“Ninguém deve esperar que as rentabilidades dos investimentos regressem àquilo que tínhamos antes da crise, até 2008, quando tínhamos um ambiente de taxas de juro estruturalmente elevadas”, afirma Charles Prideaux, diretor global de investimentos da Schroders, uma das maiores gestoras de ativos em todo o mundo, com quase 500 mil milhões de euros sob gestão. As taxas de juro estão em níveis historicamente baixos, mais baixos do que a Schroders previa há um ano, e quem poupa e investe pode dizer adeus aos tempos em que “se punha algum dinheiro no banco e esse valor, naturalmente, proporcionava um retorno, graças à taxa de juro. Esqueça. Isso foi-se, infelizmente”.

O vaticínio foi lançado por Charles Prideaux, que recentemente foi promovido ao cargo de principal responsável pelos investimentos da Schroders, durante a conferência anual promovida pela gestora de ativos, em Londres. Prideaux não esconde algum desânimo por ter previsto, há um ano, que os bancos centrais mundiais tomariam mais iniciativas no sentido de normalizar a política monetária. “Fomos demasiado otimistas, se é que esta é a palavra certa…”, diz Charles Prideaux, perante uma audiência de investidores e jornalistas internacionais. Ao contrário do que se podia prever, o BCE acabou por retomar os estímulos monetários, as compras de dívida e, também, voltou a baixar as taxas de juro.

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Este contexto, diz Charles Prideaux, começa a denotar “semelhanças” com o período em que o gestor iniciou a carreira, no Japão, no início dos anos 90, logo após o estoirar da “bolha” que se tinha formado em várias classes de ativos nipónicos, iniciando um período de marasmo económico e juros baixos que ainda hoje perdura. “As pessoas, naquela altura, pensavam que as taxas de juro acabariam por recuperar, mais tarde ou mais cedo — porque se achava natural que isso acontecesse. Mas não foi assim, as taxas de juro desceram, desceram e desceram sempre”, colocando o país na rota da deflação.

“Estamos a começar a ver, na Europa, uma repetição desse cenário”, diz Charles Prideaux, salientando que nos EUA a situação é menos grave porque as autoridades tiveram uma atuação mais proativa na resolução dos problemas da banca, incluindo com medidas como o mega-pacote que foi batizado como Troubled Asset Relief Programme, que ajudou os bancos a desfazerem-se rapidamente dos empréstimos e exposições problemáticas.

Vivemos num tempo em que “cerca de 30% da dívida que existe no mundo tem taxas de juro negativas, o que equivale a algo como 17 biliões de euros”, portanto, “investir em cash [ou seja, com depósitos ou outros instrumentos do mercado monetário, sem risco] não vai ser solução para se obter rentabilidades mais interessantes, vai ser necessário tomar mais algum risco”, diz o diretor global de investimentos da Schroders.

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Além disso, para investir, nesta altura é essencial que se tome “uma perspetiva de longo prazo” porque “não estamos num momento de crescimento robusto dos resultados das empresas”. Por outro lado, nota-se no discurso de Prideaux e de outros especialistas algum otimismo em relação às questões relacionadas com as tensões comerciais, já que nos últimos dias surgiram notícias que apontam para a probabilidade de um primeiro acordo entre a China e os EUA — “o que não significa que este não seja um tema que irá persistir” no radar dos mercados financeiros. Ainda assim, a Schroders está a preparar uma revisão em alta das perspetivas para a Alemanha e, também, para os EUA.

Por outro lado, as principais economias estão a evidenciar um “crescimento muito, muito anémico da produtividade” e os desafios demográficos estão, cada vez mais, a fazer-se notar — e Charles Prideaux defende que vários países e blocos mundiais (não no Ocidente mas, também, ao contrário do que se possa pensar, na China) caminham para uma redução significativa da força de trabalho disponível. “Ao longo dos próximos 10 anos, as forças de trabalho vão encolher”, avisa Charles Prideaux, salientando que a inovação tecnológica vai compensar parte deste efeito, sobretudo em algumas profissões, mas o problema é que “as máquinas não votam, as pessoas é que votam”.

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O jornalista viajou a Londres a convite da Schroders.