O padre madeirense Anastácio Alves, investigado por alegados abusos sexuais de menores, pediu para deixar o sacerdócio, noticiou esta quarta-feira o Diário de Notícias da Madeira. O Observador publicou os detalhes do caso em fevereiro deste ano: depois de ter sido duas vezes constituído arguido por alegados abusos sexuais de menores, em processos que acabaram arquivados, em 2007 e 2008, o padre Anastácio Alves foi novamente investigado pelo mesmo crime em 2018, desta vez alegadamente cometido contra um rapaz de apenas 12 anos, durante uma viagem de férias na Madeira.
Só quando isso aconteceu é que o sacerdote, ex-pároco da Nazaré, no Funchal, e entretanto enviado pela Igreja para fora de Portugal, primeiro em trabalho pastoral para a Suíça, depois como pároco numa comunidade de emigrantes na zona de Paris, foi afastado temporariamente de funções pela Igreja Católica — e logo a seguir desapareceu. Durante meses, o processo eclesiástico, entretanto aberto internamente pela diocese do Funchal contra o padre, na impossibilidade de o interrogar sobre o assunto, manteve-se em “fase preliminar”.
Em março de 2019, ao Observador, o gabinete do recém-nomeado bispo do Funchal, D. Nuno Brás, garantia que o paradeiro de Anastácio Alves continuava a ser desconhecido. Um mês depois, quando os bispos portugueses se reuniram em Fátima para discutir a criação de comissões de proteção de menores nas dioceses do país, D. Nuno Brás chegou à reunião com o caso na mesma e continuava sem saber onde se encontrava o padre Anastácio Alves. Nem na Madeira, onde não terá voltado, nem em Paris, de onde saiu para não regressar, se sabe da localização do sacerdote.
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Agora, pela primeira vez desde 23 de junho de 2018, Anastácio Alves deu sinal de vida, mas novamente sem revelar o seu paradeiro: enviou uma carta à diocese do Funchal a “pedir dispensa das suas obrigações de sacerdote”, de acordo com a informação do Diário de Notícias da Madeira. Sem remetente, a missiva, assinada pelo ainda padre, de 56 anos, terá sido depositada na caixa de correio da diocese. “A carta era do padre Anastácio Alves a pedir ao Santo Padre a dispensa das suas obrigações sacerdotais. A carta está assinada por ele e será enviada para o Santo Padre através da Congregação da Doutrina da Fé”, explicou fonte daquela diocese ao diário madeirense.
Anastácio Alves está desde o segundo semestre de 2018 a ser investigado pelo DIAP (Departamento de Investigação e Ação Penal) do Funchal por alegado abuso sexual de menor — num caso que não tem arguidos constituídos. Foi nessa investigação que o responsável máximo da Igreja Católica no arquipélago da Madeira se escudou quando, em abril deste ano, 10 meses depois das denúncias, foi questionado sobre a investigação interna da Igreja. “Aguardo a investigação da Polícia Judiciária. A PJ está a fazer investigações, por isso não vale a pena haver na diocese quem se substitua à PJ”, disse então D. Nuno Brás. Dois meses depois, no início de junho, o mesmo bispo, que até então recusara a criação de uma comissão para investigar os alegados abusos sexuais na diocese madeirense, cedeu à vontade do Papa Francisco: “Aqui há umas semanas, antes de haver todas estas normas, interrogava-me se era ou não necessário. Agora, o papa manda e obviamente que a Diocese do Funchal vai seguir aquilo que o papa manda”.
O terceiro caso — depois dos dois que acabaram arquivados por falta de provas — também teve origem numa carta anónima, recebida pelo bispo do Funchal em 2018. Se no primeiro caso (2007) a diocese tinha simplesmente mudado o sacerdote de paróquia e no segundo caso (2008) de país, à terceira denúncia contra Anastácio Alves o então bispo do Funchal, D. António Carrilho, decidiu suspendê-lo de funções — embora não tenha comunicado o caso às autoridades.
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O caso, embora fosse a terceira denúncia contra o sacerdote numa década, só chegaria aos tribunais através da Comissão de Proteção de Crianças e Jovens (CPCJ), que foi alertada pela escola da alegada vítima, que identificou mudanças no comportamento da criança de 12 anos.
A mando do bispo, o padre Anastácio Alves despediu-se da comunidade de emigrantes portugueses em Paris a quem prestava assistência e, em setembro de 2018, deixou o lugar. Nessa altura, paralelamente à investigação judicial que começou através do alerta da CPCJ, a diocese também havia aberto uma investigação própria, no âmbito do direito canónico. Mas, sobre este processo interno, pouco se sabe.
O gabinete do novo bispo do Funchal, D. Nuno Brás, chegou a afirmar, ao Observador, que pediu que o processo fosse continuado mesmo após a mudança de bispo, no início de 2019. Na altura, a diocese sublinhou que a dificuldade em encontrar o padre estava a atrasar o processo, já que era impossível interrogá-lo. Mas assegurou: “O processo avançará, mesmo sem a sua participação”.
O Observador pediu esclarecimentos à diocese do Funchal sobre os contornos do pedido de dispensa do padre e sobre o desenvolvimento do processo interno, mas não recebeu resposta até à publicação deste artigo.