Em Coimbra, chama Manuel Alegre. Um clássico socialista que se repetiu nestas legislativas, mas agora a voz forte da esquerda do PS veio também com recados para os partidos que no Parlamento se sentam à esquerda dos socialistas e que nos últimos quatro anos foram seus parceiros na governação. “Não nos arrependemos da geringonça, mas não precisamos de professores de esquerda”. E este não foi o único recado do histórico socialista a PCP e BE, que ainda reclamou para o seu partido a propriedade do verdadeiro Centeno.
É uma figura mal-amada pela esquerda, mas Alegre fez a sua defesa de forma categórica, numa altura em que Rui Rio garante que também tem o seu “Centeno”. O socialista assume que é importante “investir nos serviços público sem pôr em causa o desequilíbrio financeiro. Centeno só há um e esse é o nosso“. Alegre aparece rendido ainda que por vezes também o incomode as diretivas das Finanças: “Eu sei que alguns não gostam, eu próprio às vezes também não gosto, mas não há política de esquerda sem rigor nas contas públicas”.
E avisou, sem rodeios, que “não há esquerda em Portugal sem o PS”, nem “diálogo”, nem “convergência sem um PS forte”. E também “não há solução governativa sem o PS e muito menos contra o PS”. Nada sem o PS, mas muito menos existiu, nos últimos anos, “uma luta da esquerda contra o PS. Foi um trabalho de todos, com todos, fruto de um diálogo que só o PS é capaz de promover e assegurar”, disse reclamado para o seu partido não só a paternidade como a sobrevivência da “geringonça”. Alegre falou especificamente da luta por causa de uma troca de mimos que teve com Catarina Martins, através de artigos de opinião publicados na imprensa.
Aos socialistas diz que não têm de ter “vergonha da geringonça” mas sim “muito orgulho do que foi feito ao longo destes quatro anos, pelo Governo do PS graças ao qual a palavra geringonça foi traduzida em várias língua”. Não que afaste PCP e Bloco de Esquerda do sucesso da solução governativa, mas Alegre não quer lições que venham desse lado, muito menos sobre a sua ala de eleição: “Também não precisamos de professores de esquerda”.
E a direita? Não foi esquecida. Embora a referência seja menos pujante. Atira a Rui Rio, para dizer que o PS “também não precisa de lições de moral de quem há alguns dias criticava a justiça de tabacaria e agora se arvora de justiceiro eleitoralista“. A tirada, ainda assim, foi a que mais apupos da sala suscitou a noite toda e foi aproveitada pelo próprio líder, no discurso que fez a seguir em que também avisou que o PS é um “partido que não tutela mas também não aceita qualquer tutela na esquerda portuguesa”. A esquerda é deles ou, pelo menos, sem eles não existe, reclamaram ambos os socialistas.
Não que Alegre pudesse passar ao lado do tema, mas com a ministra da Saúde, e cabeça de lista do PS por Coimbra, na primeira fila (e também no púlpito), o Serviço Nacional de Saúde foi incontornável. Alegre até disse que “nesta matéria não há empecilhos à esquerda, os empecilhos vieram sempre da direita. O PSD e o CDS votaram sempre, sempre contra o SNS”, sublinhou perante os aplausos da sala do Pavilhão dos Olivais onde o socialista fez o seu primeiro discurso num comício do partido “há quarenta e tal anos”.
Uma recondução no cargo de ministra ao vivo a cores e em direto
A Marta Temido chegou a mudar o nome, inadvertidamente para “Temida”, corrigindo logo de seguida. Desejou-lhe “boa sorte como deputada e não só” e avisou-a que “não basta a nova lei de bases, é preciso, como diria António Arnaut, salvar o SNS e impedir que ele continue a ser drenado pelo privado e se transforme num serviço caritativo”. Pediu ao PS semelhante empenho na área da habitação, defendendo que o “mercado por si não resolve o problema, o Estado tem de intervir mais”.
António Costa não deixou escapar o “lapso entre Temido e Temida” de Alegre: “Quase denunciou aquilo que todos pressentimos no seu carácter. É mesmo temível e vai mesmo fazer mais e melhor”, disse praticamente reconduzindo no cargo, ali, ao vivo, a cores e em direto a atual ministra da Saúde.
O líder socialista bem avisou que depois de Alegre era difícil discursar. A sua intervenção no comício não teve muito mais do que a insistência no apelo ao voto sobretudo dos que votam PS. Não respondeu à “inconveniência” que Alegre tinha formulado momentos antes: “Que seria bom que as grandes empresas deixassem de pagar impostos na Holanda enquanto os pequenos e médios empresários, a classe média e os trabalhadores por conta de outrem, todos cumprimos as nossas obrigações em Portugal”.
Para Temido deixou os ataques mais diretos ao PSD, com a candidata socialista a acusar o PSD de “querer voltar aos tempos de Durão Barroso” e de querer fazer “um ministério da promoção da saúde” propondo “uma saúde de supermercado”. Em Coimbra foi isto tudo e ainda Manuel Machado, o autarca socialista e presidente da Associação Nacional de Municípios, a pedir que, depois de concluída a descentralização, seja “possível avançar para a regionalização”. “É o passo seguinte que é preciso”, defendeu perante Costa considerando mesmo que “há tempo suficiente já vivido e vencido” desde o referendo derrotado de 1998 e é “de novo importante voltar para a agenda política o processo de regionalização”. É coisa eu não deixa Costa rendido, já que teme um confronto institucional com o atual Presidente da República (quem nesse referendo esteve do lado do “não”). E o confronto específico, o socialista já tinha dito durante a tarde, que tem de ser evitado.