A nova comissão Von der Leyen foi aprovada no Parlamento Europeu com 461 votos a favor, 157 contra e 89 abstenções, mais do que os 423 votos conseguidos pela comissão Jean Claude-Juncker há cinco anos. Antes disso, durante a manhã, mais do que a apresentar a sua equipa, Úrsula Von der Leyen optou por apresentar a visão e as propostas que a sua equipa tem de aplicar. No hemiciclo, a alemã ouviu as preocupações dos eurodeputados portugueses relativamente aos fundos comunitários, em discursos críticos do caminho que a nova comissão parece querer seguir.

No discurso que antecedeu a votação da nova Comissão Von der Leyen, Úrsula Von der Leyen insistiu no  programa que delineou antes da sua eleição. Falou no “dever de agir” nas alterações climáticas (onde lembrou os incêndios em Portugal), avisou que “não há futuro sem digitalização“, disse que será sempre uma “remainer” no Brexit (ou seja, que por ela o Reino Unido continuava na UE) e, sobre as migrações, disse que “oferecerá sempre abrigo aos que precisam de proteção internacional”. Von der Leyen lembrou ainda um dos grandes desafios: “Está na hora de concluirmos nossa união económica e monetária“.

Depois chegou a votação, e Von der Leyen conseguiu 461 pessoas, que é melhor do que o que conseguiu o colégio de comissário de Jean-Claude Juncker, mas pior do que as duas votações de Durão Barroso, que contava com menos deputados. Como aliás, demonstram os resultados das votações dos últimos colégios de comissários no Parlamento Europeu:

Comissão Juncker: 423 votos a favor, 209 contra e 67 abstenções (total de eurodeputados: 751)

 Comissão Barroso II: 488 votos a favor, 137 contra e 72 abstenções (total de eurodeputados: 736)

 Comissão Barroso I: 478 votos a favor, 84 contra e 98 abstenções (total de eurodeputados: 732)

Comissão Prodi: 510 votos a favor, 51 contra e 28 abstenções (total de eurodeputados: 626)

 Comissão Santer: 417 votos a favor, 104 contra e 59 abstenções (total de eurodeputados: 567)

Os eurodeputados do PSD, PS e CDS contribuíram para esta eleição, uma vez que as respetivas famílias políticas anunciaram o voto a favor. Já o deputado do PAN, que pertence aos Verdes, terá optado pela abstenção. PCP e Bloco de Esquerda votaram contra, em coerência com o grupo parlamentar da esquerda europeia (GUE/NHL).

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O primeiro-ministro António Costa já deu os parabéns à Comissão Von der Leyen através do Twitter.

O presidente da Assembleia da República, Eduardo Ferro Rodrigues, também emitiu uma nota a felicitar o novo colégio de comissários e, em particular, a comissária portuguesa, Elisa Ferreira, lembrando que quando estiveram juntos nos governos de António Guterres pôde testemunhar “as suas muitas qualidades, pessoais e profissionais”.

Portugueses ‘apertaram’ Von der Leyen com política de coesão

Dos quatro eurodeputados portugueses que falaram, três estão preocupados com os cortes na política de coesão e fizeram questão de o dizer a Ursula Von der Leyen. O chefe da delegação dos eurodeputados PSD, Paulo Rangel, reconheceu a Von der Leyen a “capacidade de inspiração” e diz que recebe o início da sua liderança com “entusiasmo”. No entanto, apesar de ser da mesma família política de Von der Leyen, fez vários avisos à presidente da comissão: “Não podemos aceitar um orçamento menor do que anterior”. Rangel diz que é essencial “olhar para a coesão”, já que hoje existe uma “ameaça à coesão e sem coesão não há unidade europeia“. O eurodeputado do PSD criticou ainda a ideia da comissão de “desviar” da política de coesão 5 mil milhões de euros para aplicar no fundo de transição justa. “Novos desafios, exigem novos investimentos”, atirou.

Já o eurodeputado do PCP João Ferreira foi bastante crítico da Comissão Von der Leyen  (ao ponto de ganhar honras no liveblog do Politico) e disse que o novo colégio esta ao serviço das “grandes potências”. O eurodeputado comunista diz que esta é uma “comissão em que salta à vista a promiscuidade entre o poder político e poder económico” e que vai prosseguir o processo de “secundarização da política de coesão”. Uma política de coesão que, alerta João Ferreira, é associada “às chamadas reformas estruturais, que não têm servido para outra coisa senão destruir serviços públicos e aumentar precariedade no trabalho”.

Na mesma linha, o deputado bloquista José Gusmão critica o “corte brutal” na política de coesão, e adverte que esta comissão não se propõe a responder a nenhum dos problemas da UE: “O que está pior não muda e o que muda, muda para pior”. Para Gusmão, a política económica desta comissão será a da “austeridade” e que a prova disso é orçamento da União Europeia, onde considera que “a montanha pariu um rato”.

Já o socialista Pedro Marques lembrou Von der Leyen que os socialistas europeus a apoiaram porque absorveu muitas das propostas do programa de Timmermans, mas avisou que é “preciso mesmo começar a trabalha” para que as palavras passem aos atos. O eurodeputado socialista diz que é “tempo de agir” e de cumprir as promessas feitas pela alemã antes da eleição.

