O primeiro-ministro de Israel, Benjamin Netanyahu, e o secretário de Estado dos EUA, Mike Pompeo, encontram-se esta quarta-feira em Lisboa para uma reunião, ao jantar, que terá à mesa temas quentes como a promessa de anexação do Vale de Jordão e a situação no Irão — mas cujo pano de fundo parece ser a sobrevivência política do chefe de Governo israelita, formalmente acusado de corrupção e à beira das suas terceiras eleições legislativas num só ano.

O encontro surge numa altura em que Netanyahu se prepara para disputar as terceiras eleições legislativas no espaço de um só ano, depois de abril e de setembro, nas quais nenhum partido chegou à maioria absoluta, perante o muito provável fracasso de negociações para a formação de um governo de grande coligação. Se não houver um acordo até ao dia 11 de dezembro, os israelitas podem vir a ser chamados a votar pela terceira vez em menos de um ano.

Este encontro surge ainda sobre um pano de fundo inédito em Israel, em que Benjamin Netanyahu se tornou no primeiro chefe de governo em exercício a ser formalmente acusado de corrupção, fraude e abuso de confiança.

Perante um sem-fim de preocupações e dificuldades dentro de fronteiras, não é pois de estranhar que Benjamin Netanyahu tenha procurado esta reunião com o chefe da diplomacia dos EUA, Mike Pompeo. No fundo, é como se para o primeiro-ministro israelita retomasse a sua campanha eleitoral em Lisboa, com o beneplácito do secretário de Estado norte-americano. O encontro não deixa, porém, de ser inesperado: não era suposto ter acontecido em Portugal e o próprio Netanyahu, apesar de também se encontrar com António Costa e Augusto Santos Silva, assume que a prioridade é a reunião com os EUA, atirando o Governo português para segundo plano.

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Londres era o plano A de Netanyahu, Lisboa foi o plano B

Idealmente, para Benjamin Netanyahu, a reunião teria sido em Londres e não com Mike Pompeo, mas antes com o Presidente dos EUA, Donald Trump, tal como com outros chefes de Estado (como a alemã Angela Merkel e o francês Emmanuel Macron) que se deslocaram esta terça-feira à capital britânica por ocasião da cimeira da NATO.

Mas esse plano A não foi possível. De acordo com o jornal israelita Haaretz, tanto Angela Merkel como Emmanuel Macron não responderam às tentativas de agendamento de reuniões feitas através de vias diplomáticas — tanto Berlim como Paris têm tido relações tensas com Telavive, contribuindo para isso o empenho daqueles dois países em ressuscitar o acordo nuclear com o Irão e evitar as sanções colaterais aplicadas pelos EUA naquele país.

E, além disso, escreveu também aquele jornal, o Reino Unido terá rejeitado receber o primeiro-ministro de Israel, alegando “problemas logísticos” resultantes de o pedido ter sido feito demasiado em cima data e por coincidir com uma altura que já estariam em Londres os chefes de governo dos 29 países-membro da NATO.

Foi só depois deste revés londrino que surgiu a opção lisboeta, o plano B de Benjamin Netanyahu. Não é claro qual foi o processo que levou Benjamin Netanyahu a escolher Lisboa, mas essencial para esse desfecho será o facto de Mike Pompeo já ter agendada uma visita a Portugal para 4 e 5 de dezembro — isto depois de ter estado em Londres para a cimeira da NATO no dia 3 e 4 e antes de partir, no dia 5, para Rabat, capital de Marrocos.

Contactada pelo Observador, a Embaixada de Israel em Portugal alegou “razões de segurança” para não responder se foi Benjamin Netanyahu que contactou o Governo português para que o recebesse ou se foi antes Lisboa que ofereceu a possibilidade de o primeiro-ministro israelita se encontrar em solo luso com o secretário de Estado dos EUA.

A mesma pergunta foi dirigida ao Ministério dos Negócios Estrangeiros e ao Governo de Portugal, tal como à Embaixada dos EUA em Portugal, mas nenhum destes órgãos respondeu a esta e a outras questões do Observador.

Esta é a primeira visita de um primeiro-ministro israelita a Portugal em quase 20 anos. A última vez que um chefe de Governo de Israel veio ao país foi em junho de 2000, quando o então primeiro-ministro israelita Ehud Barak passou pela capital portuguesa. Ironicamente, também naquela altura o chefe de Governo de Israel veio a Portugal para se reunir com o então Presidente dos EUA, Bill Clinton.

Já a visita de Mike Pompeo chegou a estar prevista para ser começar na sexta-feira mas, de acordo com a Lusa, foi antecipada para esta quarta-feira de maneira a sobrar tempo para a reuniã com o chefe do Governo de Israel.

Em Portugal, Netanyahu atira Costa e Santos Silva para segundo plano

Durante a sua passagem por Portugal, que se estende também até dia quinta-feira, dia 5, Benjamin Netanyahu irá encontrar-se também com o primeiro-ministro, António Costa, e com o ministro dos Negócios Estrangeiros, Augusto Santos Silva — tal como acontecerá, no mesmo dia, com Mike Pompeo.

No entanto, no caso do primeiro-ministro israelita, ficou claro qual é a sua prioridade para estes dias quando falou aos jornalistas antes de embarcar para Lisboa. “Estou a partir agora para Lisboa, onde me encontrarei com o primeiro-ministro de Portugal. Ainda assim, o meu principal objetivo, antes de tudo, será encontrar-me com o secretário de Estado dos EUA, Mike Pompeo“, disse, atirando António Costa e Augusto Santos Silva para segundo plano.

