Comissão Executiva da REN acrescenta que a “avaliação da dra. Maria de Lurdes Baía, como aliás qualquer colaborador da REN, é feita pelos seus imediatos superiores hierárquicos. Depois de concluído o processo de avaliação de todos os colaboradores da REN, os resultados do mesmo são levados pelo Departamento de Recursos Humanos a aprovação da Comissão Executiva”.

Mas garante: “não interajo” com a técnica da REN mas, “mesmo que interagisse, jamais abordaria com a dra. Maria de Lurdes Baía matérias relativas ao processo na pendência do mesmo, como nunca fiz”, frisa.

Questionado sobre a revisão da sua medida de coação que está a ser ponderada pelo MP, o gestor da REN diz que não vê “qualquer razão para essa ou para outra medida, por esse motivo ou qualquer outro”. “Sendo certo que estou, como sempre estive, disponível para prestar todos os esclarecimentos às autoridades”, conclui.

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O Observador confrontou igualmente Rodrigo Costa, presidente da Comissão Executiva da REN, com este factos mas o único comentário enviado pertence a fonte oficial da REN: “Não comentamos processos em curso. Prestamos, como habitualmente, toda a colaboração ao Ministério Publico”. Ao que o Observador apurou, a REN ainda não foi notificada do despacho do MP.

O que disse a testemunha-chave nos autos do caso EDP?

Maria Lurdes Baía prestou, na perspetiva do MP, um importante testemunho nos autos do caso EDP em maio de 2015. A coordenadora da Área de Previsões Energéticas da REN, que fez parte do grupo de trabalho criado em 2007 para avaliar o valor que a EDP teria de pagar para continuar a explorar as 27 barragens no novo regime CMEC, afirmou ao procurador Carlos Casimiro que uma das maiores divergências entre a REN, então empresa pública que também atuava como regulador do setor energético e defendia os interesses do Estado, e a EDP residia na determinação da taxa que se aplicava ao valor residual dos equipamentos – questão muito relevante para calcular a compensação pela concessão do DPH a pagar pela EDP.

Enquanto a REN defendia uma taxa de 6,6% na actualização de todos os fluxos monetários (maximizando assim o valor que a EDP teria de pagar), a empresa de António Mexia queria uma taxa mais baixa: 4,13%. Esta diferença de 2,47% pode parecer ínfima mas corresponde a uma diferença monetária de mais de 830 milhões de euros.

Maria Lurdes Baía contou a Carlos Casimiro que, a pedido da hierarquia da REN, tinha sido mandatada para entregar no Ministério da Economia a fundamentação técnica da REN para defender a taxa de 6,6%, pois seria o Governo a determinar quem tinha razão. Recebeu-a Rui Cartaxo, então assessor de Manuel Pinho, futuro líder da REN e arguido do caso EDP, que, sem ter aberto a pen com as folhas de cálculo devidamente fundamentadas, “logo lhe disse discordar do entendimento da REN”.

Baía enfatizou junto do procurador que, além da própria, apenas três pessoas sabiam do valor da taxa: Vítor Batista (o administrador da REN que defendia o valor apurado pela economista e que fez um depoimento igualmente arrasador para a equipa de Manuel Pinho), Francisco Saraiva (diretor da REN que pediu a Maria Lurdes Baía para ir ao Ministério da Economia) e José Penedos (então presidente da REN e militante do PS).

Mais tarde, Maria Lurdes Baía declarou na Comissão Parlamentar de Inquérito às Rendas Excessivas que a EDP foi alegadamente favorecida noutros aspetos:

  • A EDP não devia ter sido premiada com um prémio de risco na passagem do contratos CAE para os contratos CMEC, porque a lei já mitigava esse risco;
  • A concessão da Central de Sines foi prorrogada à EDP por decisão do ex-diretor-geral de Energia Miguel Barreto mas sem que a elétrica tenha pago qualquer compensação financeira. Foi “integralmente paga pelo consumidores”, diz Baía.

Recorde-se que o Ministério Público considera que os benefícios alegadamente concedidos de forma ilícita por Manuel Pinho e João Conceição totalizam cerca de 1,2 mil milhões de euros. No caso do ex-ministro da Economia, os procuradores Carlos Casimiro e Hugo Neto já o indiciaram pelos crimes  de corrupção passiva para ato ilícito, prevaricação, participação económica em negócio e branqueamento de capitais e acusam Pinho de ter recebido alegadas ‘luvas’ de cerca de 3,9 milhões de euros do Grupo Espírito Santo liderado por Ricardo Salgado e de 620 mil euros da EDP entre 2005 e 2014.

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Correção: João Conceição não é n.º 2 da REN, pois tal cargo não existe formalmente. Conceição é chiefoperationalofficer e um dos três membros da Comissão Executiva da REN.