Um discurso de “veludo” que pede “longa vida à Europa”

Num blazer rosa, Von der Leyen nunca perdeu a firmeza alemã, mas falou com emoção quando falou nos 39 migrantes vietnamitas encontrados mortos num camião no Reino Unido e também quando defendeu um plano ambicioso de combate ao cancro, lembrando que a irmã que morreu aos 11 anos, precisamente vítima de cancro. “Lembro-me do total desamparo de meus pais… Todos nós temos uma história semelhante ou conhecemos alguém que tenha“. Com os mesmo dotes de poliglota que tem demonstrado desde que começou o processo, Von der Leyen foi alternado o seu discurso entre inglês, francês e alemão. Todos com uma dicção quase-perfeita.

“Longa vida à Europa”. O fim do discurso foi de esperança e tinha começado com uma toque poético sobre a Revolução Veludo, que marcou o fim do comunismo na Checoslováquia há precisamente 30 anos. A nova presidente da comissão lembrou que a União Europeia é melhor quando é ousada e deixou um agradecimento ao presidente cessantes: “Nos últimos anos tivemos que nos concentrar no aqui e agora, a resolver crises após crises, numa luta por manter intacta a nossa unidade e solidariedade. Se emergimos mais fortes naquele tempo, e acredito que sim, é graças à liderança do meu antecessor Jean-Claude Juncker.

As alterações climáticas é outra das bandeiras de Von der Leyen. Frans Timmermans, o candidato dos socialistas ao cargo e o seu primeiro vice-presidente, será o responsável pelo “Green Deal” que Úrsula quer aplicar. O holandês esteve durante a sessão sentado, tal como politicamente, à esquerda de Von der Leyen.

Von der Leyen lembrou a urgência em combater as alterações climáticas, cujos efeitos se sentem todos os anos. E aí, destacou não sou as recentes inundações de Veneza, como também os incêndios que fustigam Portugal. “Não podemos perder nem mais um minuto“, apelou. O novo “Acordo Verde” para a Europa é essencial para salvar o planeta e Von der Leyen acredita que Timmermans é a “pessoa certa” para que fazer cumprir este plano.

Não é apenas para o planeta: “O Acordo Verde Europeu é uma obrigação para a saúde do nosso planeta, nosso povo e nossa economia. Frans Timmermans é a pessoa certa para fazer isso acontecer. ” Mas a alemã sabe que fazer a transição para o carbono verde é dispendiosa e, por isso, avisa que a mesma “deve ser justa e inclusiva”, pois, caso contrário “não irá acontecer”. Por isso é que, haverá fundos para ajudar as empresas a fazê-lo e o Banco Europeu de Investimento será vocacionado para isso.

Von der Leyen avisou ainda que a Europa sozinha não conseguirá salvar o planeta das alterações climáticas, mas tem o dever de chamar o resto do mundo para esta batalha. “Nós representamos apenas 9% das emissões globais. Temos que arrastar o mundo connosco”.

A nível de política externa, Von der Leyen defendeu o multilateralismo, onde a União Europeia deverá ter um papel preponderante. Ainda assim, naquilo que pode ser entendido como uma indireta à administração Trump e também à Rússia e à China: “Devemos mostrar aos nossos parceiros nas Nações Unidas que eles confiar em nós como defensores do multilateralismo.” Neste particular, a alemã considera que a Europa pode ajudar a moldar uma “ordem global” melhor em que os valores europeus estejam em destaque.

Falando sobre ação externa e política externa, ela diz: “Podemos ser os modeladores de uma ordem global melhor. Esta é a vocação da Europa e é o que os cidadãos europeus querem … Investiremos em alianças e coalizões para promover nossos valores. ”

Quanto à digitalização, Von der Leyen insistiu que “não há futuro sem digitalização” e destacou que a comissária Margrethe Vestager é a pessoa mais indicada para seguir esse caminho. Neste campo, a alemã considera que “a Europa tem toda a capacidade científica e industrial de ser competitiva”

Ao interesse de Portugal e de outros países que estão dependentes das políticas de coesão, Von der Leyen destacou que o orçamento da União Europeia não deve ser “um simples exercício de contabilidade” e avisou que se deve adaptar ao longo do período de vigência (é plurianual, por sete anos):  “O mundo de há sete anos não tem nada a ver com o mundo daqui a sete anos.”

Ainda sobre o seu programa, Von der Leyen não esqueceu a conferência sobre o futuro da Europa, destacando que o objetivo é envolver os cidadãos e lembrando que “a participação democrática não para no dia das eleições”.

Quanto ao Brexit, Von der Leyen confessou: “Nunca vou guardar segredo quanto ao facto de ser sempre uma remainer“. Apesar de defender que o Reino Unido deveria continuar na UE, a alemã respeita qualquer decisão dos eleitores e do governo britânico. E deixa uma garantia: “O vínculo e a amizade que une os nossos povos são inquebráveis”.