O Observador sabe que, ainda assim, Benjamin Netanyahu pediu uma reunião de cortesia com o primeiro-ministro António Costa, que está marcada para esta quinta-feira e que deverá ter uma duração de aproximadamente 30 minutos — uma janela temporal reduzida onde, ainda assim, poderão surgir temas como a promessa de anexação do Vale do Jordão ou as sanções contra o Irão, nos quais Portugal age em linha com o resto da União Europeia: contra a anexação e contra a aplicações de novas sanções.

Já com Mike Pompeo, é possível que o tema das tarifas comerciais aplicadas a produtos europeus — onde se incluem produtos portugueses como cerejas, pêssegos, mexilhões, derivados de porco, queijo e iogurtes — surja na mesa de conversações. Também aqui o Governo português deverá alinhar com a posição do bloco europeu.

Irão e Vale do Jordão, dois temas requentados em Lisboa

Com eleições à espreita, Benjamin Netanyahu parte para Lisboa para colocar na mesa de conversações com Mike Pompeo dois temas que são caros com o eleitorado do seu partido, o Likud: o estabelecimento de um tratado de defesa entre os EUA e Israel e também a anexação, através da construção de novos colonatos, dos territórios disputados do Vale do Jordão.

Tanto um tema como o outro foram repescados por Benjamin Netanyahu. O tema de uma possível tratado de defesa entre os EUA e Israel já tinha sido avançado anteriormente, por Donald Trump, apenas três dias antes das eleições israelitas de setembro. “Tive uma chamada com o primeiro-ministro Netanyahu para discutir a possibilidade de avançar com um Tratado de Defesa Mútua entre os EUA e a Israel, que aprofundaria ainda mais a tremenda aliança entre os nossos países”, escreveu Donald Trump a 14 de setembro de 2019.

A discussão de qualquer tratado de defesa entre Israel e os EUA terá sempre em conta o Irão, país que o governo de Israel identifica como uma ameaça existencial para o Estado judaico. À saída de Telavive, Benjamin Netanyahu fez menção à onda de protestos no Irão, que começaram por causa do aumento para o dobro do preço dos combustíveis, e da qual a Amnistia Internacional garante terem resultado pelo menos 208 mortos em confrontos com a polícia — um  número com dimensões inéditas desde a Revolução Islâmica de 1979. Estas manifestações surgem ao mesmo tempo que outros dois países com forte influência iraniana, o Iraque e o Líbano, também são palcos de violentas manifestações.

“Estamos a assistir ao império iraniano a cambalear. Vemos que há manifestações em Bagdade, manifestações em Beirute”, enumerou o chefe de Governo de Israel. “É preciso aumentar esta pressão contra a agressão iraniana”, continuou Benjamin Netanyahu, referindo também a “marcha” do Irão para obter armas nucleares e desenvolver mais mísseis balísticos.

Também o tema da anexação do Vale de Jordão (que engloba aproximadamente um terço da Cisjordânia) remonta às eleições de setembro. Naquela altura, uma semana antes da abertura das urnas, o líder do Likud prometeu que ia anexar aqueles territórios disputados com a Jordânia mas que são de facto ocupados desde 1967.

Esta promessa de Benjamin Netanyahu, à qual a Palestina reagiu como dizendo que “enterra qualquer hipótese de paz”, ainda está por cumprir. Porém, a 18 de novembro, os EUA deram-lhe um empurrão, quando o secretário de Estado Mike Pompeo anunciou que os EUA deixariam a partir de então de considerar os colonatos israelitas na Cisjordânia uma violação da lei internacional. De acordo com Mike Pompeo, a tomada de posição dos EUA serviu para reconhecer a “realidade” no terreno.

A reunião de Benjamin Netanyahu e Mike Pompeo em Lisboa será a primeira entre altos representantes de cada um dos dois países desde aquela tomada de posição dos EUA.

“Netanyahu é corrupto, criminoso de guerra e colonialista.” Esquerda critica Governo

Pedro Filipe Soares, deputado do Bloco de Esquerda, criticou esta quarta-feira a disponibilidade do Governo em receber o primeiro-ministro de Israel, Benjamin Netanyah, que passa os próximos dois dias em Portugal de modo a encontrar-se com o secretário de Estado norte-americano, Mike Pompeo. “Há uma outra urgência que hoje se coloca perante o país. (…) Benjamin Netanyahu não é só um primeiro-ministro israelita. Corrupto, criminoso de guerra e colonialista, todos os dias atenta contra resoluções das Nações Unidas e vem cá a Portugal à procura de um novo Apartheid naquela região para garantir que consegue a anexação final do Vale do Jordão”, afirmou o deputado bloquista no Parlamento.

Lembrando ainda que o Reino Unido recusou ser o “cicerone” do encontro entre Netanyah e Mike Pompeo, Pedro Filipe Soares deixou as seguintes perguntas: “Porque é que Portugal se disponibilizou para esse papel? Porque é que lhe dá um carimbo de visita de Estado vendo a reunião com um primeiro-ministro e um ministro dos Negócios Estrangeiros? O Governo do Partido quer reeditar o modelo da triste fotografia da Cimeira das Lajes?”.

Também o PCP critica o encontro celebrado em território português. Em comunicado enviado às redações, o partido afirma que as presenças de Pompeo e de Netanyahu “são profundamente contrárias ao interesse nacional, aos preceitos constitucionais, aos valores da paz e da cooperação, comprometendo Portugal com as reiteradas violações do direito internacional de que ambos são protagonistas”. O PCP reitera que a decisão do Governo em receber ambas as figuras públicas é “grave” e “condenável” e afirma que Benjamin Netanyahu e Mike Pompeo “não são bem-vindos”.